Metafísica e direito - idealismo e realismo

AutorCleyson de Moraes Mello
Ocupação do AutorVice-Diretor da Faculdade de Direito da UERJ. Professor do PPGD da UERJ e UVA. Coordenador do Curso de Direito do UniFAA. Professor Adjunto do Departamento de Teorias e Fundamentos do Direito (UERJ). Advogado
Páginas261-312
261
Capítulo 11
METAFÍSICA E DIREITO IDEALISMO E REALISMO
A crise do direito na atualidade reflete uma crise em seus
fundamentos. Dessa forma, preliminarmente, faz-se necessária a
apresentação dos paradigmas que sustentaram a metafísica ocidental. A
metafísica é o fundamento em que se edifica toda a história da Filosofia
ocidental. Daí a superação desta ser, no fundo, uma recuperação
originária do esquecimento do Ser. Portanto, neste capítulo procura-se
enuclear a essencialização da metafísica e traçar, desse modo, os limites
de suas possibilidades.
Após essa análise, será possível pensar o direito a partir de um
novo modelo hermenêutico amparado na ontologia fundamental ou
analítico-existencial, segundo perspectiva heideggeriana.
Assim, a investigação metafísica está relacionada à questão
ontológica de duplo problema: a questão da verdade e da realidade, ou
seja, o problema do conhecimento e da existência.
Metafísica é a ciência primeira, por ter como objeto o objeto de
todas as outras ciências, e como princípio um princípio que condiciona a
validade de todos os outros. A questão fundamental é aquela relacionada
ao princípio gerador de todas as coisas. Os filósofos gregos já levantavam
a questão sobre as origens, buscavam em uma coisa material a origem de
todas as demais, uma origem dos demais princípios, uma única coisa
existente em si e por si, da qual derivariam as demais coisas.
Se Tales de Mileto e Anaxímenes de Mileto imaginaram que o
primeiro princípio eram a água260 e o ar,261 entidades empíricas, o
260 Tales de Mileto pensou que o mundo teve origem a part ir da água. A sua teoria de que
a terra flutua na água no sentido de substrato permanente. Tales podia efetivamente ter
reconhecido que, sendo a água essencial para a substância das plantas e da vida animal,
ela permanece como constituinte básico das coisas. KIRK, G.S.; RAVEN, J.E.;
SCHOFIELD, M. Os Filósofos Pré-Socráticos: História Crítica com Seleção de Textos.
Tradução Carlos Alberto Louro Fonseca. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994.
p.96-97.
262
primeiro objeto a ser qualificado de metafísico foi o a peiron262 de
Anaximandro.263 Assim, é a Tales que se atribui o problema da origem, e
a Anaximandro de Mileto, filho de Praxíades, o termo técnico capaz de
designá-lo.264 Nesse sentido Anaximandro também, acreditava que o
princípio de todas as coisas era algo material; não uma coisa determinada,
“mas uma espécie de protocoisa, que era o que ele chamava em grego
261 Anaxímenes de Mileto, filho de Eurístrato, foi discípulo de Anaximandro. Disse ele
que “o princípio material era o ar e o infinito; e que os astros se movem, não por baixo da
Terra, mas em redor dela. Empregou a língua iônica, por forma simples concisa. S egundo
afirma Apolodoro, encontrava-se em atividade por ocasião da tomada de Sardes, e morreu
na 63a Olimpíada”. Isto quer dizer que para o filósofo, o ar é substância originadora e a
forma básica da matéria. Assim, Anaxímenes e Diógenes fazem do ar, e nã o da água, o
princípio material entre os demais corpos simples. Anaxímenes disse que “o ar infinito era
o princípio, do qual provêm todas as coisas que estão a gerar-se, e que existem, e que h ão-
de-existir, e os deuses e as coisas div inas, e o resto proveniente dos seres por ele
produzidos. A forma do ar é a seguinte: quando ele é muito igual, é invisível à vista, mas
é revelado pelo frio e pelo calor e pela humidade e pelo movimento. O ar está sempre em
movimento: é que as coisas que mudam, não mudam a menos que haja movimento. Com
o aumento da densidade ou da rarefação, o ar toma diferentes aspectos; pois, quando se
dissolve n o que é mais útil, torna-se fogo, ao passo que os ventos são, por sua vez, ar
condensado, e a nuvem é produzida a partir do ar por compressão. Quando se condensa
ainda mais, pro duz-se água; com um maior grau de condensação produz-se a terra, e
quando condensado ao mais alto grau, as pedras. Donde ressulta que os componentes com
maior influência na geração são contrários, a saber, o calor e o frio”. Anaxímenes, a
posteriori, considerou que o ar é um deus, e que é gerado e imenso e infinito e que está
sempre em movimento, como o ar sem forma pudesse ser um deus, isto é, forças que
penetram inteiramente os elementos ou corpos. Assim, um de us ou deuses eram gerados
do ar primordial. Ibid., p.145-152.
