Eficácia normativa da convenção das nações unidas contra o crime organizado internacional na ordem jurídica brasileira

AutorMarcelle Rodrigues da Costa e Faria
Ocupação do AutorMestre em Direito pela UFMT. Promotora de Justiça do Estado de Mato Grosso. Presidente da Confraria do Júri (Associação Nacional dos Promotores do Júri do Brasil).
Páginas185-204
EFICÁCIA NORMATIVA DA CONVENÇÃO
DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA
O CRIME ORGANIZADO INTERNACIONAL
NA ORDEM JURÍDICA BRASILEIRA
Marcelle Rodrigues da Costa e Faria
Mestre em Direito pela UFMT. Promotora de Justiça do Estado de Mato Grosso.
Presidente da Confraria do Júri (Associação Nacional dos Promotores do Júri
do Brasil).
Sumário: 1. A Convenção das Nações Unidas contra o crime organizado transnacional – 2. O
ingresso da Convenção das Nações Unidas contra o crime organizado transnacional (Convenção
de Palermo) no ordenamento jurídico brasileiro – 3. Convenção das Nações Unidas contra o
crime organizado transnacional (Convenção de Palermo) como Tratado Internacional de Di-
reitos Humanos – 4. Do princípio da reserva legal no direito penal e a Convenção de Palermo
– 5. As normas processuais penais previstas na convenção que devem ser aplicadas de forma
imediata – 6. Conclusão – 7. Referências.
1. A CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA O CRIME
ORGANIZADO TRANSNACIONAL
A necessidade de discutir e repreender o crime organizado transnacional
exsurge como mais um fenômeno da pós modernidade, marcada pela alteração
dos vínculos sociais em decorrência do desenvolvimento tecnológico, econômico e
social, que têm exigido dos Estados Soberanos e de suas instituições uma resposta
adequada à violação de direitos humanos perpetrados por esse tipo requintado
e complexo de criminalidade.
Isso porque a sociedade pós-moderna que enfrenta a globalização econô-
mica caracterizada pelo capital utuando no “espaço de uxos” global, livre da
política, como assevera Zygmunt Bauman, sente o enfraquecimento do poder
político e a soberania do Estado, consequentemente, a legitimidade das institui-
ções fenecem.1-2
1. BAUMAN, Zygmunt. Danos Colaterais. Desigualdades sociais numa era global. Rio de Janeiro: Zahar,
2013. p. 32.
2. O poder econômico suplanta o poder político, os Estados vão perdendo sua força para as demandas
do mercado, e para Zygmunt Bauman: “Agora temos o poder livre da política e política destituída de
poder. O poder já é global; a política, por lástima, permanece local. Os Estados-nação territoriais são
delegacias de polícia locais no estilo ‘lei e ordem’, assim como latas de lixo, cortadores de gramas e
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Com o enfraquecimento político, a globalização econômica traz consigo
a globalização da criminalidade, perpetrada por organizações criminosas que
atuam de forma a desconsiderar as fronteiras territoriais, vilipendiando direitos
humanos de mais de um Estado Soberano ao mesmo tempo, o que tem dicultado
o enfrentamento de sua atuação, sem que haja cooperação mútua dos Estados
agredidos com essas condutas criminosas.
Da mesma forma a revolução tecnológica fez surgir requintadas condutas
delituosas, com novas formas de criminalidade. Os institutos processuais de co-
lheitas de prova não conseguem alcançar essa nova forma delitiva, o que levou à
necessidade de evolução do processo penal, para garantir o efetivo combate a esses
delitos. Somente com utilização de técnicas especiais de investigação é possível
revelar o modo de atuação do crime organizado e a identidade de seus membros.3
O cenário retratado, qual seja, diculdade de enfrentamento, repressão, in-
vestigação e justa punição das ações dessa criminalidade transnacional organizada
tem ocasionado descréditos nas instituições estatais e ameaça para as democra-
cias, razão pela qual o problema passou a integrar a agenda da Organização das
Nações Unidas, culminado na Convenção das Nações Unidas contra o Crime
Organizado Transnacional.
A Assembleia Geral, órgão principal das Nações Unidas, composto por
representantes de todos os Estados-membros, valendo-se do seu papel relevante
em relação à proteção de direitos humanos,4 aprovou a Convenção das Nações
Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, conhecida popularmente
como Convenção de Palermo em 15 de novembro de 2000, e após a raticação
dos Estados, entrou em vigor no dia 29 de setembro de 2003.
A terminologia convenção denota que o conteúdo do tratado internacional foi
debatido em conferência antes de se tornar norma geral de Direito Internacional
Público, demonstrando a uniformidade da vontade dos Estados-membros que
aderiram ao ato multilateral e solene.
usinas de reciclagem locais para riscos e problemas globalmente produzidos. (BAUMAN, Zygmunt.
Danos colaterais. Desigualdades sociais numa era global. Rio de Janeiro: Zahar, 2013. p. 32). Celso
Fernandes Campilongo nesse contexto pontua: Com a globalização, os Estados perderam força em
face de condicionamentos políticos que escapam de seus controles (sistema nanceiro internacional,
dívidas externas, uxos do comércio mundial, sistema de produção globalizado etc.), mas, simulta-
neamente devem ser fortes o suciente para implementar reformas que os ajustem às necessidades da
nova economia (CAMPILONGO, Celso Fernandes. Direito na sociedade complexa. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2011. p. 118).
3. MASSON, Cleber; MARÇAL, Vinícius. Crime Organizado. 3. ed. São Paulo: Método, 2016. p. 110
4. Art. 13, § 1º, da C arta da ONU: Artigo 13 – 1. A Assembleia Geral iniciará estudos e fará recomendações,
destinados a: a) promover cooperação internacional no terreno político e incentivar o desenvolvimento
progressivo do direito internacional e a sua codicação; b) promover cooperação internacional nos
terrenos econômico, social, cultural, educacional e sanitário e favorecer o pleno gozo dos direitos humanos
e das liberdades fundamentais, por parte de todos os povos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.

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