Protesto prévio no projeto de LEI 6.204/2019 como importante medida coercitiva na execução

AutorFlávia Pereira Ribeiro
Páginas697-715
PROTESTO PRÉVIO NO PROJETO
DE LEI 6.204/2019 COMO IMPORTANTE MEDIDA
COERCITIVA NA EXECUÇÃO
Flávia Pereira Ribeiro
Pós-doutora pela Universidade Nova de Lisboa (2020). Doutora em processo civil pela
PUC/SP (2012). Mestre em processo civil pela PUC/SP (2008). Membro do IBDP, do
CEAPRO, do IASP e da Comissão de Processo Civil da OAB/SP. Membro do Conselho
Editorial da Juruá Editora e da Revista Internacional Consinter de Direito. Integrante
da comissão de elaboração do PL 6.204/2019 – desjudicialização da execução civil.
Advogada.
1. INTRODUÇÃO
O Projeto de Lei (PL) 6.204/2019 propõe a desjudicialização da execução civil,
devendo ser delegada a um serventuário extrajudicial a tarefa de verif‌icar os pres-
supostos da execução, realizar a citação, penhorar, vender, receber pagamentos e
dar quitação, reservando-se ao juiz estatal a eventual resolução de litígios, quando
provocado por intermédio dos competentes embargos do devedor ou outros meios
de defesa.
O PL 6.204/2019 estabelece que ao tabelião de protesto seja delegada a função
pública da execução de títulos1-2, de modo a outorgar a um prof‌issional de direito
devidamente concursado, cuja remuneração seja realizada de acordo com os emolu-
mentos f‌ixados por lei, em sua maior parte cobrada do devedor ao f‌inal do procedi-
mento executivo. A f‌iscalização dessa atividade será realizada pelo Poder Judiciário,
Corregedorias Estaduais e Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Duas são as razões da eleição do tabelionato de protesto – dentre os demais
delegatários extrajudiciais – para realização da nova atividade de agente de execu-
ção. A primeira é estrutural e a segunda é estatística, sempre visando a efetividade
da execução.
A primeira delas porque faz muito mais sentido a ampliação dos poderes dos
tabelionatos de protesto, já que eles são afeitos aos títulos executivos e já realizam
atividade muito similar à proposta comparativamente ao trato do protesto. A es-
trutura existente é apta a dar efetividade também para a execução; a habilidade na
1. O poder de império pode ser delegado, por opção legislativa, de modo a mantê-lo sob a esfera estatal. Os atos
de constrição patrimonial não podem ser realizados por qualquer particular, mas sim por entes delegados
pelo próprio Estado, que assim passam a exercer função pública de forma privada. In: RIBEIRO, Flávia
Pereira Ribeiro. A desjudicialização da execução civil. 2. ed. Curitiba: Paraná, 2019. p. 196.
2. A execução forçada é um ato de força privativo do Estado. Realiza-se por meio de invasão da esfera patrimonial
privada do devedor para promover coativamente o cumprimento da prestação a que tem direito o credor.
(...) O direito de praticar a execução forçada é exclusivo do Estado, cabendo ao credor apenas a faculdade
de pedir a sua atuação (direito de ação). In: THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de execução. 22. ed.
São Paulo: Liv. E Ed. Universitária de Direito, 2004. p. 56.
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análise do título para o protesto pode ser aplicada na verif‌icação dos requisitos de
admissibilidade da execução; os sistemas de localização de endereço do devedor, de
expedição e efetivação de intimação e de publicação de edital servem tanto para o
protesto como para a execução, entre outros.
A segunda, como dito, vem das estatísticas. Conforme se extrai do Anuário pu-
blicado pelo Instituto de Protestos (“Cartórios em Números”), edição 2020, relativo
ao exercício de 20193, 67,9% dos títulos privados protestados foram pagos, o que
signif‌ica dizer que 2/3 dos títulos inadimplidos foram recuperados em um prazo de
12 meses, em um valor total de R$ 18.706.062.717,53. Esses números não podem
passar desapercebidos. Vale notar que no mesmo período a efetividade dos processos
executivos judiciais cíveis, segundo o “Justiça em Números” do CNJ, foi de 17,6%!4
Se o protesto tornar-se prévio e obrigatório como requisito de admissibilidade
das execuções, medida associada à desjudicialização da execução aos tabelionatos de
protestos – que só receberiam seus emolumentos no êxito da execução –, poder-se-ia
vislumbrar maior efetividade no cumprimento das obrigações nesse país.
Segundo Reinaldo Velloso, “uma das funções primordiais das leis e da adminis-
tração de um país é assegurar o cumprimento das obrigações assumidas”. Pondera
também que “a falta de meios adequados para a exigência das obrigações não só faz
diminuir sensivelmente os recursos disponíveis, como também onera o crédito, com
a imposição de taxas de juros maiores”. A publicidade do protesto gera importantes
efeitos macroeconômicos, facilitando a realização de negócios, especialmente pela
mitigação do risco do credor.5
O fortalecimento do protesto, aliado à uma execução mais efetiva, certamente
modif‌icará o cenário tão desfavorável hoje visto no país, especialmente em relação
aos números estatísticos da inef‌iciência da execução. Nesse sentido, nos termos do
artigo sexto do PL 6.204/2019, o protesto deve ser prévio: “Os títulos executivos
judiciais e extrajudiciais representativos de obrigação de pagar quantia líquida, certa,
exigível e previamente protestados, serão apresentados ao agente de execução por
iniciativa do credor”.6
3. ASSOCIAÇÃO DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES DO BRASIL. Cartório em números: Capilaridade,
serviços eletrônicos, cidadania e conf‌iança. Disponível em: https://www.anoreg.org.br/site/wp-content/
uploads/2020/04/Cart%C3%B3rio-em-n%C3%BAmeros-1.pdf. Acesso em: 21 abr. 2019.
4. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números 2020.Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-
content/uploads/2020/08/WEB-V3-Justi%C3%A7a-em-N%C3%BAmeros-2020-atualizado-em-25-08-2020.
pdf. Acesso em: 21 abr. 2021.
5. SANTOS, Reinaldo Velloso do. Protesto notarial e sua função no mercado de crédito. Belo Horizonte: Dialética,
2021. p. 429
6. SENADO FEDERAL. Projeto de lei 6.204 de 2019. Dispõe sobre a desjudicialização da execução
civil de título executivo judicial e extrajudicial; altera as Leis 9.430, de 27 de dezembro de 1996,
de 2015 – Código de Processo Civil. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/
documento?dm=8049470&ts=1594037651957&disposition=inline. Acesso em: 19 abr. 2021.
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