Garantia de emprego

AutorGeorgenor de Sousa Franco Filho
Ocupação do AutorDesembargador do Trabalho de carreira do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região
Páginas251-263

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1. Generalidades sobre o instituto

Induvidoso que a regra do art. 7º, I, da Constituição, protege a relação de emprego, contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa, garantindo sua sobrevivência. Fê-lo, porém, nos termos de lei complementar, e, como corolário, estando sob reserva legal e a lei preconizada não existindo, continua letra morta no Texto Fundamental. Despiciendo, então, qualquer comentário maior sobre esse preceito constitucional. Resta lamentar, e muito, que o legislador infraconstitucional, único responsável, não tenha dado a menor importância a um dispositivo sem dúvida de valor singular. E a pouca vontade de tornar exigível esse direito foi confirmada quando uma lei complementar (a LC 150/2015) tratou do trabalho doméstico e omitiu a regulação desse direito que também se estende a essa categoria.

É relevante notar que existe profunda distinção entre estabilidade e garantia de emprego. Entendemos ser mais adequado evitar o uso da expressão estabilidade, destinada a situação específica, onde há caráter de permanência do contrato de trabalho, duração que impede o despedimento do empregado e, em este ocorrendo, pode ensejar sua reintegração ou indenização pelo período estabilitário, conforme a Súmula n. 396 do TST ou por determinação judicial (art. 496 da CLT). Estabilidade pressupõe permanência, duração indefinida Existem duas estabilidades: a jurídica é aquela que impede o despedimento do empregado pela vontade do empregador, mantido incólume seu contrato, preservado este do poder potestativo de dispensa patronal. A estabilidade econômica é a que cuida da parte in pecunia, que é o sustento mesmo do trabalhador subordinado, os ganhos para manter-se e a sua família.

Garantia de emprego, por seu turno, é a existência de fato impeditivo de dispensa por determinado período, salvo prática de ato que justifique a saída do obreiro, até que se expire esse tempo. A garantia de emprego é temporária, provisória, circunstancial, não dá, necessariamente, ao trabalhador direito à reintegração, embora faça jus o portador dessa prerrogativa de uma indenização correspondente.

Mauricio Godinho Delgado faz claramente a distinção, destacando que

a estabilidade, ..., é a vantagem jurídica de caráter permanente deferida ao empregado em virtude de uma circunstância tipificada de caráter geral, de modo a assegurar a manutenção indefinida no tempo do vínculo empregatício, independentemente da vontade do empregador 1 .

Por sua vez, a garantia de emprego é a vantagem jurídica de caráter transitório deferida ao empregado em virtude de uma circunstância contratual ou pessoal obreira de caráter especial, de modo a assegurar a manutenção do vínculo empregatício por um lapso temporal definido, independentemente da vontade do empregador. Tais garantias têm sido chamadas, também, de estabilidades temporárias ou provisórias (expressões algo contraditórias, mas que se vem consagrando)2.

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Com efeito, dois outros institutos precisam ser claramente distinguidos, no que refere ao retorno ao emprego de trabalhador injustamente despedido e beneficiário de alguma garantia de emprego. Trata-se dos institutos da reintegração e da readmissão. Na primeira, ao voltar para o trabalho, os direitos do obreiro retroagem à data do despedimento, ou seja, o trabalhador tem todos os direitos do período em que permaneceu afastado do trabalho, inclusive seus salários, tendo por inexistente a rescisão efetuada. Na segunda, a rescisão ocorrida é válida, produzindo seus efeitos normais, e readmitido, o trabalhador começa um novo contrato de trabalho, não havendo falar em retroação.

É importante observar que o TST firmou entendimento, por meio da OJ n. 399, de que o direito à indenização persiste mesmo temdo a ação trabalhista sido ajuizada após o período de garantia no emprego, eis que limitado o acesso ao Judiciário apenas quando superado o prazo prescricional do art. 7º XXXIX, da Constituição. Nesse caso, não há falar em reintegração. Diz precedente:

OJ n. 399. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. AÇÃO TRABALHISTA AJUIZADA APÓS O TÉRMINO DO PERÍODO DE GARANTIA NO EMPREGO. ABUSO DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE AÇÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. O ajuizamento de ação trabalhista após decorrido o período de garantia de emprego não configura abuso do exercício de direito de ação, pois este está submetido apenas ao prazo prescricional inscrito no art. 7º, XXIX, da CF/1988, sendo devida a indenização desde a dispensa até a data do término do período estabilitário.

