Alguns apontamentos sobre o confisco alargado no Brasil

AutorRenee do Ó Souza
Ocupação do AutorMestre em Direito. Professor e autor de obras jurídicas. Promotor de Justiça em Mato Grosso. Membro Auxiliar do Conselho Nacional do Ministério Público.
Páginas133-150
ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE
O CONFISCO ALARGADO NO BRASIL
Renee do Ó Souza
Mestre em Direito. Professor e autor de obras jurídicas. Promotor de Justiça em
Mato Grosso. Membro Auxiliar do Conselho Nacional do Ministério Público.
Sumário: 1. Introdução – 2. Política de despatrimonialização do crime – 3. Pressupostos do
consco alargado – 4. Bens atingidos pela medida – 5. Constitucionalidade e convencionalida-
de do consco alargado – 6. Aspectos práticos do consco alargado; 6.1 Pedido na inicial; 6.2
Instrução probatória dos bens conscados; 6.3 Sentença; 6.4 Recurso cabível – 7. O consco
no acordo de colaboração premiada – 8. Conclusões – 9. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Em outubro de 2019, a Lei 13.886 introduziu o art. 63-F na Lei 11.343/2006
e inseriu no direito penal do Brasil o consco alargado ou consco ampliado
ou perda alargada, que consiste na perda de bens considerados produto ou
proveito do crime, desde que comprovado o envolvimento do agente com o
tráco de drogas.
Depois, a Lei 13.964/2019, conhecida como Lei Anticrime, inseriu dis-
posição semelhante no art. 91-A do Código Penal, de modo a ampliar os casos
de consco alargado para condenações por outras infrações penais. Esta nova
disposição, embora mais abrangente, possui algumas ligeiras diferenças para
aquela prevista na Lei de Drogas, como pode ser analisado na tabela compa-
rativa a seguir:
Lei de Drogas Código Penal
Art. 63-F. Na hipótese de condenação por infrações às quais
esta Lei comine pena máxima superior a 6 (seis) anos de
reclusão, poderá ser decretada a perda, como produto ou
proveito do crime, dos bens correspondentes à diferen-
ça entre o valor do patrimônio do condenado e aquele
compatível com o seu rendimento lícito. (Incluído pela Lei
13.886, de 2019).
Art. 91-A. Na hipótese de condenação por infrações às quais
a lei comine pena máxima superior a 6 (seis) anos de reclusão,
poderá ser decretada a perda, como produto ou proveito do
crime, dos bens correspondentes à diferença entre o valor do
patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com
o seu rendimento lícito.(Incluído pela Lei 13.964, de 2019).
§ 1º A decretação da perda prevista no caput deste artigo
ca condicionada à existência de elementos probatórios
que indiquem conduta criminosa habitual, reiterada ou
prossional do condenado ou sua vinculação a organização
criminosa.
Sem correspondência
rENEE Do Ó SouZA
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Lei de Drogas Código Penal
§ 2º Para efeito da perda prevista no caput deste artigo,
entende-se por patrimônio do condenado todos os bens:
I – de sua titularidade, ou sobre os quais tenha domínio e
benefício direto ou indireto, na data da infração penal, ou
recebidos posteriormente; e
II – transferidos a terceiros a título gratuito ou mediante con-
traprestação irrisória, a partir do início da atividade criminal.
§ 1º Para efeito da perda prevista no caput deste artigo, enten-
de-se por patrimônio do condenado todos os bens:
I – de sua titularidade, ou em relação aos quais ele tenha o
domínio e o benefício direto ou indireto, na data da infração
penal ou recebidos posteriormente; e
II – transferidos a terceiros a título gratuito ou mediante con-
traprestação irrisória, a partir do início da atividade criminal.
§ 3º O condenado poderá demonstrar a inexistência da
incompatibilidade ou a procedência lícita do patrimônio.
§ 2º O condenado poderá demonstrar a inexistência da incom-
patibilidade ou a procedência lícita do patrimônio.
Sem correspondência
§ 3º A perda prevista neste artigo deverá ser requerida expres-
samente pelo Ministério Público, por ocasião do oferecimento
da denúncia, com indicação da diferença apurada.
Sem correspondência
§ 4º Na sentença condenatória, o juiz deve declarar o valor da
diferença apurada e especicar os bens cuja perda for decre-
tada. (Incluído pela Lei 13.964, de 2019)
Sem correspondência
§ 5º Os instrumentos utilizados para a prática de crimes por orga-
nizações criminosas e milícias deverão ser declarados perdidos
em favor da União ou do Estado, dependendo da Justiça onde
tramita a ação penal, ainda que não ponham em perigo a segu-
rança das pessoas, a moral ou a ordem pública, nem ofereçam
sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos crimes.
O consco é apontado como uma medida voltada, notadamente, ao ecaz
combate aos crimes aquisitivos, entendidos como aqueles produtores de grande
enriquecimento econômico dos agentes. Por isso deve ser considerado como me-
dida de otimização no enfrentamento desta espécie de crimes porque: a) promove
a asxia econômica de certos crimes; b) supre a insuciência e ineciência das
penas privativas de liberdade, que se mostra deciente para prevenir e reprimir
esta espécie de delitos; c) diculta o investimento ou guarda de ativos para uso
após o cumprimento da pena, seja pelos próprios autores dos crimes, seja por
terceiros, como familiares, comparsas, procuradores etc.
Além de examinar as características principais do consco alargado, me-
diante revisão bibliográca, este trabalho procura identicar sua a conexão com
a política criminal de enfrentamento à criminalidade organizada, notabilizada
pela obtenção de grandes vantagens econômicas que a impulsionam.
2. POLÍTICA DE DESPATRIMONIALIZAÇÃO DO CRIME
A principal motivação para o consco penal é a chamada despatrimoniali-
zação do criminoso de modo a incrementar um reproche econômico ao delito,
objetivo diferente dos tradicionais efeitos dissuasórios e retributivos da sanção
penal, notadamente àquelas categorias criminosas altamente rentáveis como o
tráco de drogas praticado por organizações criminosas.1
1. Calha citar aqui a lúcida ponderação de Canotilho: “é possível que o direito constitucional e o direito penal
tenham de abrir-se a novos paradigmas, ou porque os cânones clássicos se revelam hoje inadequados,

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