A história da Lei seca no brasil e orientações operacionais

AutorRicardo Alves da Silva
Páginas987-1030
A HISTÓRIA DA LEI SECA NO BRASIL
E ORIENTAÇÕES OPERACIONAIS
As leis escritas ou não, que governam os povos, não são fruto do capricho ou do arbítrio de
quem legisla. Ao contrário, decorrem da realidade social e da História concreta própria ao
povo considerado. Não existem leis justas ou injustas. O que existe são leis mais ou menos
adequadas a um determinado povo e a uma determinada circunstância de época ou lugar.
O autor procura estabelecer a relação das leis com as sociedades, ou ainda, com o espírito dessas.
(MONTESQUIEU, 1748)
1. ÁLCOOL E DIREÇÃO: RESUMO DE ALTERAÇÕES LEGAIS
Ao início de nosso trabalho e ciente de um tema tão complexo que é a relação
de álcool ao volante e a legislação que constantemente vem sendo alterada, faz-se in-
dispensável destacar que a análise de normas relacionadas ao fenômeno trânsito deve,
necessariamente, ser realizada com fundamento no Princípio do Trânsito Seguro (im-
plícito na Constituição da República, de 1988) e expressamente consagrado no art. 1º,
§2º, da Lei n. 9.503/97 (que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro): “§2º. O trânsito,
em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades compo-
nentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas
competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito.
A análise da constitucionalidade (ou não) das Leis que abordam o tema, por-
tanto, deve ser realizada a partir desse princípio, pois armar que violar o princípio
do trânsito em condições seguras (considerado mandamento nuclear e pilar de susten-
tação de toda a legislação de trânsito) constitui grave ofensa ao conjunto de normas
protetivas, que resultará na corrosão de sua estrutura mestra e irreparável prejuízo à
Segurança Viária.
Desse modo, toda a legislação de trânsito (seja ela anterior ou posterior ao CTB)
e sua interpretação devem conformar-se ao princípio do trânsito em condições seguras
e adotar como paradigma a “proteção à vida e à incolumidade física da pessoa” (como
expressamente previsto no art. 269, §1º, da Lei de Trânsito)
Faço essa manifestação inicial, de forma a esclarecer que nosso estudo deverá ser
analisado de forma “sistemática” e não isolada nas questões relacionada aos artigos
do CTB que expressam conduta infracional ao condutor que faz ingestão de álcool ao
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volante, pois de outra forma não entenderemos que o que é a SEGURANÇA VIÁRIA
e o objetivo das normas editadas.
Isto signica que a seguridade do Trânsito rege-se pelo princípio de que ninguém
deveria morrer ou se ferir ao trafegar pelas vias, mas isto “infelizmente, não ocorre, no
País e um dos principais fatores que contribui para as mortes no trânsito é o consumo
de bebidas alcoólicas ao volante.
O Álcool, sem sombra de dúvidas é apontado como um dos grandes responsá-
veis pelos alarmantes números de vítimas no trânsito brasileiro, a condução sob efeito
de álcool tem merecido atenção especial do legislador, que, pressionado pela opinião
pública e pela mídia tem reiteradamente buscado adequar a legislação às necessidades
sociais.
Assegurar o direito a um trânsito seguro perpassa, necessariamente pelo aparato
legal que dá sustentação à atuação dos órgãos que compõe o Sistema Nacional Trân-
sito e é justamente sob este aspecto que trata esta obra, fruto de minuciosa pesquisa
e dedicado estudo acerca das normas legais que atualmente regulamentam a matéria,
apresentando ainda uma retrospectiva do histórico de leis, decretos, resoluções e deli-
berações sobre alcoolemia que já vigoraram em nosso país.
O objetivo principal deste estudo será trazer a lume orientações para efetivo
cumprimento das alterações trazidas pela Lei nº 12.760/2012 e Lei nº 13.281/2016 que,
efetivamente tornou real a anterior pretensão legal de fazer vigorar no país uma lei
seca, com intuito principal de “salvar vidas”.
Mas o que é uma Lei Seca? De onde surgiu essa denominação?
Na verdade a nomenclatura “LEI SECA” foi das proibições mais falhas e conhe-
cidas de todo o mundo, que vigorou por mais de uma década a partir dos anos 20 nos
Estados Unidos. Mas mesmo antes da proibição, cerca de 18 estados norte-americanos
já tinham adotado uma política bastante restritiva em relação às bebidas alcoólicas.
