Sem liberdade sindical não se pode falar em igualdade de condições para as convenções coletivas de trabalho

AutorLorena de Mello Rezende Colnago/Ben-Hur Silveira Claus
Páginas179-186

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1. Introdução

Constitucionalmente, o reconhecimento das Convenções e Acordos Coletivos de Trabalho é um direito fundamental com previsão no art. 7º (dos direitos sociais) da Constituição Federal Brasileira de 1988. O direito coletivo moderno tem a liberdade sindical e a negociação coletiva como direitos materialmente fundamentais.

Este direito coletivo atual, entre outros temas, preocupa-se com a atuação do sindicato como substituto processual em defesa de direitos dos associados, cuida para que haja participação obrigatória dos sindicatos na negociação coletiva de trabalho, prevê ações (anulatórias) para invalidar cláusulas de acordos ou convenções.

O direito coletivo influencia, e muito, o direito individual. Aos empregados destina normas negociadas que pretendem uma melhor condição de trabalho; aos empregadores, a manutenção e o equilíbrio na atividade produtiva. Neste contexto, hodiernamente, surge o princípio da adequação setorial negociada, cuja primeira referência no Brasil se atribui ao Ministro e professor Maurício Godinho Delgado e que se trata de “uma medida de harmonização entre as normas jurídicas oriundas da negociação coletiva e as normas jurídicas provenientes da legislação heterônoma estatal.”1

Compreender as mudanças que o direito do trabalho moderno, em tempos de crise, imprime nas negociações coletivas, passa pela análise da liberdade sindical, instaurando a necessidade de diálogo das fontes na efetivação dos direitos fundamentais do trabalhador e na manutenção das empresas, fonte geradora de empregos e riquezas.

Pela teoria do diálogo das fontes, desenvolvida na Alemanha pelo professor Erik Jayme, da Universidade de Heidelberg e trazida para o Brasil pela professora Claudia Lima Marques, da UFRGS, na obra coletiva, “Diálogo das Fontes – Do conflito à coordenação das normas do direito brasileiro”, publicado pela Revista dos Tribunais em 2012 se afasta o entendimento de que as leis devem ser aplicadas de forma isolada uma das outras, devendo ser o ordenamento jurídico interpretado de forma unitária, trazendo assim uma nova hermenêutica na resolução das antinomias, promovendo uma interpretação coordenada e sistemática em consonância com os preceitos constitucionais afim de promover um sistema jurídico mais justo e eficiente. Diante da multiplicidade de normas passíveis de aplicação, se apresenta como um método que utiliza e aplica normas

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conjuntas ao mesmo tempo e caso, complementarmente ou subsidiariamente, permitindo a opção pela fonte prevalecente, sendo, dessa forma uma solução flexível de interação.

Neste trabalho, o diálogo dar-se-á entre o Direito Sindical Brasileiro e o Direito Espanhol e a Convenção
n. 87 da OIT.

Historicamente, o direito do trabalho se consolidou por meio das lutas que as associações do trabalho promoveram quanto à existência e condições dos contratos individuais de trabalho. No Brasil, o início dos movimentos sindicais foi marcado por perseguições ao líderes, tanto pelo governo quanto pelo empregadores, tendo sido dito por um dos presidentes do país2 que no Brasil a questão social era questão de polícía. É preciso lembrar que em 1931 um decreto – que se considerou como sendo a primeira norma sindical – retirou a ideia de sindicato da esfera privada para considerá-lo como direito público, mas favorecendo a adoção da unicidade sindical, mantendo-se tal tendência na CF/37, época de ditadura com forte conotação corporativista, que, além da unicidade sindical, instituía a contribuição sindical compulsória.

A CF/88 no seu art. 7º, inciso VI, XIII, XXVI e art. 8º, inciso VI e XIV, estabelece a faculdade de normatização pelos grupos sociais e seus representantes, reconhecendo a validade de acordos e convenções coletivas de trabalho. Apesar disso, na atualidade, com o incremento da crise econômica mundial que ainda perdura na Europa a assola devastadoramente o Brasil, e que é atribuída à falta de regularidade econômica, característica do regime capitalista, além do surgimento do novo sistema de desenvolvimento econômico, vêm impondo profundas e necessárias transformações internas e externas às estruturas sindicais e de seus movimentos.

