Definição do direito

AutorCleyson de Moraes Mello
Ocupação do AutorVice-Diretor da Faculdade de Direito da UERJ. Professor do PPGD da UERJ e UVA. Coordenador do Curso de Direito do UniFAA. Professor Adjunto do Departamento de Teorias e Fundamentos do Direito (UERJ). Advogado
Páginas55-119
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Capítulo 3
DEFINIÇÃO DO DIREITO
3.1 O DIREITO
O termo Direito é polissêmico. O pluralismo semântico desta
palavra é fruto da dificuldade de circunscrevermos o Direito em um
campo somente limitado a este. O termo direito pode estar relacionado ao
“justo”, à “força”, à moral, à lei. Daí que direito e lei, por vezes, são
indicados por termos distintos: Jus e lex (latim), Derecho e ley (no direito
espanhol), Diritto e legge (no direito italiano), Droit e loi (no direito
francês), etc.
Há muito tempo a filosofia do direito procura uma resposta para a
questão: O que é o Direito? (quid jus?). Em vão, já que a história do
pensamento jurídico expressa em diversas obras jurídicas, apresenta uma
multivalência do conceito e a respectiva essência (qüididade) jurídica. É a
pluralidade de situações fáticas de dificulta a sua conceitualização.
No mesmo sentido, Giorgio Del Vecchio, professor da
Universidade de Roma, afirma que a definição precisa do conceito de
Direito oferece grandes dificuldades. Quando se trata de analisar a
essência do Direito “é necessária uma investigação que não pode ser feita
por nenhuma ciência stricto sensu, isto é, do Direito positivo, porque
cada uma destas ciências, tem por objeto só uma parte da realidade
jurídica, enquanto que a definição lógica deve abranger todos os sistemas
jurídicos, inclusive os não positivos; isto é: indicar o limite de toda a
possível experiência jurídica”.36
Herbert Hart, jusfilósofo inglês, em sua obra O Conceito de
Direito, afirma logo no início que “poucas questões respeitantes à
sociedade humana têm sido postas com tanta persistência e têm obtido
respostas, por parte de pensadores sérios, de formas tão numerosas,
36 DEL VECCHIO, Giorgio. Lições de Filosofia do Direito. Tradução: Antônio José
Brandão. 5. ed. Coimbra: Armênio Amado, 1979. p. 332.
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variadas, estranhas e até paradoxais com a questão “O que é o Direito?”.
Mesmo se limitarmos a nossa atenção à teoria jurídica dos últimos 150
anos e deixarmos de lado a especulação clássica e medieval acerca da
‘natureza’ do direito, encontraremos uma situação sem paralelo em
qualquer outra matéria estudada de forma sistemática como disciplina
acadêmica autônoma. Não existe literatura abundante dedicada a
responder às perguntas ‘O que é a química?’ ou ‘O que é a medicina?’,
como sucede com a questão ‘O que é o Direito?”.37
Seria possível definir o Direito apenas como um conjunto de
regras legisladas pelo Estado? A lei, em si mesma, não possui o condão
de eliminar a força da jurisprudência, os princípios, os costumes, e até
mesmo a doutrina. Isso sem levar em conta a heterogeneidade e
especificidade dos ordenamentos jurídicos, conforme as épocas e lugares.
Não como identificar o Direito apenas como a lei. “A
identificação entre Direito e lei pertence, aliás, ao repertório ideológico
do Estado, pois na sua posição privilegiada ele desejaria convencer-nos
de que cessaram as contradições, que o poder atende ao povo em geral e
tudo o que vem dali é imaculadamente jurídico, não havendo Direito a
procurar além ou acima das leis.”38
Não resta dúvida que o Direito está atrelado a um conjunto de
normas de conduta estabelecidas pelo Estado, de natureza coercitivas,
visando regular a conduta humana em determinada sociedade. Ocorre que
uma exata concepção do Direito não poderá se limitar a isso.
O que dizer da divergência das decisões judiciais? O melhor juiz
seria aquele que segue cegamente as leis ou tenta aperfeiçoá-las face a
mutação dos valores sociais? Os leigos devem acreditar que o melhor
magistrado é aquele que segue as leis pelas leis, ou seja, um juiz mecânico
que faz cumprir as leis do Estado. Os novos alunos dos cursos jurídicos
ficam ávidos em estudar as leis. Ocorre que uma boa formação dos
estudantes é melhor quando existe um apego à essência do Direito e não
somente ao estudo de meros conhecimentos legislativos. Surge a questão: o
bom juiz deve decidir pela lei ou pela justiça?
37 HART, Herbert L. A. O Conceito do Direito. Tradução A. Ribeiro Mendes. 2. ed.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1995, p. 5.
38 FILHO, Roberto Lyra. O que é Direito. 17 . ed., 12. reimp., São Paulo: Brasiliense,
2005. p. 8.
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Nesse sentido a afirmação de Roberto Lyra Filho:39
Diríamos até que, se o Direito é reduzido à pura
legalidade, já representa a dominação ilegítima, por
força desta mesma suposta identidade; e este
‘Direito’ passa, então, das normas estatais, castrado,
morto e embalsamado, para o necrotério duma
pseudociência, que os juristas conservadores, não à
toa, chamam de ‘dogmática’. Uma ciência
verdadeira, entretanto, não pode fundar-se em
‘dogmas’, que divinizam as normas do Estado.
Dessa forma, o Direito não pode ser apenas um conjunto de leis
pronto e acabado, que a sociedade encontra-se em permanente
mutação. Daí, podemos afirmar que o Direito não é, é sendo. É um devir.
Nas preciosas lições de Roberto Lyra Filho: “Quando buscamos o que o
Direito é, estamos antes perguntando o que ele vem a ser, nas
transformações incessantes do seu conteúdo e forma de manifestação
concreta dentro do mundo histórico e social”.40 Daí, portanto, o Direito
ser um fenômeno multidimensional, já que ele deve ser visto e pensado a
partir de várias perspectivas e pontos de vista.
Carlos Gustavo de Souza escreve que “o direito como ciência
social tem por fulcro a atividade humana, assim, urge que as leis sejam
poteifórmicas de modo a se amoldar a cada situação concreta e oferecer
ao jurisdicionado a prestação jurisdicional que faz jus. Nesse esteio,
podemos observar que o direito deve para espelhar na sociedade em que
se está inserido, ser um instituto volátil, e portanto, apto para representar
no mundo fenomênico uma ordem sistemática calcada nos anseios do
consumidor da justiça, caso contrário, haveria o engessamento e
estrangulamento do Estado Democrático de Direito”.41
Em síntese, André Uchôa ensina que “o Direito visa à ordem da
sociedade na medida em que busca padronizar a conduta humana, para
possibilitar o convívio entre os homens. Visa também à certeza, pois,
sabendo o que o Direito espera dele, o homem pode pautar sua conduta.
39 Ibid., p. 10-11.
40 Ibid., p. 12.
41 SOUZA, Carlos Gustavo de. Dir eito de Empresa. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2005.
p.2.

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