Mitos, Caminhos e Acesso Multidimensional à Justiça: a Arbitragem e a Mediação como Fórmulas Parceiras do Judiciário do Trabalho no Brasil

AutorSergio Torres Teixeira
Páginas174-192
CAPÍTULO 16
Mitos, Caminhos e Acesso Multidimensional à Justiça: a
Arbitragem e a Mediação como Fórmulas Parceiras do
Judiciário do Trabalho no Brasil
Sergio Torres Teixeira(1)
(1) Doutor em Direito. Professor Adjunto da UNICAP e da FDR/UFPE. Desembargador do Trabalho.Vice-Presidente da Academia Brasileira de
Direito do Trabalho.
1. INTRODUÇÃO
O debate sobre as fórmulas alternativas à jurisdição
contenciosa da Justiça do Trabalho sempre foi um tema
delicado. Especialmente considerando a postura contun-
dente, às vezes hostil, de uma parte significativa de ma-
gistrados e mesmo de advogados, contrários a qualquer
forma de solução de conflitos individuais trabalhistas
que não envolvem diretamente a presença de um juiz do
trabalho.
Vários são os argumentos apresentados, mas sempre
com um mesmo fim: negar a admissibilidade dos caminhos
alternativos de acesso à justiça, enfatizando que apenas o
Judiciário do Trabalho revela condições de solucionar li-
des individuais entre empregados e empregadores.
O presente trabalho vai desafiar tal posição, defenden-
do não apenas a licitude do acesso às fórmulas alternati-
vas, mas procurando superar alguns “mitos” apresentados
como dogmas invencíveis no combate ao uso da mediação
extrajudicial e da arbitragem como meios de compor con-
flitos individuais trabalhistas.
Não será uma defesa incondicional. Exigências míni-
mas serão definidas para assegurar a lisura desses cami-
nhos alternativos.
Mas haverá, sim, a busca por uma justificativa plausível
para a admissibilidade dessas vias alternativas à jurisdição
contenciosa do Judiciário Trabalhista. É uma questão de
alta relevância. E, provavelmente, a melhor forma de en-
frentar os problemas de legitimidade social que a Justiça
do Trabalho vem enfrentando em decorrência do número
verdadeiramente colossal de ações trabalhistas propostas
todos os dias.
Nessa busca, serão apontadas algumas considerações
de doutrinadores e, ocasionalmente, serão utilizados posi-
cionamentos extraídos da jurisprudência dos tribunais do
trabalho para melhor ilustrar uma linha de argumentação.
Na maior parte do estudo, entretanto, a fonte primária
será a simples observação da realidade que cerca o Judi-
ciário do Trabalho. Serão extraídos do cotidiano da Justiça
do Trabalho fragmentos da realidade contemporânea da
prática forense vivenciada pelos próprios profissionais do
trabalho para procurar construir uma fundamentação ade-
quada para essa justificativa almejada.
Na caminhada, serão examinadas as inovações trazidas
pela Lei n. 13.467, de 2017, nesse campo das vias alterna-
tivas, em especial, a disciplina da cláusula compromissória
de arbitragem nos contratos individuais e o novo processo
de jurisdição voluntária de homologação de acordos ex-
trajudiciais. Cada técnica com suas virtudes e eventuais
defeitos. Como os instrumentos ainda não foram postos
em prática, a descrição será propositiva, e, ainda, conco-
mitantemente, crítica e esperançosa.
À missão.
2. DIMENSÕES DE ACESSO À JUSTIÇA
Acesso à Justiça corresponde a uma expressão de múl-
tiplas faces, de variadas acepções, sendo um dos institutos
jurídicos de considerável complexidade quanto à defini-
ção dos seus contornos.
CAPPELLETTI e GARTH (1988, p. 08), na obra que
consagrou tal expressão, reconhecem a dificuldade em de-
finir “acesso à Justiça”, mas apontam que no seu conceito
necessariamente haverá a determinação de dois escopos
basilares do ordenamento jurídico: “Primeiro, o sistema
deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve
produzir resultados que sejam individual e socialmente
justos”.
Deixando para outro momento a (infindável) discus-
são sobre o que seria “Justiça”, aquilo que agora mais exi-
ge uma análise crítica é a expressão “acesso” (...).
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Acessibilidade em que termos? Exatamente como se
materializa tal acesso? Existe apenas um caminho a seguir
para se chegar ao destino “Justiça”?
Para melhor compreender o significado de “acesso à
Justiça”, é imprescindível examinar as suas três dimensões
básicas. Nesse sentido, é possível “dividir” (ou, melhor,
“multiplicar”) o “acesso” em três graus: o acesso formal
a um sistema (ou a mais de um modelo) de resolução de
conflitos (1ª dimensão), o acesso material à tal resolução
(2ª dimensão) e o acesso efetivo à Justiça enquanto mani-
festação maior da cidadania (3ª dimensão).
A 1ª dimensão compreende o complexo de elementos
que asseguram a aproximação do cidadão a instituições
(pessoas naturais ou entidades abstratas) que desenvol-
vem métodos de composição de conflitos, como forma de
assegurar por meio de tal imediação o contato direto do
sujeito à fórmula de solução do embate envolvendo um
entrechoque de interesses.
Na seara do 1º grau de acesso à Justiça, assim, a preo-
cupação é com o contato imediato do sujeito de direito
com os procedimentos e os órgãos reconhecidos como
legítimos para promover a solução de situações conflituo-
sas. Só há acessibilidade nessa dimensão, destarte, se uma
pessoa, sentindo-se lesada ou ameaçada de sofrer lesão,
tem ao seu alcance entes que possam promover fórmulas
aptas a pôr fim ao conflito.
Nesse sentido, a falta de acesso formal às unidades
integrantes do Poder Judiciário, por exemplo, representa
um obstáculo ao acesso à Justiça na sua 1ª dimensão. E,
considerando a atual era do PJE (Processo Judicial Eletrô-
nico), essa (falta) de acessibilidade à máquina judiciária
precisa ser considerada com base em dois ângulos.
No plano físico, deve existir uma unidade judiciá-
ria próxima ao cidadão dentro da comunidade. Se não
há um juízo competente da estrutura judiciária atuando
em determinado município do interior de um Estado da
Federação, nem existe uma unidade localizada em uma
proximidade razoável, o cidadão que reside em tal comu-
nidade está sendo marginalizado por não ter acesso a um
órgão do Judiciário. No plano telemático, por outro lado,
a ausência física pode até ser superada por um contato
eletrônico não presencial... desde que a acessibilidade à
internet seja suficiente e adequada ao uso do intensivo da
tecnologia da informação.
E, merece ser enfatizado, a 1ª dimensão de acesso à
Justiça deve necessariamente levar em consideração a
acessibilidade de cidadãos com qualquer forma de defi-
ciência. Assim, a acessibilidade física às sedes de tais ór-
gãos por cidadãos com limitações físicas é uma questão
de grande relevância... sendo completamente intolerável
na sociedade contemporânea, por exemplo, a ausência de
rampas para uso daqueles com dificuldade de locomoção.
De igual forma, de nada adianta a disponibilidade de um
sistema como o Processo Judicial Eletrônico se este cami-
nho for tortuoso para uma pessoa com deficiência visual.
Sem tal acesso, não há como falar em “acesso à Justi-
ça”, pois a presença das condições necessárias à formali-
zação do direito de pedir a tutela jurisdicional do Estado
é pressuposto essencial à cidadania, sendo o primeiro pas-
so a ser dado pelo jurisdicionado que se sente lesado ou
ameaçado de sofrer lesão.
Ampla e irrestrita deve ser acessibilidade de qualquer
cidadão às fórmulas e às entidades aptas a compor os seus
conflitos.
A 2ª dimensão de acesso à Justiça, o acesso material à
resolução do conflito, representa um segundo passo, uma
medida subsequente ao acesso formal às entidades que
atuam na composição de conflitos.
Nesse sentido, por exemplo, a simples existência de
uma unidade jurisdicional em um município interiorano
não assegura a materialização da proteção jurisdicional do
Estado-Juiz. E se, depois de ser criada a respectiva unida-
de judicial e proposta uma ação por um cidadão, a respec-
tiva demanda permanecer (injustificadamente) sem uma
decisão por um longo período de tempo? Ou, tão negativo
quanto, se uma sentença for publicada mas os efeitos ma-
teriais da mesma (isto é, a concretização da tutela jurisdi-
cional tipificada no respectivo provimento) permanecer
em suspense enquanto se aguarda a tramitação das fases
recursais ou então sejam enfrentados os obstáculos pró-
prios da fase executiva?
Não há “acesso à Justiça” sem acesso aos efeitos mate-
riais da solução definida quando da composição do con-
flito. Além da acessibilidade às fórmulas compositivas, é
inerente à ideia de “acesso à Justiça” o contato do cidadão
à eficácia natural da medida que definiu a resolução da
lide. Em um processo judicial, por exemplo, só há acesso
à Justiça em sua 2ª dimensão quando ocorre a materia-
lização do provimento judicial no qual se encontra con-
substanciada tutela estatal definida pelo respectivo órgão
jurisdicional.
Proporcionando ao cidadão a materialização de uma
tutela jurisdicional dentro de um processo de razoável
duração não é apenas uma garantia constitucional do
processo, mas essencialmente um direito fundamental
processual (art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição da
República). O dever do Estado de prestar uma tutela efe-
tiva (adequada, justa e útil), assim, somente poderá ser
cumprido mediante a concretização do direito de acesso
do cidadão à jurisdição estatal.
O cidadão precisa “sentir” os efeitos materiais da so-
lução do conflito, sendo insuficiente uma proteção esta-
tal apenas no plano abstrato, sem ser efetivada na esfera
empírica.
Tanto o acesso formal aos caminhos aptos a promover
a composição (1ª dimensão), como o contato direto do
cidadão com os efeitos materiais dessa solução (2ª dimen-
são), são imprescindíveis a um padrão mínimo de cida-
dania. E, também, são pressupostos do ideal máximo de
acesso à Justiça.

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