Duração do trabalho
Autor | Augusto César Leite de Carvalho |
Ocupação do Autor | Possui mestrado em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará e doutorado em Direito das Relações Sociais |
Páginas | 274-326 |
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O conceito, que a palavra exprime, pode ser alargado, pois a palavra é um bem da cultura. A expressão que dá título a esta relevante passagem de nosso estudo é duração do trabalho e por ela se quer referir não apenas o tempo de trabalho efetivo. Para além disso, estuda-se, sob tal rótulo, o tempo durante o qual o empregado disponibiliza a sua força de trabalho e, também, o tempo de descanso, necessário à recomposição da força física, ao arejamento da atividade intelectual, à dedicação a outras atividades, ao lazer, à arte, à interação social.
Quando nos reportamos, estritamente, à extensão de tempo por que o empregado mantém a sua energia de trabalho à disposição do empregador, aludimos à jornada de trabalho. Em rigor, a origem etimológica696 da palavra jornada restringiria o seu significado ao de extensão de tempo a cada dia e é neste sentido que preferimos empregar o vocábulo. Mas é certo que a lei, a doutrina e a jurisprudência referem-se a jornada para mencionar, também, a carga horária de trabalho semanal (jornada semanal) ou mesmo mensal (jornada mensal).
Os termos inicial e inal de cada jornada revelam, enim, o horário de trabalho. Um empregado cumpre jornada de oito horas se trabalha, por exemplo, no seguinte horário: das 8h às 12h e das 14h às 18h.
Estudemos, a início, o modo como se caracteriza a jornada e, em seguida, ainda no âmbito da duração do trabalho, os intervalos devidos em meio à jornada ou entre as jornadas. É hora, bem se nota, de analisar como a prestação laboral, que é regida pelo direito do trabalho, delimita-se no tempo.
É exato dizer que o empregador deve remunerar todo o tempo por que pode dispor da força de trabalho do empregado. A jornada de trabalho compreende, portanto, as horas e frações de hora que o empregador haverá de considerar no momento em que calcular a remuneração do trabalhador, sendo útil, para esse im, a identificação dos critérios gerais e especiais de ixação de jornada697.
Como sugerem as expressões, critérios gerais serão aqueles adotados para todos os empregados, sendo especiais os critérios relativos à ixação da jornada de algumas categorias de trabalhadores. Sem embargo de a Lei n. 13.467/2017 ter promovido mudanças em alguns critérios gerais, sobretudo na compreensão do que seja tempo à disposição do empregador e de qual tempo de deslocamento deverá ser integrado à jornada, essas alterações haverão de ser explicadas ao exame, em seguida, de cada tópico.
São critérios gerais:
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o do tempo de efetivo trabalho
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o do tempo à disposição do empregador
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o do tempo de deslocamento residência-trabalho-residência
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o do tempo de afastamento justificado da atividade laborativa
São critérios especiais:
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o do tempo de prontidão
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o do tempo de sobreaviso
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o do tempo de intervalo especial
O propósito, em seguida, é o de esquadrinhar cada um desses critérios, remetendo-os à prática, ou seja, às hipóteses nas quais cada um deles se aplica.
Como regra, a jornada é composta pelo tempo em que o empregado mantém a sua energia de trabalho à disposição do empregador, aí se incluindo aquele em que executa ordens ou as aguarda, simplesmente.
Há alguma dificuldade em se dimensionar a jornada prestada fora do estabelecimento do empre-gador, mas isso não impede que o empregado demonstre a existência de controle, pelo empregador, do seu tempo de serviço externo. Ocorrendo o controle, subentende-se a existência de jornada.
Como vimos no capítulo em que tratamos do teletrabalho e se verá no subtítulo em que trataremos do regime de sobreaviso, acresceu-se recentemente ao art. 6º da CLT um parágrafo único, equiparando os meios telemáticos ou informatizados de exercício do poder de comando ao modo pessoal de exercer-se esse poder. É como dizer: a ordem que se recebe pela via telemática não se distingue, para efeito de caracterizar a subordinação reveladora do emprego, da ordem que o empregado recebe diretamente do empregador.
