Cadeia de custódia e a prova digital envolvendo organizações criminosas

AutorPaulo Guilherme Carolis Lima
Ocupação do AutorPromotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP). Integrante do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO). Promotor de Justiça Assessor do Centro de Apoio à Execução do Ministério Público do Estado de São Paulo (CAEX).
Páginas225-242
CADEIA DE CUSTÓDIA E A PROVA DIGITAL
ENVOLVENDO ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS
Paulo Guilherme Carolis Lima
Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP).
Integrante do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado
(GAECO). Promotor de Justiça Assessor do Centro de Apoio à Execução do
Ministério Público do Estado de São Paulo (CAEX).
Sumário: 1. Introdução – 2. Provedores de acesso e de aplicações – big data passível de coleta
e sua adequação/necessidade – 3. Marco civil da internet e lei de organizações criminosas – 4.
Da cadeia de custódia, força probatória da evidência digital e seu ônus – 5. Conclusão – 6.
Referências.
1. INTRODUÇÃO
Pensado para sua época, década de 40,1 o Código de Processo Penal tratou no
Capítulo XI da Busca e da Apreensão, elencando no art. 240 que será “... domiciliar
ou pessoal”.2 O pressuposto da cautelar probatória, bem se vê, versa sobre ação
física de vasculhar imóvel ou pessoal, localizar coisas,3 identicá-lo e trazê-lo para
os autos pela Autoridade responsável pela investigação.
Essa concepção adequa-se perfeitamente à denição clássica de vestígio, es-
culpida no art. 158, caput, do Código de Processo Penal, entendido como sinônimo
do resultado deixado pela prática da infração penal, vinculado à materialidade
delitiva, tendo como consequência a necessidade de realização de exame de corpo
de delito diante de sua identicação.
O contexto factual era evidente: as relações interpessoais massivamente
presenciais e meios de comunicação tradicionais, o que reetia na prática delitiva
e seus ajustes, determinando um ritmo especíco de atuação criminosa. A coleta
de evidências respeitava a lógica da época, de forma que a apreensão física, “o
vasculhar”, era praticamente a única forma para angariar elementos probatórios
sobre organizações ou associações criminosas4 e suas diversas formações.5
1. Publicado em 13.10.1941.
2. Código de Processo Penal – Lei 3.689, de 3 de Outubro de 1941.
3. Descritas no art. 240, § 1º, alíneas a a h, e § 2º, ambos do Código de Processo Penal.
4. Pensadas, à época, simplesmente como quadrilhas.
5. Sobre as formas de organização criminosa, consultar MENDRONI, Marcelo B.Crime organizado
Aspectos gerais e mecanismos legais. 7. ed. Grupo GEN, 2020, p. 93.
PAulo GuIlHErME CArolIS lIMA
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Atualmente as interações sociais ocorrem por incontáveis instrumentos
disponíveis na rede mundial de computadores; informações circulam em quan-
tidade inimaginável décadas atrás e numa velocidade inviável de se contabilizar;
fatos recentes se tornam passados num piscar de olhos.
O mundo atual se movimenta em ashs, valendo-se as organizações crimi-
nosas desses potentes instrumentos de comunicação e circulação de dados para
se estruturar, moldar sua atividade criminosa e coordenar os executores das
deliberações da estrutura diretiva do organismo criminoso.
Daí fácil concluir que um documento que contenha instruções para determi-
nando seguimento da organização criminosa, como por exemplo uma indicação
de conta para depósito de valores ou o modo de se dispersar o capital ilícito obtido,
possa ser transmitido via aplicativos de comunicação6 e, em questão de segun-
dos, desaparecer, com a consequente destruição da imagem compartilhada e do
documento físico elaborado (se é que ele existiu, já que editores de texto podem
muito bem substituir o papel).
Neste contexto, a busca e apreensão do art. 240, focada no vestígio, na coisa,
como resultado da infração penal, se revelaria medida inecaz ou fragilizada. O
vestígio despareceu e, ressalvada uma eventual e improvável prova testemunhal
supletiva7 (art. 167 do CPP), de nada adiantaria a atividade de vasculhar na busca
de documentos, por exemplo.
A norma continua útil. Inviável imaginar-se que assim não seria, pois o mun-
do fenomênico não prescinde da matéria, do vestígio propriamente dito. Porém
sua ecácia, na acepção de produzir efeitos na maioria das hipóteses delitivas,
não é mais a mesma de outrora para determinadas infrações penais, em especial
para as organizações criminosas.
A atualização legislativa8 trouxe a denição de formas diversas de vestígios,
visíveis ou latentes, sendo todo objeto, constatado ou recolhido, que tenha relação
com a infração penal. Abarcou, portanto, dentro da acepç ão jurídica de vestígios
instrumentos contemporâneos de comunicação e utilizados para a prática de
infração penal, como smartphones (continente, responsável pelo armazenamento
de inúmeras informações e documentos relacionados a infração penal), bem
como a prova digital, aquela coletada mediante entrega de dados por provedores
de aplicações (Google, Microso, Apple etc.).
6. WhatsApp, Telegram, dentre outros.
7. Ainda que numa concepção alargada para incluir eventual colaboração premiada, já que tecnicamente
os colaboradores não são testemunhas.
8. Lei 13.964/19, publicada em 30 de abril de 2021.

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