O tratamento de dados pessoais nas investigações de organizações criminosas

AutorJoão Paulo Gabriel de Souza
Ocupação do AutorMestrando em Direito Processual Penal pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco ? Universidade de São Paulo (USP). Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo (2020). Especialista em Direito Público pela Universidade Anhanguera-Uniderp (2009). Integrante e Relator do Grupo de Trabalho do ...
Páginas205-224
O TRATAMENTO DE DADOS PESSOAIS
NAS INVESTIGAÇÕES DE ORGANIZAÇÕES
CRIMINOSAS
João Paulo Gabriel de Souza
Mestrando em Direito Processual Penal pela Faculdade de Direito do Largo de
São Francisco – Universidade de São Paulo (USP). Especialista em Direito Penal
pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo (2020). Especialista
em Direito Público pela Universidade Anhanguera-Uniderp (2009). Integrante
e Relator do Grupo de Trabalho do Ministério Público do Estado de São Paulo
sobre a proteção de dados e o seu tratamento na área penal (Nota Técnica
05/2021-PGJ). Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São
Paulo. Membro do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado,
Secretário Executivo do Núcleo de São José do Rio Preto. http://lattes.cnpq.
br/4822404562413070.
Sumário: 1. Introdução – 2. A mudança de paradigma da persecução penal; 2.1 A mudança
de paradigma da investigação criminal e o tratamento de dados pessoais – 3. Organizações
criminosas; 3.1 Características das organizações criminosas; 3.1.1 Distinção entre criminalidade
de massa e criminalidade organizada; 3.1.2 Invisibilidade e intangibilidade: atuação sigilosa
e diculdade probatória; 3.2 Incremento do risco e eciência propiciados pelas novas tecno-
logias; 3.2.1 Espaços de ação cosmopolizados; 3.2.2 Sociedade em rede; 3.2.3 Shell companies
como redes criminosas – 4. Tratamento de dados pessoais como técnica de investigação das
organizações criminosas; 4.1 A estratégia internacional de consco do capital das organiza-
ções criminosas e a não oposição de sigilo de dados da rede nanceira: a ocupação estatal
dos “espaços de ação cosmopolizados”; 4.2 Tratamento preditivo de dados pessoais pela uni-
dade de inteligência nanceira: a scalização sobre as “redes” nanceiras; 4.3 Os parâmetros
jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal para o compartilhamento intraestatal de dados
pessoais; 4.4 O processamento automatizado de dados pessoais como técnica investigativa
para a identicação das shell companies e das organizações criminosas como seus beneciários
nais – 5. Conclusão – 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O Ministério Público que se pretende estratégico e resolutivo no enfrenta-
mento das organizações criminosas precisa concretizar o seu papel de “instituição
de garantia dos direitos fundamentais”,1 para usar as palavras do jurista italiano
1. Nas palavras do jurista italiano Luigi Ferrajoli, após um estudo sobre o novo perl constitucional do
Ministério Público no direito comparado, notadamente aos modelos latino-americanos, em especial ao
perl constitucional brasileiro, deniu o Ministério Público sob a ótica do seu “papel garantista”, como
“uma instituição de garantia dos direitos fundamentais”, atribuindo como uma de suas características
a clara separação e independência dos poderes políticos do governo que são condições indispensáveis
ao exercício de suas funções de garantia”. Explica o ilustre jurista que “Essa independência se baseia em
duas razões. Em primeiro lugar, sobre o fato de que todas essas funções, como funções de garantia dos
JoÃo PAulo GAbrIEl DE SouZA
206
Luigi Ferrajoli, e exercer com eciência o seu “dever de proteção estatal”, para
citar Robert Alexy,2 como titular da ação penal face ao fenômeno social que se
apresenta entre os maiores “detratores do projeto constitucional brasileiro e prin-
cipal obstáculo ao pleno exercício do cidadão aos seus status constitucionalmente
assegurados”.3
Ao longo das mais de três décadas da Constituição, no âmbito criminal,
o Ministério Público abdicou da atuação meramente burocrática e reativa – as
demandas outorgadas pela Polícia, e passou a agir de forma dinâmica e ativa,
especializando as suas funções – em Grupos de Atuação Especial, Promotorias
especializadas e Forças Tarefas – desenvolvendo investigações próprias ou em
conjunto com outros órgãos de scalização, unidades de inteligência e segurança
pública estatais, conforme os interesses prementes da sociedade.
O desenvolvimento de novas tecnologias incrementou risco e eciência sob
o campo de atuação das organizações criminosas. Por outro lado, também po-
tencializou as formas de controle e repressão da criminalidade organizada pelos
órgãos de persecução penal.
Em vista do recorte proposto, o primado da análise será sob a ótica da me-
tamorfose social e dos potenciais tecnológicos em uma releitura sob o âmbito
da ação criminosa e da reação estatal, com os desenvolvimentos jurídicos sobre
a proteção de dados apenas como pano de fundo.4 No cerne do debate, o trata-
direitos são sempre, virtualmente, como os próprios direitos garantidos, contra as maiorias contin-
genciais. Em segundo lugar, sobre o caráter tendencialmente cognitivo da ação do Ministério Público,
assim como da jurisdição, ambas legitimadas pela correta e imparcial averiguação da verdade, a qual
pode ser distorcida e deformada pelos vínculos e dependência ou dos condicionamentos políticos”.
Per um Pubblico Ministero come Istituzione di Garanzia. 2015, p. 27.
2. Compreendido como o direito do cidadão, “titular de direitos fundamentais em face do Estado a que
este o projeta contra intervenções de terceiros”. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso
da Silva. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 450. Sobre a temática, vide p. 450-469.
3. GABRIEL DE SOUZA, João Paulo. Os parâmetros entre a tutela da privacidade e o dever de comuni-
cação de ilícitos aos órgãos de persecução penal. Escola Superior do Ministério Público do Estado de
São Paulo, São Paulo, 2020, p. 27.
4. O Brasil, a despeito de possuir legislação atinente há inúmeras possibilidades de intervenções estatais
sobre dados pessoais (interceptações telefônicas e telemáticas, registros de conexão e de acesso a aplica-
ções de internet, dados cadastrais etc.), ainda carece de lei geral que estabeleça regras gerais, princípios
e pormenorize a autorização de intervenção com requisitos mais claros e adequados ao âmbito de
proteção dessa nova formatação de direito. A missão promete ser concretizada em parte pelo órgão
legiferante infraconstitucional, conforme anunciado pelo artigo 4º, inciso III, a e d, da Lei 13.709, de
14 de agosto de 2018 – Lei Geral de Proteção de Dados, ainda em fase embrionária no Parlamento
brasileiro. Para ns ilustrativos, portanto, serão adotados conceitos, regras e princípios extraídos da Lei
Geral de Proteção de Dados brasileira, como representação nacional sobre a regulamentação da matéria.
Citar-se-á também o Regulamento Geral de Proteção de Dados na União Europeia – GDPR – General
Data Protection Regulation, em especial, sob a Diretiva (UE) 2016/680 – direcionada ao campo penal,
face a sua representatividade comunitária e internacional e a forte inuência do seu equivalente cível
(Regulamento 2016/679) sobre a legislação brasileira.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT