Lex domicilii: os estatutos pessoais no direito internacional privado brasileiro

AutorPaul Hugo Weberbauer
Ocupação do AutorProfessor Associado de Direito Internacional Privado na Faculdade de Direito do Recife/UFPE
Páginas111-170
Capítulo 10
LEX DOMICILII: OS ESTATUTOS PESSOAIS
NO DIREITO INTERNACIONAL
PRIVADO BRASILEIRO
10.1 O INSTITUTO DO DOMICÍLIO
10.1.1 Moradia, residência e domicílio da pessoa física
A compreensão de um elemento de conexão começa com a própria
compreensão do instit uto jurídico nele consagrado. Não há como compreen-
der o domicílio como elemento de conexão sem ex istir uma noção básica do
que signif ica domicílio – o que é o domicíl io.
Em regra, domicí lio é o instituto juríd ico que designa o local no espa-
ço onde uma determi nada pessoa se estabelece para morar e centr alizar suas
atividades prof issionais/econômicas, sendo uma evolução do conceito roma-
no de domus142.
A sua natureza é objeto de d iversas teorias diferentes, da s quais podemos
destacar a que considera o dom icílio como uma relação jurídica e ntre a pessoa e
o espaço (doutrina frances a); aquelas que o considera m como um fator de inten-
ção, elemento psicológico do indivíduo (doutrina suíça); e aquelas que o conside-
ram como uma noção atrelada à at ividade do indivíduo (doutrina alemã).
Longe de adentrar ness e debate teórico, no Brasi l o conceito de domi-
cílio tem como âncora leg islativa principal o art. 70 do Cód igo Civil: “O do-
micílio da pessoa natura l é o lugar onde ela estabelece a sua residência com
ânimo def initivo”. É o denominado domicílio comum ou voluntário na dou-
trina c ivilista e expressão de um d ireito da personalidade143.
142 PEREIRA, Ca io Mário da S. Instituições de direito c ivil. v. 1: Introduç ão ao
direito civ il. Teoria geral do di reito. Atualizado por Maria Celina Bod in de
Moraes. 28. ed. Rio de Ja neiro: Forense, 2015, p. 311.
143 LEAL, Lar issa. A desordem normativa brasileira e a questão do domicílio do
leiloeiro público oficial. Revi sta Acadêmica d a Faculdade de Direito do
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Comentários sobre o Direito Internacional Privado Brasileiro
Com esse referencial legislativo, temos como regra geral que o con-
ceito de domicílio está atrelado a dois pilares centrais: residência e o ânimo
definitivo (animus man edi).
A residência, elemento materia l do conceito de domicílio144, consi ste
na localização espacial da pessoa, traduzindo a ideia de existência em de-
terminado espaço terrestre. Como conceito jurídico, a residência é o local
onde a pessoa se estabelece, com certa habitualidade, havendo previsibili-
dade e certeza de sua pre sença em determinados períodos de tempo – “mo-
radia habitua l”.
Residência não se confu nde com moradia, ou simples moradia, pois se
caracteriza por existir um grau de previsibilidade, estabilidade e certeza da
pessoa para com aquele local; qua nto à moradia, não existe nem previ sibili-
dade, nem estabilid ade e nem certeza da pessoa para com aquele local.
Utilizando uma analogia grosseira, uma estadia em uma pousada ou hotel
para turismo é uma moradia. Ser proprietário de uma casa de praia para a qual
a pessoa viaja todo ano, passando nela determinado tempo, é uma residência.
E o lugar onde a pessoa mora e trabalha é o seu domicílio.
Pessoalmente, essa distinção se torna mais fácil de se compreender
quando utili zamos a ideia de desenvolvimento de atividades habitua is e ati-
vidades profi ssionais que cada pessoa tem. A moradia consi ste no lugar onde
a pessoa se encontra sem desenvolver nenhuma de su as atividades habituais,
nem atividades prof issionais, normalmente é o local onde a pe ssoa se encon-
tra para ativ idades de lazer ou por força de acontecimentos além de sua von-
tade. A residência é o lugar onde a pessoa se encontra desenvolvendo suas
atividades habitua is, mas não suas atividades profi ssionais – consistindo em
pilar da ideia de dom icí lio.
Porém, o domicílio não se conf unde com residência, pois exige que
exista o animu s manendi, o ânimo def initivo em se estabelecer em determin a-
do local. Utili zando nossa teoria do desenvolvimento de atividades, o animus
manendi se verifica com quando o i ndivíduo centraliza não só sua s atividades
Recife, v. 83, n. 1, out. 2013. Disponível em: https://period icos.ufpe.br/revis-
tas/ACADEM ICA/artic le/view/297/261. Acesso em: 27 jun. 2019.
144 PEREIRA, Ca io Mário da S. Instituições de direito c ivil. v. 1: Introduç ão ao
direito civ il. Teoria geral do di reito. Atualizado por Maria Celina Bod in de
Moraes. 28. ed. Rio de Ja neiro: Forense, 2015, p. 312.
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LEX DOMICILII
habituais como também suas atividades profissionais naquele lugar, demons-
trando efetivamente o i nteresse em se fixar per manentemente.
Todo domicílio tem residência, mas nem toda r esidência gera um do-
micílio. O Domic ílio é a regra como elemento de conexão, não a residência,
não a moradia.
10.1.2 Os diferentes tipos de domicílio da pessoa física
Apesar de o art. 70 do CC ser a âncora leg islativa principal para com-
preender o instituto do domicílio, o dispositivo somente estabelece as dire-
trizes g erais para este, havendo inúmeras espec ializações.
A primeira que pode mos destaca r é a conhecida como domicílio pro-
fissional prevista:
Art. 72 . É também domicíl io da pessoa natura l, quanto às relações con-
cernentes à prof issão, o lugar onde esta é exercida.
Parágrafo único. Se a pessoa exercitar prof issão em lugares diver-
sos, cada um deles constituirá domicíl io para as relações que lhe
corresponderem.
Advogados têm domicílio necessário na sede principal de suas ativida-
des advocatícias – conforme art. 10, § 1º, da Lei n. 8.906.
Diferentemente da concepção geral, o domicílio profissional não se
vincula à combinação de residência e animus, mas sim ao local da ativ idade
profissional, admitindo a pluralidade de domicílios quando esta ocorre em
diversos lugares, n ão sendo possível veri ficá-la em um local central – é uma
forma de domicíl io especial.
Essa modalidad e é de extrema relevância para o Di reito Internacional
Privado quando se est udam as obrigações trabalh istas e questões envolven-
do atividades profissionais liberais, especialmente quando possuem legisla-
ção própria.
Outra modalidade que podemos destacar é domicílio contratual pre-
visto no art. 78 do CC (“Nos contratos escritos, poderão os contratantes es-
pecificar domicílio onde se exercitem e cumpram os direitos e obrigações
deles resultantes”).
Modalidade que se demonst ra relevante no estudo das cláusu las abusivas
dentro do Direito do Consu midor, no qual destacamos a lição de “acautelem-se
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