Consentimento na prot eção de dados a part ir das operações de sistemas de aero naves remot amente pilot adas (rpas/dro nes)

AutorIsadora Formenton Vargas
Páginas73-93
CONSENTIMENTO NA PROTEÇÃO DE DADOS
A PARTIR DAS OPERAÇÕES DE SISTEMAS DE
AERONAVES REMOTAMENTE PILOTADAS
(RPAS/DRONES)
Isadora Formenton Vargas
Mestre em Argumentação Jurídica pela Universidade de Alicante (ESP) e de Palermo
(ITA). Mestranda em Direito Civil (UFRGS). Assessora do Procurador-Geral do Minis-
tério Público de Contas junto ao Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul.
isadora.formenton@gmail.com.
Sumário: 1. Introdução. 2. Proteção de dados e consentimento. 2.1 Resgate histórico da
proteção de dados. 2.2 Consentimento na Lei 13.709/2018. 3. Proteção de dados e con-
sentimento nas operações com drones. 3.1 Três perspectivas sobre drones. 3.2 Propostas
para o desenvolvimento da proteção de dados em relação aos drones. 4. Considerações
nais. 5. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A humanidade desenvolveu-se a partir de ferramentas, isso denota a atribuição
de tecnicidade. A história e suas eras sempre foram marcadas por ferramentas ou pelo
aperfeiçoamento tecnológico. Basta recordar: idade da pedra, do fogo, da roda. Essa
perspectiva foi estudada pelo autor Bernard Stiegler. Para ele, a sociedade não seria
possível sem tecnicidade, referindo que “o humano se inventa no técnico, inventando a
ferramenta – tornando-se tecnologicamente exteriorizado” (STIEGLER, p. 141). Lucas
Introna, sobre a mesma questão, indica que “o horizonte transcendental constitutivo
do humano é a tecnicidade, da qual emergem as condições de possibilidade do tempo,
da sociedade e da cultura” (INTRONA, 2017).
Assim, a relação entre direito e tecnologia não é recente. Quanto à interferência
nos direitos de personalidade, especif‌icamente quanto à privacidade, Samuel Warren e
Louis Brandeis já alertavam, em 1890, que “invenções e métodos de negócio chamam
a atenção para o próximo passo que deve ser dado para a proteção da pessoa e para
assegurar ao indivíduo o que o Juiz Cooley chama de direito de estar só” (WARREN;
BRANDEIS, 1890, p. 195).
De junho de 2017 a julho de 2020 o número de operadores regularmente ca-
dastrados junto à Agência Nacional de Aviação Civil do Brasil passou de 12.514 para
63.625 operadores (ANAC, 2020). Não só têm crescido exponencialmente a aquisição
e cadastro de drones no Brasil, envolvendo modalidades e f‌inalidades de operações
distintas, como também o desenvolvimento tecnológico dessas aeronaves remotamen-
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te pilotadas1. Esse avanço não se resume ao aprimoramento dos equipamentos que
compõem o drone e que a ele podem ser acoplados, e sim à atribuição de inteligência
à aeronave, sobretudo através das operações autônomas, atualmente proibidas no
país. Por isso, é tema que exige interdisciplinaridade e seriedade tanto pelo pesquisa-
dor, quanto pelo intérprete jurídico. A tendência às Ciências Jurídicas e Sociais é de
direcionamento das pesquisas ao enfrentamento de um mundo contemporâneo que
demanda – tão urgente quanto se possa pensar – conjugação de esforços à busca de
um equilíbrio entre tecnologia e ética, em atenção a um dever-ser.
O recorte proposto centra-se nas relações entre privados. Vale ressaltar que a pers-
pectiva aqui analisada não se baseia, especif‌icamente, na análise do consentimento a
partir de relações de consumo, motivo pelo qual a fonte dogmática, embora cabível para
f‌ins argumentativos no intuito de justif‌icar relações jurídicas desequilibradas, não será
proveniente do Código de Defesa do Consumidor. As relações que envolvem a operação
de drones podem ser de consumo, assim como podem envolver terceiros que, por sua
vez, devem autorizar a exposição aos riscos e, eventualmente, consentir para a utilização
dos dados, sem relação necessária de consumo. Consentimento, inclusive, que pode
soar apenas como autorização. Por isso, o enfoque a partir de drones busca contribuir
ao estudo do consentimento para além das relações de consumo.
Importa mencionar a utilização dos drones para operações públicas, como, por
exemplo, para busca e salvamento, segurança, f‌iscalização das fronteiras, além da utiliza-
ção para operações militares. Nesse último caso, basta citar o ataque dos Estados Unidos
que vitimou o general iraniano Qasem Soleimani, comandante da Força Quds, em 03 de
janeiro de 2020. A adoção das aeronaves remotamente pilotadas revolucionou o que se
entendia por conf‌litos armados, que, por sua vez, tornaram-se âmbitos fecundos ao seu
desenvolvimento tecnológico.
Em razão da pandemia gerada pelo novo coronavírus, f‌icaram conhecidas também
as operações com drones para conscientização da população (BBC, 2020), desinfecção
das ruas (UFRGS, 2020) e captação de calor (G1, 2020).
Relevante apontamento deve ser realizado, uma vez que a Lei Geral de Proteção de
Dados prevê a f‌igura do controlador no art. 5º, VI, como “pessoa natural ou jurídica, de
direito público ou privado, a quem competem as decisões referentes ao tratamento de
dados pessoais, e operador como aquele “que realiza o tratamento de dados pessoais em
nome do controlador”, de acordo com o art. 5º, inciso VII. Controlador e operador de
dados podem ou não coincidir com o operador de aeronaves remotamente pilotadas, o
que demonstra o espaço ao estabelecimento de mais uma relação jurídica, entre o ope-
rador do veículo aéreo, controlador e operador de dados.
Com a perspectiva limitada aos drones, o que se pretende demonstrar é a comple-
xidade das tecnologias que podem ser a eles acopladas, tais como câmeras de reconheci-
mento facial, sensores de captação térmica, além de heurísticas de inteligência artif‌icial
1. Segue-se a nomenclatura def‌inida como of‌icial pela Organização Internacional da Aviação Civil, RPAS (Remotely
Piloted Aircraft Systems), que traduzida signif‌ica sistemas de aeronaves remotamente pilotadas. Ver: INTERNA-
TIONAL CIVIL AVIATION ORGANIZATION (ICAO). Manual on Remotely Piloted Aircraft Systems (RPAS). 1. ed.,
2015.
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