Assim o Brasil procurou adotar essa nomenclatura objetivando NÃO TOLERAR que
um condutor assumisse a direção de um veículo sob efeito de álcool.
A citada Lei proibia produção, transporte ou venda de álcool em todo o território
norte-americano, tinha interesses políticos em jogo. Essa lei trouxe impactos para toda
a sociedade, porém afetou, principalmente, a indústria de vinhos e cervejas.
O dia 16 de janeiro de 1920 foi marcado como o último dia da década em que
norte-americanos puderam voltar comprar suas bebidas de maneira legal.
No Brasil, a primeira menção ao ato de “beber e dirigir” está no Código de Trân-
sito do ano de 1941. O artigo 104 do referido Código mencionava que “Serão recu-
sados os candidatos que se derem ao uso de álcool ou inebriantes...” e que dirigir em
estado de embriaguez era infração de trânsito (Artigo 55). O Código de 1966 (Lei
5108/66) mantém a infração e a penalidade, sendo que a ingestão de álcool e condu-
ção de veículos era tratada em seu Art.89, inc. II que previa que dirigir em estado de
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Infrações de Trânsito Comentadas
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embriaguez alcoólica ou sob efeito de substância tóxica de qualquer natureza era con-
siderada infração do Grupo I (a mais grave na época) somado à apreensão da Carteira
e do veículo. A quantidade de álcool para caracterizar a infração era prevista na Reso-
lução 737/89 do CONTRAN e era a quantidade de 8 decigramas de álcool por litro de
sangue, equivalente a 0,4mg/ litro de ar alveolar.
Já no Regulamento do Código Nacional de Trânsito – RCNT, de 1968, cria-se o cri-
me por embriaguez ao volante pelo Decreto 84.503/80 no artigo 143 e inciso III dizia que
quem houver sido condenado por crime “cometido em estado de embriaguez voluntária
ou culposa, produzida por álcool ou substância de efeitos análogos, só poderá habilitar-
se à condução de veículos automotores se estiver judicialmente reabilitado.
Na época, o considerável aumento do número de acidentes no país indicava que
o Código de Trânsito em vigor não mais se adequava à situação, o aumento da frota e
o desenvolvimento da tecnologia da indústria automobilística, sugeriam com urgência
uma nova legislação, razão pela qual em 1993, a Presidência da República enviou à Câ-
mara dos Deputados o projeto de lei de um novo código de trânsito que aprovado, pas-
sou a vigorar em 22 de janeiro de 1998, com o nome de Código de Trânsito Brasileiro.
Até esta data a na parte criminal era tratado como tipo genérico de direção pe-
rigosa, Contravenção Penal prevista no Art. 34 da LCP a qual tipica o ato de dirigir
veículos na via pública pondo em perigo a segurança alheia, prevendo prisão de 15
dias a 3 meses ou multa.
O Código de Trânsito Brasileiro, Lei nº 9.503 de 23 de setembro de 1997, trouxe
muitas inovações, estabelecendo uma nova relação entre o Estado e a sociedade. Aos
órgãos públicos foi atribuída a responsabilidade pela segurança e pela circulação de
pedestres e veículos conforme estabelecido no art. 1º, § 2º e no o § 3º atribui ao Estado
a responsabilidade pelo exercício do direito a um trânsito seguro.
O CTB apesar de ter inovado bastante em sua concepção, não tem sido suciente
para reduzir o elevado número de acidentes de trânsito, sobretudo aqueles provocados
pelo uso do álcool por parte dos motoristas.
Com o objetivo de aumentar o controle sobre o volume desses acidentes, em 2008
foi editada a lei nº 11.705, ou a PRIMEIRA “Lei Seca”, que adotou “tolerância zero” ao
uso de bebidas alcoólicas por parte dos condutores de veículos automotores.
Foi primeira tentativa de se implementar uma lei seca no Pais, e desta forma
alterou a redação do artigo 165 do CTB, determinando que para sua conguração
bastava apenas que o condutor dirigisse sob inuência de álcool, omitindo do caput
do artigo a necessidade de comprovação de concentração de álcool em nível superior
a seis decigramas.
Ocorre que o legislador olvidou-se de alterar o artigo 276 do CTB, que, conti-
nuou com a redação anterior, ou seja, xando a concentração de seis decigramas de
álcool por litro de sangue para comprovação de que o condutor se achava impedido
de dirigir veículo.
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