Aspectos processuais do direito internacional privado

AutorPaul Hugo Weberbauer
Ocupação do AutorProfessor Associado de Direito Internacional Privado na Faculdade de Direito do Recife/UFPE
Páginas569-620
Capítulo 18
ASPECTOS PROCESSUAIS DO DIREITO
INTERNACIONAL PRIVADO
18.1 COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL
E O AUXÍLIO DIRETO
Um dos ensinamentos sobre o qual procuro conscientizar meus alu-
nos é o de que não é possível estudar, analisar e compreender o Direito In-
ternacional Pr ivado contemporâneo sem domi nar os conceitos elementares
do direito processu al, em especial o campo do processo i nternacional.
Denomino de processo internacional a intersecção das normas pro-
cessuais com a doutri na da solução do conflito de leis (o Direito Internacio-
nal Privado), sendo nesta intersecção que se ma nifestam os institutos d a co-
operação jurídica internacional, da prova estrangeira, da informação de
direito estr angeiro e da homologação de decisão estrange ira.
O ponto de partida para compreender o processo internacional é
compreender seu pilar pri ncipal: a cooperação jurídica inter nacional (CJI).
Na doutrina, a def inição mais comum para a CJ I é a de que ela compreen-
de “o intercâmbio interjur isdicional com vistas a proporciona r o cumprimento
extraterritorial de providências processuais ou administrativas, emanadas do
Poder Judiciário de u m Estado”, sendo uma “verdadeira r esposta” para a realida-
de globali zada, interconectada das soc iedades contemporâneas890.
A partir dessa definição podemos constatar que a CJI tem como foco
melhorar a prestação jurisdicional do Estado, não sendo instrumento de
890 SOUZA, Nevitton V. Sistemas de reconhec imento de sentença estrange ira no
Brasil. Revista E letrônica de Direito P rocessual – REDP, Rio de Janei ro (RJ),
a. 12, v. 19, n. 3, p. 566, set./dez. 2018. Dispon ível em: https://www.e-publica-
coes.uerj.br/index.php/redp/article/view/36656/27460.
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Comentários sobre o Direito Internacional Privado Brasileiro
política de cooperação dos Estados, mas instrumento de promoção das ga-
rantias f undamentais associada s à função judiciária891.
Destarte, não se conf unde a CJI com os conceitos de cooperação exis-
tentes nas Teorias das Relações Internacionais, porque a CJI tem como foco
o indivíduo, “que é o destinatário da prestação jurisdicional e sujeito das
garantia s fundamentais do processo”892.
Já a cooperação internaciona l existente nas teorias das Rel ações Inter-
nacionais envolve atores internacionais, principalmente Estados, e suas es-
tratégias nos diferentes sis temas internacionais existentes.
Por muito tempo, a CJI foi considerada como uma cortesia entre os
Estados, não se tratando de u ma obrigação jurídica propriamente dita, mas
sim de uma conveniência pol ítica, na qual os atos sol icitados na cooperação
estavam inteira mente subordinados a interpretação pel a lei nacional (lex fori
da execução do ato) e o princípio da ordem pública internacional “vigiava”
cada etapa de modo a, praticamente, nac ionalizar o pedido de cooperação –
é o modelo soberanist a893.
Com o desenvolvimento das relações entr e os Estados, a mudança nas
dinâmicas sociais em nível transnacional e a expansão das normas interna-
cionais como instrumentos de imperatividade sobre a “vontade” dos Esta-
dos, a CJI começou a ser considerada um compromi sso jurídico, uma obriga-
ção jurídica dos Estados diante da necessidade de d iálogo entre suas
jurisdições pa ra a solução de questões transnaciona is, recaindo sobre o man-
to do princípio da rec iprocidade.
Sob a égide do binômio necessidade-rec iprocidade vai surgir o mode-
lo intergovernamental da CJI, modelo baseado na uniformidade de trata-
mento dos pedidos de cooperação por meio da celebração de tratados
891 HILL, Fláv ia P.; PINHO, Humberto D alla B. A nova fronteir a do acesso à justiça:
a jurisdição transnac ional e os inst rumentos de cooperação internacional no
CPC/2015. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP, Rio de Janeiro
(RJ), a. 1, v. 18, n. 2, p. 284, maio/ago. 2017. Dispon ível em: https://www.e-publi-
cacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/30026/21000.
892 HILL, F lávia P.; PINHO, Humberto Da lla B. A nova fronteira do acesso à jus -
tiça: a juri sdição transnac ional e os instrume ntos de cooperação internaciona l
no CPC/2015. Revista Eletrôn ica de Direito Processual – R EDP, Rio de Ja-
neiro (RJ), a. 1, v. 18, n. 2, p. 284, maio/ago. 2017. Disponível em: https://
www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/30026/21000.
893 RAMOS, André de C. Curso de dir eito internac ional privado. São Paulo:
Saraiva, 2018, p. 444.
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ASPECTOS PROCESSUAIS DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
específ icos – tratados estes que se tornam o principa l instrumento normati-
vo da CIJ contemporânea e, por isso, é considerado t ambém o modelo tradi-
cional de CJI894.
Recentemente, com o advento do fenômeno da integração regiona l e
a consolidação de um novo campo no Di reito Internacional denominado de
Direito comunitário, vai surgir um novo modelo de CJI, o modelo de
Integração.
O modelo de Integração é caracterizado pela quase unif icação dos
procedimentos de CJI pelas normativas comunitárias, consagrando um
aprofundamento ma ior na confiança entre os Estados envolvidos e a ascen-
são do princípio do mútuo reconheci mento entre as jurisdições nacionais –
“pelo qual um pedido realizado de acordo com o direito de um Estado
(membro do Bloco) deve ser considerado adequado e, em geral, cumprido
por outro Estado [membro do mesmo Bloco]”895.
Diante desse modelo de CJI, no Brasil predomina o modelo intergo-
vernamental/tradicional, como podemos verif icar na sistemática jurídica
estabelecida no art . 26 do CPC, o qual não só consagra a regra da CJ I ser re-
gida por tratado es pecífico, como também, na ausência de trat ado, sujeitar a
CJI ao princípio da rec iprocidade (art. 26, § 1º, do CPC).
Isso demonstra que o Mercosu l ainda tem pouca inf luência em maté-
ria de CJI, pois a doutr ina é enfática ao afir mar que, mesmo em nível comu-
nitário, a ex istência de tratado de cooperação é conditio sine qu a non para sua
realização e que os tratados existentes “pouco diferem, em conteúdo, dos
tratados celebrados fora do bloco”, devido ao fato de ainda existir descon-
fiança entre os membros do bloco, a qual impede a consolidação do princí-
pio do reconhecimento mútuo entre sua s jurisdições896.
É comum encontrarmos na doutrina diferentes classificações e cate-
gorizações da CJI no Brasil como, por exemplo, a divisão em ativa-passiva,
vertica l-horizontal, bá sica-intermedi ária-avançada, e ntre muitas outra s.
Pessoalmente, por mais i nteressante que possam se apresentar, essas
classif icações e categorizações não compõem o foco de nossos comentários
894 RAMOS, André de C. Cu rso de direito internaciona l privado. São Paulo:
Saraiva, 2018, p. 444-445.
895 RAMOS, André de C. Curso de dire ito internaciona l privado. São Paulo:
Saraiva, 2018, p. 445.
896 RAMOS, André de C. Cu rso de direito internaciona l privado. São Paulo:
Saraiva, 2018, p. 445.
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