2. Estabilidade decenal

A estabilidade decenal, lamentavelmente, embora ainda referida na CLT, na prática não mais existe. Começou a sucumbir em 1966, quando foi criado o FGTS. A opção que a antiga Lei n. 5.107, de 13.09.1966, contemplava, a rigor, nunca existiu, como apontaremos adiante (v., nesta Parte, Capítulo XX).

Quando promulgada, a CLT criou o direito de estabilidade do empregado que contasse com mais de dez anos de serviço na mesma empresa, à disposição do empregador, e sua despedida somente poderia ocorrer por motivo de falta grave ou circunstância de força maior, devidamente comprovadas. É ainda esta a regra do art. 492 da CLT:

Art. 492. O empregado que contar mais de 10 (dez) anos de serviço na mesma empresa não poderá ser despedido senão por motivo de falta grave ou circunstância de força maior, devidamente comprovadas.

Parágrafo único. Considera-se como de serviço todo o tempo em que o empregado esteja à disposição do empregador.

Hoje, essa estabilidade é residual. A partir de da Constituição de 1988, o único regime existente é o do FGTS, portanto, poucos são ainda, no Brasil, em atividade, trabalhadores beneficiados por essa verdadeira estabilidade.

Para a dispensa do empregado estável ocorrer mediante acusação de ter praticado uma das faltas do art. 482 da CLT (art. 493 da CLT), é (a rigor, era) imperioso o ajuizamento de inquérito judicial para apurar sua prática, e, durante sua instrução, o empregado poderá ser suspenso de suas funções, que se trata de uma faculdade patronal que poderá ou não ser exercida.

O direito de suspender o empregado observa prazo decadencial de trinta dias a contar da data da suspensão, pena de se transformar em perdão tácito, em não sendo ajuizado o inquérito judicial, conforme a Súmula n. 403 do STF3. A suspensão irá até a decisão final do inquérito, quando, se procedente, tornará efetiva sua despedida (art. 494 e parágrafo único).

Ocorrendo, todavia, a sua improcedência, e reconhecida que não houve prática de falta grave pelo empregado, este tem direito de ser readmitido no serviço, fazendo jus a receber os salários do período de afastamento (art. 495). A rigor, não se trata de readmissão, mas de reintegração do empregado, porquanto aquela só caberia se houvesse efetivo de desligamento do trabalhador, que apenas estava temporariamente afastado4.

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Tanto é assim que o art. 496 refere à reintegração, para, afastando-a quando houver incompatibilidade entre empregador e empregado, máxime se aquele for pessoa física, determinar que a Vara do Trabalho a converta em indenização. Ao decidir pela conversão da reintegração em indenização, o magistrado estará decidindo rigorosamente nos limites da lei, não havendo falar em julgamento extra petita.

A indenização é a referida no art. 478 consolidado, de um mês de remuneração por ano de serviço efetivo, ou por ano e fração igual ou superior a seis meses e devida de forma dobrada.

Em sendo extinta a empresa, fechando o estabelecimento, filial ou agência, ou havendo supressão necessária da atividade, não ocorrendo motivo de força maior, aos estáveis (os que possuem mais de dez anos de casa), é devida mesma a indenização (arts. 497 e 498, da CLT).

Os ocupantes de cargos de diretoria, gerência, ou outros de confiança imediata do empregador, não possuem estabilidade (art. 499 consolidado), tendo, todavia, direito de reversão ao cargo efetivo que ocupavam (§ 1º). Entretanto, se despedido injustamente, só tendo exercido cargo de confiança e possuindo mais de dez anos na mesma empresa, terá direito a indenização antiguidade nos termos mencionados acima (§ 2º), inclusive com a gratificação a que fazia jus pelo cargo que ocupava, conforme a Súmula n. 372, I, do TST5.

O art. 499, § 3º, da CLT cuida do que a doutrina e a jurisprudência convencionaram chamar de despedida obstativa, que deve ser entendida como que aquela que ocorre com o empregado que é despedido da empresa pouco tempo antes de implementar o decênio necessário à aquisição de sua estabilidade. Garantiu-lhe esse dispositivo indenização dobrada, e o TST firmou seu entendimento na Súmula n. 266, que, todavia, foi cancelada. No entanto, adotando a mesma posição defendida por Luciano Martinez, também entendemos que pode ser aplicado como referencial quando as partes interessadas criarem um sistema protetivo assemelhado7.

Por outro lado, se o empregado deseja demitir-se, seu pedido somente terá validade se estiver assistido de seu sindicato de classe, ou de autoridade do M.T.E. ou perante a Justiça do Trabalho (art. 500 da CLT).

Deve, finalmente, ser reiterado que todos os comentários acerca do instituto da estabilidade decenal devem ser vistos, hoje, como um elemento histórico. Como assinala Eduardo Gabriel Saad...

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