Nova lei geral de prot eção de dados: perspectivas e desafios sob a óptica dos princípios de prot eção de dados no contexto europeu e brasileiro

AutorIsadora Costi Fadanelli
Páginas57-72
NOVA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS:
PERSPECTIVAS E DESAFIOS SOB A ÓPTICA DOS
PRINCÍPIOS DE PROTEÇÃO DE DADOS NO
CONTEXTO EUROPEU E BRASILEIRO
Isadora Costi Fadanelli
Mestranda em Direito Internacional Público pela Universidade Federal do Rio Grande
do Sul.
Sumário: 1. Introdução. 2. Princípios da proteção de dados pessoais no contexto internacio-
nal. 2.1 Convergência internacional acerca dos princípios relacionados à proteção de dados
pessoais. 2.2 Fair Information Practice Principles, guidelines da OCDE e a proteção de dados
no contexto europeu: convergência regulatória para a transferência internacional de dados. 3.
Sistema brasileiro de proteção de dados: caminhos para sua construção. 3.1 Panorama legal
da formação do sistema de proteção de dados brasileiro. 3.2 LGPD X RGPD: possíveis com-
parações sob a óptica dos princípios dentro de uma perspectiva de análise de equivalência.
4. Considerações nais. 5. Referências.
1. INTRODUÇÃO
No Brasil, é possível observar que a privacidade, desde há muito, é objeto de
proteção, tanto pela constituição como pela legislação ordinária. Neste sentido, antes
mesmo da edição da Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD, já era possível verif‌icar,
no quadro normativo pátrio, normas que buscavam conferir proteção legal aos dados
pessoais através da interpretação sistemática das normas constantes dos diplomas legais
que procuravam regular a matéria (SARTORI, 2016, p. 49-104).
Tendo em vista a necessidade de uma legislação específ‌ica sobre a proteção de
dados, a edição da Lei 13.709/2018 foi bastante celebrada. Com o advento desse
diploma legal, o sistema normativo brasileiro de proteção de dados passa a exercer
uma dupla função no ordenamento jurídico pátrio, ao proteger o titular dos dados, e
também ao fomentar o livre f‌luxo de informações entre países com nível de proteção
equivalente – ante as legislações estrangeiras que contêm previsões que restringem
a troca livre de informações e dados com outras nações que não tenham legislação
específ‌ica e equivalente.
Assim, é de se dizer que, dentro do contexto do mercado global de f‌luxo transfron-
teiriço de dados, a disciplina da Proteção de Dados Pessoais assume o papel de guardiã
de um direito fundamental, posto que nossos dados, em última análise, são a projeção
de nossa própria personalidade.
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ISADORA COSTI FADANELLI
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O presente artigo irá analisar, em um primeiro momento, o surgimento dos princípios
que norteiam e estruturam o sistema de proteção de dados em diferentes legislações – em
especial, o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados europeu. Após, far-se-á uma
breve incursão a respeito da construção do sistema nacional de proteção de dados, com
ênfase nos princípios jurídicos relativos à matéria, bem como as possíveis comparações,
sob a óptica dos princípios, dentro de uma perspectiva de análise de equivalência entre
o contexto brasileiro e o contexto europeu – de suma importância para verif‌icar como
o Brasil poderá inserir-se na denominada rota internacional de livre f‌luxo de dados, e
quais são os principais desaf‌ios a serem enfrentados.
Para proceder a tal análise, o presente estudo empregou a revisão bibliográf‌ica, rea-
lizada com base na bibliograf‌ia específ‌ica sobre tema proposto, com consulta à doutrina
nacional e estrangeira, e a análise legal – em especial, da Lei Brasileira de Proteção de
Dados e do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados – GDPR.
2. PRINCÍPIOS DA PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS NO CONTEXTO
INTERNACIONAL
2.1 Convergência internacional acerca dos princípios relacionados à proteção de
dados pessoais
O sistema normativo de proteção de dados pessoais, surgindo no contexto da socie-
dade de informação, aparece como uma tentativa de proteção da personalidade contra
potenciais riscos advindos do tratamento de dados1 pessoais (MENDES, 2008, p. 40). O
conferido tratamento autônomo à disciplina da proteção de dados pessoais2 no Brasil é
fruto de uma tendência consolidada em diversos ordenamentos jurídicos estrangeiros,
cuja principal consequência foi a formação das bases para elevar-se a proteção de dados
à categoria de direito fundamental3 (DONEDA, 2011, p. 96).
1. O termo “dados” refere-se a uma informação que já existia antes de seu tratamento. Por outro lado, nessa pers-
pectiva, o termo informação denota os elementos obtidos após o tratamento de determinado dado (VERSONESE,
2019, p. 386-387).
2. O debate sobre a natureza e o conceito de “dados pessoais” ainda não é uma discussão fechada, como pode parecer
pela leitura do Projeto de Lei 5.276/2016, que def‌ine – seguindo a antiga Diretiva e o novo Regulamento – como
“dado relacionado à pessoa natural identif‌icada ou identif‌icável (DONEDA, 2011, p. 96). “Proteção de dados re-
fere-se à proteção legal de uma pessoa – titular dos dados – com relação ao processamento desses dados por outra
pessoa ou instituição – chamada controlador de dados” (ROOS, 2006, p. 104). “A proteção de dados é, portanto,
uma resposta legal à ameaça imposta a uma pessoa pelo processamento de informações ou dados pessoais. O
processamento de dados pessoais inclui qualquer operação realizada com base nesses dados, como, por exemplo,
coleta, registro, organização, armazenamento, adaptação ou alteração, recuperação, consulta, uso, divulgação,
disseminação, alinhamento ou combinação, bloqueio, apagamento ou destruição de tais dados.” (ROOS, 2006,
p. 105).
3. Em 1983, o governo alemão tencionava realizar um censo populacional. No entanto, houve uma forte resistência
da população alemã – devido ao medo da vigilância e da sensação de que tal censo estatístico constituísse uma
desproporcional invasão à privacidade. Tal fato desencadeou um debate público que resultou na propositura de
uma reclamação perante o Tribunal Federal Constitucional alemão. A Corte decidiu, então, que a Lei do Censo
Populacional era parcialmente inconstitucional e, portanto, procedeu à sua anulação. Aponta a doutrina que, nesta
decisão, o Tribunal alemão “criou” um novo direito – o direito à autodeterminação informacional, que tornou-se
a principal diretriz para a proteção de dados na constituição alemã. A decisão é, sem dúvida, a mais importante da
história da proteção de dados alemã e o Tribunal ainda se refere frequentemente a ela em novas decisões sobre o
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