262 Apeiron (do grego, ‘indefinido’ ou ‘infinito’): o apeiron segundo Anaximandro é a
entidade original do mundo, aquela a partir da qual se formam as diferentes substâncias
que compõem o cosmos. FAROUKI, Nayla. A Metafísica. Tradução Fernanda Oliveira.
Lisboa: Instituto Piaget, 1996. p.115.
263 Ibid., p. 46
264 “Se não foi assim, o certo é que Tales inventou um problema metafísico (que encerra a
idéia de que há um Todo, de que ele é Um, e de que um P rincípio) no contexto de uma
explicação empírica (‘A água é o princípio de todas as coisas’). Posto o problema,
enunciado como origem (essa foi a sua expressão), Anaximandro não só o verbalizou,
como também se dedicou a qualificá-lo: apeiron. É nisso que constatamos d uas vias pelas
quais podemos problematizar a investigação teórica de Anaximandro: uma (que também
engloba a sua tentativa, independentemente da experiência de nomear, de emitir ou
expressar o p roblema), que designamos por epistemológica, por ser, digamos, uma
tentativa (certamente a primeira, nesse gênero, da História da Filosofia) de delimitar as
possibilidades cognoscitivas de um problema metafísico; o utra, ontológica , um esforço
racional de qualificar o ser da origem, sendo que o termo apeiron encerra tanto a
delimitação, pelo ponto de vista epistemológico, quanto a qualificação, pelo ponto de
vista ontológico”. SPINELLI, Miguel. Fi lósofos Pré-Socráticos: Primeiros Mestres da
Filosofia e da Ciência Grega. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003. p.74.
263
apeiron, indefinido, uma coisa indefinida que não era nem água, nem
terra, nem fogo, nem ar, nem pedra”,265 mas continha em si a
possibilidade de que todas as outras coisas se derivassem desse a peiron,
desse infinito ou indefinido. Isto significa dizer que enquanto indefinido,
infinito, o apeiron comportava em si mesmo a possibilidade de todas os
outras (que são finitas). Portanto, para Anaximandro, a substância
original, que constitui o mundo, era indefinida e não se assemelhava a
nenhuma espécie de matéria do mundo já formado.266
Xenófanes de Cólofon, filho de Déxio ou, no dizer de Apolodoro,
de Ortómenes, após ter sido expulso da pátria, passou a viver em Zancle,
na Sicília, e em Catânia. Para ele, a idéia de que todas as coisas, incluindo
o homem, são compostas de água e terra, e delas se originam, é ingênua e
popular: a carne e os ossos podem ser comparados com a terra e com as
pedras, e o sangue, com a água.267
De forma contrária, Empédocles não acreditava em uma origem
única, mas sim em uma origem plural; não acreditava que uma só coisa
pudesse originar as demais, mas sua teoria era no sentido de que, a partir
de quatro elementos (água, ar, terra e fogo), derivar-se-iam todas as
demais coisas.
Na busca de um princípio de que tudo o mais se deriva, dois
filósofos foram de fundamental importância para as questões metafísicas:
um é Pitágoras, o outro, Heráclito de Éfeso. Aquele entendia que o
verdadeiro ser, o ser em si, a essência última de todo o ser, é uma coisa
chamada “número”; este proclamava o fluir da realidade, ou seja,
contrário a todas as soluções anteriormente dadas,268 sustentava que o
“existir é um perpétuo mudar, um estar constantemente sendo e não
sendo, um devir perfeito, um constante fluir” (Nunca vemos duas vezes a
265 MORENTE, M anuel Garcí a. F undamentos de F ilosofia: Lições Preliminares.
Tradução Guilh ermo de la Cruz Coronado . 8.ed. São Paulo: Mestre Jou, 1980. p. 69.
266 KIRK, G.S.; RAVEN, J.E.; SCHOFIELD, M., op. cit., p. 109.
267 Ibid., p. 167-181.
268 O princípio segundo o qual todas as coisas derivam era visto da seguinte forma: para
Tales de Mileto, a água; para Anaxímenes, o ar; para Anaximandro, a matéria sem forma,
indefinida, o apeir on; para Pitágoras, os números e para Empédocles, os quatro elementos
(água, ar, fogo, e terra). Cada um desses objetos possuiria a capacidade de dar conta, por
si só, da pluralidade e da diversidade do mundo empírico. Trata-se da busca de um
princípio primeiro.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT