A responsabilidade civil decorrente do vazamento de dados pessoais

AutorJuliano Madalena
Páginas249-265
A RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DO
VAZAMENTO DE DADOS PESSOAIS
Juliano Madalena
Doutorando e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Professor na Faculdade de Direito do Ministério Público (FMP). Advogado.
Sumário: 1. Introdução. 2. O dever de indenizar pelo descumprimento do dever jurídico de
segurança. 3. Considerações nais. 4. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Com praticamente nenhuma dif‌iculdade a doutrina brasileira conclui que os dados
pessoais pertencem aos direitos da personalidade. De todo modo, ao nosso ver, resta
organizar o objeto jurídico na classif‌icação pretendida, assim como as consequências
advindas para melhor compreender a responsabilidade civil aplicável. Nesse particular,
em razão da sua natureza puramente subjetiva, impõe-se ao intérprete pormenorizar as
inúmeras facetas pertencentes ao gênero dados pessoais para verif‌icar a resposta jurídica
adequada em caso de exposição dos mesmos.
O avanço da premissa idealizadora no que concerne ao pertencimento dos dados
pessoais aos direitos da personalidade, ao nosso ver, deve ser conjurada, inobstante, como
dito, tenha a doutrina ligeiramente reconhecido essa situação. Interessa, pois, insistir no
porquê dessa conf‌iguração, sob pena de reduzir-se o reconhecimento dos dados pessoais
como direitos da personalidade à mero bordão retórico. Em uma visão de sistema, a clas-
sif‌icação, mais do que didática, propõe-se ao reconhecimento de direitos para garanti-los
e, inclusive, tutela-los. E assim, distinguem-se os direitos da personalidade em face aos
direitos reais, por exemplo. Portanto, se compreendemos serem os dados pessoais fruto
da personalidade humana, há razão e consequências jurídicas particulares para tanto.
Com efeito, os direitos da personalidade são ínsitos à condição humana. Em tal
assertiva residiu o apelo para o reconhecimento desses direitos, assim como a dif‌iculdade
em reconhece-los. Discutiu-se, inclusive, na doutrina, se poderia existir direitos do ho-
mem sobre si mesmo. Superadas as tensões deontológicas, a vinculação dos direitos da
personalidade à condição de pessoa humana subsiste no seu feitio físico, mental e moral.
A vinculação desses direitos à condição humana consiste na concepção naturalista
de direitos, pela qual são inatos os direitos da personalidade e cabe ao Estado, apenas,
o seu reconhecimento. Observa-se, portanto, a importância dada à matéria: há direito,
inobstante a existência do Estado. Para tanto, basta existir condição humana, segundo
observa Carlos Alberto Bittar, para quem a codif‌icação dos direitos da personalidade,
seja na constituição ou nos microssistemas privados, não lhes atribui existência, apenas
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confere-lhes proteção específ‌ica1. Não nos cabe discorrer acerca da já superada dicotomia
entre o direito natural e o positivo, outrossim identif‌icar que ambos atuam em caráter
complementar. Tem-se, assim, a positivação de direitos intrínsecos ao homem o signo
da regulamentação específ‌ica da matéria, como ocorre na lei geral de proteção de dados.
Nessa toada, adotando a classif‌icação de Bittar, os direitos da personalidade estão
distribuídos em físicos, psíquicos e morais. Quanto aos primeiros, trata-se preservação
e manutenção dos direitos relativos aos “componentes materiais da estrutura humana”.
Assim, distinguem-se dos demais por versaram acerca da integridade corporal, bem como
a imagem ou efígie. Aos psíquicos, residem os elementos intrínsecos da personalidade.
Sob essa classif‌icação está o direito a liberdade, a intimidade e ao sigilo. Por f‌im, aos
morais subsistem os direitos relativos à pessoa na sociedade, como a identidade, a honra
e as manifestações do intelecto.
Com efeito, o desaf‌io que se impõe reside na correta correlação dos dados pessoais à
conhecida classif‌icação. Ocorre que a LGPD adotou critérios subjetivos para conceituar os
dados pessoais, entregando ao operador do direito a tarefa f‌inal de preencher o suporte fático
previsto na norma. Na nossa visão, a norma não poderia prever de forma diversa, uma vez
que, justamente, em razão da velocidade de avanço da tecnologia da informação, os fatos
sociais atraídos pela LGPD se transformam com intensa frequência. É dizer, ao versarmos
sobre direito e tecnologia, ou direito digital, a matéria fática possui elevado protagonismo.
Assim, prevê a LGPD a conceituação de dado pessoal no inciso I do art. 5º como
toda informação relacionada a pessoa natural identif‌icada ou identif‌icável. Ao seu turno,
o inciso II do mesmo art. 5ª exemplif‌ica, em rol não taxativo, os dados pessoais sensíveis
como aqueles sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, f‌iliação
a sindicato ou a organização de caráter religioso, f‌ilosóf‌ico ou político, dado referente
à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico. Observa-se, com isso, o esforço
interpretativo entregue ao operador da norma.
Para avançarmos, importa, outrossim, identif‌icar os contornos semânticos da
expressão “dados pessoais”. A norma, como se verif‌ica, aproxima os conceitos de dado
pessoal ao de informação. Em virtude da alta carga tecnológica de interação com a LGPD,
confunde-se os dados pessoais, com informação e, ainda, os dados técnicos.
Ao nosso ver, os dados pessoais são componentes dos direitos da personalidade que
se desdobram do seu titular, mantendo a ele estreita vinculação passível de identif‌icação
e individualização. Aqui reside o mesmo desaf‌io proposto pela norma, dada a amplitude
conceitual e a sua natureza subjetiva. É por essa razão que os esforços de classif‌icação
dos direitos são alvissareiros.
Por informação, tem-se o produto do labor, automatizado ou não, que qualif‌ica e dá
forma à um dado técnico ou pessoal. Quanto aos dados técnicos, próprios da tecnologia
da informação, correspondem aos substratos gerados por operações computacionais.
Esses substratos podem ou não conter elementos passíveis de individualização de um
sujeito. De todo modo, a atribuição dos dados técnicos decorre de operações técnicas,
porquanto os dados pessoais se originam com a personalidade, facilitando-se, em assim
1. BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 39.
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