A retomada de uma teoria materialista do crime e da pena: aportes a partir de Marx e Pachukanis

AutorNayara Rodrigues Medrado
Ocupação do AutorMestranda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais
Páginas49-69
ESTUDOS EM HOMENAGEM AOS 10 ANOS DO GRUPO CASA VERDE • 49
A retomada de uma teoria materialista
do crime e da pena:
aportes a partir de Marx e Pachukanis1
Nayara Rodrigues Medrado2
Introdução
Este trabalho tem o objetivo de resgatar, de forma parcial e
introdutória, alguns aportes de Marx e de Pachukanis para a com-
preensão da questão criminal. Trata-se de um esforço no sentido de
retomada de uma tradição materialista de concepção do crime e da
pena desde as raízes dessa mesma tradição.
A partir dos autores-referência do texto, pretende-se, parti-
cularmente, chamar atenção para o fato de que uma crítica ao sistema
penal não pode estar dissociada de uma crítica ao Direito enquanto
tal. Por óbvio, uma perspectiva de deslegitimação do sistema penal
que tome por base o instrumental teórico do "Materialismo Histó-
rico" deve estar atrelada a um intento de transformação radical das
condições de vida a partir de uma perspectiva de superação da pró-
pria sociabilidade que conforma essas mesmas condições, o que, en-
tretanto, tem por decorrência, na visão marxiana e pachukaniana, a
superação do próprio direito, fato que parece por vezes ser negligen-
ciado em parte dos debates criminológicos, a partir de uma autono-
mização da esfera do sistema penal.
Nessa perspectiva, a retomada de Marx, como o autor que
lançou as bases para toda uma especíca tradição de compreensão
da realidade, em geral, e para uma teoria materialista do crime e da
pena que ganha força a partir da década de 1960, em particular, bem
1
Este artigo foi escrito a partir de palestra proferida na Faculdade de Direito e Ciên-
cias do Estado da UFMG, por ocasião do “Seminário Caminhos para a Revolução
de 1917: as revoluções antes da Revolução. Também representa, em parte, algumas
das reexões da autora no âmbito de sua dissertação de Mestrado, ainda em cons-
trução.
2
Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Endereço do
currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/3440064310964891. Contato: nayaramedra-
do@gmail.com.
50 • CRIMINOLOGIA CRÍTICA E CRÍTICA CRIMINOLÓGICA
como o resgate das contribuições de Pachukanis, reconhecido como
o maior e mais consequente teórico marxista do direito, constitui ta-
refa importante no sentido de deixar claros os pressupostos dos quais
uma tal pretensão prático-teórica não pode abrir mão. Isso implica,
também, em enfrentar de forma séria e consequente – para além do
fácil e frágil argumento do “anacronismo” – os vários pontos de ten-
são e de desconforto presentes na concepção marxiana do crime e da
pena, como o são o tratamento do lumpenproletariado e do próprio
estatuto do crime, para car em alguns poucos exemplos. O objeti-
vo aqui, dada a limitação do espaço, é mais chamar atenção para a
necessidade de enfrentamento dessas questões do que propriamente
oferecer respostas denitivas.
O Estatuto do crime e do criminoso em Marx
O primeiro esclarecimento a ser feito desde já é que Marx
não constrói exatamente uma teoria criminológica, porque, de um
lado, suas análises não partiam da lógica das ciências parcelares –
ao contrário, nas palavras do próprio Marx, “conhecemos uma única
ciência, a ciência da historia” (MARX; ENGELS, p. 86); e porque, de
outro, ele nunca tomou a questão penal como eixo central de análise.
Ao contrário, o compromisso do Marx era com a compreensão da
própria realidade efetiva e de suas determinações materiais, e mais
especicamente com a investigação do modo de produção capitalista
e suas correspondentes relações de produção e de circulação, bem
como as vias possíveis de sua superação.
Contudo, mesmo não havendo um tratamento sistemático
ou, mesmo, uma obra especíca do Marx destinada a tratar da ques-
tão do crime e da pena, a análise esparsa desses elementos, sempre
em meio à busca da compreensão da própria realidade efetiva, nos
traz chaves de investigação interessantes que podem contribuir para
a compreensão disso que estamos denominando por questão penal.
Os enfoques possíveis são muito variados. O primeiro deles,
e talvez o mais intuitivo, é aquele que diz respeito ao reconhecimento,
em Marx, de um possível caráter criminógeno da sociedade capitalis-
ta, isto é, da compreensão do capitalismo mesmo, com suas determi-
nações e consequências, como fator de propulsão ao crime. Em um
artigo chamado “População, crime e pauperismo”, Marx, analisando

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