E por que estaria o novel parágrafo único do art. 6º da CLT a desaiar a jurisprudência consoli-dada? É que, se, por um lado, o novo dispositivo explicita ser idôneo o meio informatizado para coni-gurar a subordinação do empregado, por outro se pode compreender que o legislador prescreve, até por coerência, a impossibilidade de o empregador escudar-se na imposição de controle telemático como modo de eximir-se das obrigações que adviriam se mantivesse o trabalhador sob seu olhar constante e físico, sem o auxílio do recurso eletrônico. Como analisaremos ao estudar o regime de sobreaviso como um dos critérios especiais de ixação da jornada de trabalho, a obrigação de o traba-lhador manter-se on line por todo o tempo, aguardando eventual solicitação do empregador, deverá ajustar-se à nova dicção da lei.
A lei admite, porém, a possibilidade de o serviço externo ser prestado em condições incompatíveis com o controle da jornada pelo empregador (trataremos, adiante, da exceção prevista no artigo 62, I, da CLT). E a jurisprudência, por seu turno, tem resistido à ideia de considerar, ao menos para o im de estabelecer se houve excesso de jornada de trabalho, o tempo em que o empregado presta labor em domicílio. Isso tem relexo, inclusive, no cômputo, assim inviabilizado, das preciosas horas que o professor dedica, em sua casa, à preparação de aulas e provas, bem assim à correção destas.
Outra consideração importante é a de que as viagens a serviço não se incluem, integralmente, na jornada de trabalho. Por exemplo, motoristas e vendedores pracistas costumam trabalhar dias consecutivos em cidades diferentes daquelas em que têm família e domicílio. O tempo dispensado a assuntos alheios aos negócios da empresa (inclusive refeições e pernoites em estabelecimentos à margem da estrada ou nas cidades intercorrentes ao trajeto), em meio às viagens, não é, regra geral, computado como jornada de trabalho. A construção jurisprudencial nesse sentido inluenciou, também
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e por outra via, a dedução de que o tempo de concentração dos atletas proissionais não se inclui na jornada, salvo o que for despendido com atividades de treinamento698.
Noutra seara, em junho de 2001699 acresceram-se parágrafos ao artigo 58 da CLT, o primeiro deles a positivar Orientação Jurisprudencial no sentido de que “não serão descontadas nem computadas como jornada extraordinária as variações de horário no registro de ponto não excedentes de cinco minutos, observado o limite máximo de dez minutos diários”.
É bom acentuar que o empregador cujo estabelecimento tem mais de dez empregados está obrigado a exigir o registro de ponto (artigo 74, §§ 2º e 3º, da CLT), sendo seu, portanto, o ônus de provar, em juízo, a jornada cumprida por seus empregados (ainda que não possua cartões ou livro de ponto)700. Sendo o quadro de até dez empregados, ao empregado é atribuído o ônus de provar o trabalho que teria excedido a jornada contratual ou legal.
Quando tratou do empregado doméstico em lei específica (a Lei Complementar n. 150/2015), o legislador estabeleceu que é, no âmbito residencial onde tal trabalho se realiza e independentemente da quantidade de empregados na residência, “obrigatório o registro do horário de trabalho do empregado doméstico por qualquer meio manual, mecânico ou eletrônico, desde que idôneo”. Portanto, é do empregador doméstico o ônus de pré-constituir a prova da real jornada de trabalho, ou de prová-la se não houver diligenciado, durante o vínculo, o registro de ponto.
A im de prevenir litígio – que ao nosso ver não existia – o art. 4º da CLT ganhou, por meio da Lei n. 13.467/2017 um novo parágrafo (§ 2º), a predizer que “por não se considerar tempo à disposição do empregador, não será computado como período extraordinário o que exceder a jornada normal [...] quando o empregado, por escolha própria, buscar proteção pessoal, em caso de insegurança nas vias públicas ou más condições climáticas, bem adentrar ou permanecer...
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