Negócios Jurídicos Processuais Atípicos no CPC/2015

AutorFredie Didier Jr
Páginas102-113
CAPÍTULO 9
Negócios Jurídicos Processuais Atípicos
no CPC/2015(*)
Fredie Didier Jr.(1)
(*) Publicado em Revista Brasileira da Advocacia, São Paulo. v. 1, p. 59-86, 2016.
(1) Livre-docente (USP), Pós-doutorado (Universidade de Lisboa), Doutor (PUC/SP) e mestre (UFBA). Advogado.
(2) DIDIER JR., Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Teoria dos fatos jurídicos processuais. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2012. p. 59-60.
(3) CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais: entre publicismo e privatismo. Tese de Livre-docência – Universidade de São Paulo,
Faculdade de Direito. São Paulo, 2015.
(4) Vai ainda mais além Paula Costa e Silva, com argumentos muito bons, que aproxima o acto postulativo do ato negocial. Defende que é ato que
delimita o objeto do processo e que traduz o que a parte “quer” do tribunal. Traduz manifestação de vontade, com escolha dos efeitos desejados,
sendo que o tribunal fi ca adstrito ao que lhe foi pedido (SILVA, Paula Costa e. Acto e Processo. Coimbra: Coimbra Editora, 2002. p. 318 ss.). A ideia
parece correta e a ela aderimos. Em sentido diverso, entendendo que a postulação é um ato jurídico em sentido estrito, OLIVEIRA, Bruno Silveira
de. O juízo de identifi cação de demandas e de recursos no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 119.
(5) Na doutrina, por exemplo, GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 297 e segs.
1. NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS: NOÇÕES
GERAIS, ESPÉCIES E CLASSIFICAÇÃO
Negócio processual é o fato jurídico voluntário, em cujo
suporte fático se confere ao sujeito o poder de regular,
dentro dos limites fixados no próprio ordenamento jurí-
dico, certas situações jurídicas processuais(2) ou alterar o
procedimento.
Sob esse ponto de vista, o negócio jurídico é fonte de
norma jurídica processual e, assim, vincula o órgão julga-
dor, que, em um Estado de Direito, deve observar e fazer
cumprir as normas jurídicas válidas, inclusive as convencio-
nais(3). O estudo das fontes da norma jurídica processual não
será completo, caso ignore o negócio jurídico processual.
Há diversos exemplos de negócios processuais: a elei-
ção negocial do foro (art. 63, CPC), o negócio tácito de
que a causa tramite em juízo relativamente incompetente
(art. 65, CPC), o calendário processual (art. 191, §§ 1º e
2º, CPC), a renúncia ao prazo (art. 225, CPC), o acordo
para a suspensão do processo (art. 313, II, CPC), a orga-
nização consensual do processo (art. 357, § 2º, CPC), o
adiamento negociado da audiência (art. 362, I, CPC), a
convenção so bre ônus da prova (art. 373, §§ 3º e 4º, CPC),
a escolha consensual do perito (art. 471, CPC), o acordo
de escolha do arbitramento como técnica de liquidação
(art. 509, I, CPC), a desistência do recurso (art. 999, CPC),
o pacto de mediação prévia obrigatória (art. 2º, § 1º, Lei
n. 13.140/2015) etc. Todos são negócios processuais típicos.
Bem pensadas as coisas, na própria petição inicial há
pelo menos o negócio jurídico processual(4) de escolha do
procedimento a ser seguido, visualizado com mais facilida-
de quando o autor pode optar entre diversos procedimen-
tos, como entre o mandado de segurança e o procedimento
comum.
Há negócios processuais relativos ao objeto litigioso do
processo, como o reconhecimento da procedência do pedi-
do, e há negócios processuais que têm por objeto o próprio
processo, em sua estrutura, como o acordo para suspensão
convencional do procedimento. O negócio que tem por
objeto o próprio processo pode servir para a redefinição
das situações jurídicas processuais (ônus, direitos, deveres
processuais) ou para a reestruturação do procedimento.
Há a possibilidade de celebração de negócios proces-
suais atípicos, lastreados na cláusula geral de negociação
sobre o processo, prevista no art. 190, CPC, a principal
concretização do princípio do respeito ao autorregramen-
to processual. Ao art. 190 do CPC, se dedica um item es-
pecífico, mais à frente.
Note, ainda, que é possível visualizar negócios proces-
suais unilaterais (que se perfazem pela manifestação de
apenas uma vontade), como a desistência e a renúncia, e
negócios bilaterais (que se perfazem pela manifestação
de duas vontades), como é o caso da eleição negocial do
foro e da suspensão convencional do andamento do processo.
Não deveria haver maiores dúvidas a respeito do tema.
Parece claro que, se a renúncia é um negócio jurídico, como
reputa a doutrina de maneira generalizada(5), não atribuir
a mesma natureza jurídica à renúncia do direito de recorrer,
por exemplo, seria incoerência que não se pode admitir. O

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