Empregador

AutorAugusto César Leite de Carvalho
Ocupação do AutorPossui mestrado em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará e doutorado em Direito das Relações Sociais
Páginas169-198

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8. 1 Empresa

O segundo artigo da CLT enuncia que empregador é a empresa, individual ou coletiva. Como esclareceu Arnaldo Sussekind414, o desejo da comissão de procuradores da Justiça do Trabalho415, que elaborou o texto consolidado, foi certamente o de associar o empregado, na caracterização do liame empregatício, mais à empresa que à pessoa física ou jurídica de seu titular. No mundo capitalista, a tentativa de hipostasiar esse conceito inusitado de empregador não pode ser desprezada, pois é fato que o trabalhador desconhece, muita vez, o outro sujeito da relação de trabalho, sendo contratado e comandado por pessoa que se insere na organização empresarial como ele, no status de trabalhador subordinado, embora em cargo mais elevado.

As inovações tecnológicas surgidas ao inal do século XVIII e o im do corporativismo permitiram, a burgueses daquele tempo, o uso de suas riquezas na aquisição de maquinário útil à transformação de bens da natureza. Já não estavam jungidos ao monopólio da atividade produtiva, podendo exercer a atividade econômica que lhes aprouvesse. A empresa industrial nascia, assim, como uma atividade fabril que consistia na reunião de matéria-prima, capital e trabalho, visando à produção de bens culturais, vale dizer, de bens criados pelo homem para prover necessidades, que em boa parte o homem também criou. O modo de produção capitalista é, por assim dizer, essencialmente cultural, dele podendo prescindir o ser humano em sua relação com a natureza.

Mas é de empresa que estamos a cuidar, objetivamente. E se não basta ao detentor do capital reunir os fatores de produção (matéria-prima, capital e trabalho), porque para exercer atividade econô-mica é preciso organizá-los, empresa é a organização dos fatores de produção, com vistas ao exercício de atividade econômica. Embora o vocábulo empresa seja comum a outros ramos do Direito, o seu conceito relevante, para nosso estudo, é aquele que associa o seu significado a um empreendimento que visa à produção de bens ou serviços e utiliza o trabalho humano subordinado com essa inalidade. A empresa que não tem o contrato de emprego como um de seus elementos desinteressa ao direito do trabalho.

É certo, ainda, que a participação na economia do seu setor secundário, no qual se situa a indústria, é menos acentuada que antes, sobrevindo empresas comerciais e prestadoras de serviço que, intermediando a venda do produto industrial à sociedade ou atuando de modo a prover esta de informação ou maior conforto, têm gerado circulação mais intensa de capital. Ademais, a empresa contemporânea nem sempre se situa em um espaço topográico bem deinido, não raro se valendo de recursos oferecidos pela informática para sediar-se em lugar onde a sua atividade econômica é

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reduzida e também para ocupar lares e outros ambientes em que sua presença é ativa e marcante, não obstante virtual.

Essa nova realidade provoca discussão de fôlego sobre a centralidade do trabalho na empresa de nosso tempo416, mas decerto que o sistema normativo regulador das relações de trabalho ainda se alimenta, em boa parte, das velhas categorias jurídicas, forjadas para o modelo de emprego industrial, este modelo que é, agora, obsoleto em centros econômicos que comandam a economia global e está seriamente ameaçado nas sociedades periféricas da economia capitalista, dada a constante possibilidade de a proteção trabalhista, estatal ou convencional, ocasionar a transferência de plantas industriais para o território de países onde a mão de obra é menos onerosa. E custa menos porque é regulada precariamente.

De toda sorte, a empresa ou organização produtiva, em que se insere o empregado, permitindo que sua força de trabalho a ela se incorpore como um de seus elementos417, não pode ser confundida com o titular dessa empresa, ou seja, distingue-se a empresa da pessoa que detinha o capital e a instituiu, visando à produção de bens ou serviços.

O Código Civil possui um livro que regula, com exclusividade, os direitos de empresa (artigos 966 a 1195). Em seu primeiro capítulo, deine empresário como aquele que “exerce proissionalmente ativi-dade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou serviços”. Adiante, ressalva: “Não se considera empresário quem exerce proissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda que com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da proissão constituir elemento de empresa”.

O Código Civil está a distinguir empresário e empresa, ao diferenciar o empresário da atividade econômica que ele exerce. Voltando ao âmbito do direito do trabalho, podemos airmar que empre-gador é o empresário que se utiliza de empregados. Mas também é a pessoa que, mesmo sem ter constituído empresa (e, por isso, deixando de se caracterizar como empresário), contrata o trabalho pessoal, subordinado, não eventual e oneroso de outras pessoas, os seus empregados. Para efeitos obrigacionais, o empregador é sempre um ente apto a contrair direitos e obrigações na ordem civil, usualmente se apresentando, assim, como pessoa física ou jurídica investida de capacidade de gozo ou de direito.

8. 2 O conceito legal de empregador

O art. 2º da Consolidação das Leis do Trabalho deine empregador como “a empresa individual ou coletiva que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço”. O parágrafo primeiro desse mesmo dispositivo acrescenta: “Equipara-se a

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empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os proissionais liberais, as instituições de beneicência, as associações recreativas ou outras instituições sem ins lucrativos, que admiti-rem trabalhadores como empregados”. Os teóricos do direito do trabalho desferem crítica implacável, porém, a essas deinições de empregador e de empregador por equiparação.

Na verdade, o legislador pretendeu realçar a estreiteza do vínculo entre o empregado e a organização produtiva (mais forte que o vínculo com o titular da empresa), quando propôs a sinonímia entre empregador e empresa. Cedeu à tentação de cunhar uma metáfora, bem se pode perceber.

Além disso, repetiu a exigência de subordinação em grau absoluto, onerosidade e pessoalidade, imposta na deinição de empregado (artigo 3º da CLT), ao assentar que o empregador assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. Com razão, o professor José Augusto Rodrigues Pinto observa que, sendo empregador e empregado iguras simetricamente opostas de uma relação jurídica418, poderiam os autores da Consolidação das Leis do Trabalho ter optado por um conceito relexo, em que o empregador seria deinido, simplesmente, como “a pessoa física ou jurídica que utiliza, em caráter permanente, a energia pessoal de empregados, mediante retribuição e subordinação, visando a um im determinado, econômico ou não”.

Em suma, empregador é a pessoa que contrata empregado. Não precisava ter deinido emprega-dor e empregado, se o que importava e importa são as condições de trabalho deste último, na caracterização do liame empregatício.

Ocorreu, enim, de o legislador ter acrescido ao conceito de empregador um elemento que esca-pava à sua essência, qual seja, a assunção dos riscos da atividade econômica. Ao analisarmos o empregado, em capítulo precedente, ressaltamos que é esse um elemento meramente acidental, tanto porque o empregador pode não exercer atividade econômica alguma, a exemplo do que sucede ao empregador doméstico, como em razão de ao empregado ser transferida, muita vez, uma parcela do risco empresarial, assim acontecendo com os vendedores que recebem apenas comissão pelas vendas que realizam.

Uma vez que o legislador ousou reduzir o empregador àquele que constitui empresa e, assim, exerce atividade econômica419 com seus inerentes riscos, o mesmo legislador teve que somar a esse seu primeiro equívoco um outro, forjando então a igura do empregador por equiparação e a deinindo, como acima se viu. Se houvesse investido no conceito relexo, proposto pelos teóricos do direito trabalhista, certamente teria permitido que o conceito ainado com o mundo dos fatos...

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