Mediação intercultural na proteção do superior interesse e inclusão social da criança cigana

AutorAna Cristina Augusto Pinheiro/Helena do Passo Neves
Páginas229-245
229
Artigo 131
MEDIAÇÃO INTERCULTURAL NA PROTEÇÃO DO SUPERIOR
INTERESSE E INCLUSÃO SOCIAL DA CRIANÇA CIGANA
Helena do Passo Neves
Tancredo Ferreira da Costa2
INTRODUÇÃO
Entre os diversos efeitos da mundialização, levada a efeito nas últimas
décadas do Século XX, merecem relevo os frequentes desencontros entre pessoas e
grupos de origens e culturas diferentes, alguns deles nascidos no país em que vivem,
a despeito de seus antecedentes familiares.
Nesse cenário, os direitos da criança cigana (entre outros grupos
multiculturais), nem sempre concretizados, constituem questão horizontal e
multidimensional a ser incluída nas políticas europeias e nacionais. Porém, sob o
enfoque da universalização que não admite relatividade, a mera previsão legal é
condição necessária, mas não suficiente para que alcance efetividade no cotidiano
desses grupos, particularmente vulneráveis.
Nessa linha de raciocínio, é de particular relevância que sejam analisados à
luz da teoria dos direitos humanos, direitos e garantias fundamentais e da legislação
específica portuguesa e da União Europeia. Na mesma perspectiva, é fundamental
buscar pilares legais e doutrinários relativos aos deveres e funções da família, do
Estado, da sociedade, das instituições de ensino formal e daquelas encarregadas de
acolhimento, na busca da proteção desse grupo social discriminado, que se encontra
em fase de desenvolvimento.
1 Atualização de artigo anteriormente apresentado no congresso CONPEDI 2017 BRAGA
PORTUGAL e Disponível em:
http://conpedi.danilolr.info/publicacoes/pi88duoz/kmsv328e/t6a2X4RSZ94Sv084.pdf ISBN: 978-85 -
5505-492-1
2 Advogado, Mestrando em Direito da Criança e Direito de Familia da Universidade do Minho. E-mail:
tancredoferreira@ig.com.br
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1. BREVES NOTÍCIAS DA TRAJETÓRIA DA COMUNIDADE CIGANA
NA SOCIEDADE MULTICULTURAL
Alguns estudos indicam que os ciganos são oriundos da Índia, foram
espalhando-se por todo território europeu pelos séculos XIV e XV e chegaram a
Portugal no século XVI.3 A chegada ao território Português foi realizada em grupo
pelo Alentejo, proveniente da Andaluzia.4
Não foi fácil a trajetória do povo cigano, vítima de deportações sistemáticas
e escravidão, durante mais de cinco séculos, no Sudeste e Centro da Europa,
especialmente nos principados romenos. Também é importante recordar as
perseguições e assassinatos pelo regime nazista: foram mortos mais de
500.000 ciganos nos campos de concentração.5
Com o afastamento da comunidade de origem, também ocorreu o tráfico para
os mais variados fins, incluindo a exploração sexual, laboral, a servidão doméstica,
tráfico de órgãos, adoção ilegal e mendicância.
Essas marcas históricas persistem na memória dos ciganos, contribuindo para
sentimentos de exclusão social, discriminação e perseguição, pertencentes a um grupo
sempre colocado à margem.
A representação social dominante em nossa cultura de que o povo cigano
dispõe de habitações confortáveis, mesmo sendo nômade, não corresponde à
realidade. Atualmente, apenas a minoria permanece nômade.6
Em Portugal e na maior parte dos países da Europa, vivem indivíduos de
origem cigana há mais de 500 anos. No entanto, eles continuam a ser submetidos à
discriminação, ao tratamento subalterno nas relações de poder social,
desconhecimento dos Direitos e se deparam com problemas no acesso ao trabalho.7
O processo de exclusão social e a situação de pobreza, falta de habitação e de
salubridade decorre da discriminação, o que acarreta dificuldade de acesso à
escolaridade e à quase impossibilidade de acesso ao mercado de trabalho.8
3 FRASER, A. A história do povo cigano. Lisboa: Teorema, 1997
4 NUNES, Olímpio, O Povo Cigano, Porto, Livraria Apostolado da Impresa, 1996
5 KENRICK, Donald e PUXON, Grattan, Os ciganos sob o domínio da suástica , Lisboa, Ed. Centre de
Recherches Tsiganes e Secretariado Entreculturas, 1998
6 CASTRO, Alexandra (1995). Ciganos e Habitat: Entre a Itinerância e a Fixação. Sociologia
Problemas e Práticas, nº 17
7 MARQUES, João F. Do «não racismo» português aos dois racismos portugueses, Lisboa, ACIDI, 2007
8 PINTO, Maria de Fátima, A cigarra e a formiga: contr ibutos para a r eflexão sobre o entrosa mento da
minoria étnica ciga na na sociedade por tuguesa, Cadernos REAPN, Porto: REAPN, 2000

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