Diversamente da época em que surgiram as associações de classe e as leis que regulamentavam os sindicatos, quando ainda a produção era vendida quase que exclusivamente no mercado interno, a situação atual, com a globalização e a mundialização da economia, se apresenta com o incremento de empresas multinacionais, fusão de empresas, intensificação da concorrência, migração do capital, privatização de estatais, economia informal gerando uma profunda insegurança, tanto para os trabalhadores quanto para os empregadores, fazendo com que negociações coletivas possam sofrer modificações pelo medo de transferências das empresas para outros países, movimento visto diariamente com o fechamento de grandes complexos industriais na Europa e Estados Unidos e reaberturas em países asiáticos, em que o custo do trabalho é bem menor. Sabe-se que tais mudanças são possíveis hoje, diante dos avanços das novas tecnologias da comunicação que permitem que se compre um hambúrguer do McDonald´s em uma cidade americana por meio de um call center na Índia e como consequência de toda essa modificação está o desemprego e o medo da perda dos postos de trabalho para aqueles que ainda têm.

A reestruturação econômica afeta os sindicatos ao atingir a liberdade de associação, a liberdade sindical e o direito à negociação coletiva de trabalho. Tanto isso é verdade que segundo a OIT o índice de sindicalização na América Latina é muito baixo, com taxas entre 20% e 40% no Brasil, Argentina e México e entre 10 a 20% nos demais países, devendo-se o mesmo à legislação que obriga os sindicatos a se organizarem por empresas e às vezes, por seção na mesma empresa, pulverizando-os além do imposto sindical compulsório para os sindicalizados ou não.

A preocupação da OIT é quanto à dificuldade de representação no mundo dos trabalhadores, face à exigência de vozes independentes que possam se fazer ouvir e expressar seus interesses e, assim, proporcionar um trabalho em condições mais justas, com liberdade e dignidade que se alie ao ajuste econômico feito nos anos 80 na América Latina que aumentou o índice de desemprego, fato agravado no Brasil, onde hoje se tem mais de 8.000.000 de desempregados.

Afora o desemprego e a ida de trabalhadores para o setor informal, ambiente não adequado para a atividade sindical, a noção de “governança” adotada pelos países da Europa, principalmente e que designa políticas que devem ser realizadas para se administrar a crise não apenas no território europeu mas também nas demais regiões, fragilizam os sindicatos que são dissolvidos, fragmentados, minando o seu poder e capacidade de representação, impedindo a interlocução com o poder público, retirando-lhes direitos e garantias estatais e coletivas e por consequência o sistema de seguridade social que passa a ser reconfigurado de forma assistencialista.3

Hoje, no Brasil, país com maior número de sindicatos no mundo, 11.300, enquanto a Argentina tem 480 e o Reino Unido, 200 acrescenta-se o fato de que pelo menos 2.300 são fantasmas e 8.000 com presidentes

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que ali estão há mais de uma década.4 Falta-lhes legitimidade e representatividade pois muitos nunca assinaram um acordo coletivo, pois formados a partir das próprias empresas, atendendo interesses dos empregadores. Urge, diante de tal situação um sindicalismo representativo5, com legitimidade que, a nosso pensar, só poderá se concretizar com a implantação de uma verdadeira liberdade sindical, uma vez que os sindicatos constituem-se da organização de trabalhadores que através da união de forças buscam diminuir a hipossuficiência econômica característica das relações de trabalho subordinado.

2. Liberdade sindical: existe no Brasil?

O sindicalismo no Brasil teve como característica a influência e o controle estatal (Decreto 979/1903 – autonomia, registro em cartório e liberdade negativa de filiação; Lei dos sindicatos de 1931 – competia ao Estado a organização das categorias dos trabalhadores;
Constituição de 1934 – pluralidade e autonomia sindicais; Constituição de 1937 – durante o Estado Novo, grande restrição à liberdade sindical). Esta centralidade no Estado não foi diferente como o que ocorreu com a Consolidação das Leis do Trabalho de 1943, durante a Era Vargas, tendo a intervenção estatal sido atenuada com o processo de democratização e o restabelecimento do Estado de Direito e ainda em andamento, após a ditadura militar, em 1988.

Fez-se necessária uma grande evolução jurídico--social para se garantir, constitucionalmente, a não admissão da intervenção do Estado na organização sindical, salvo para preservar direitos violados, assegurando-se, pelo menos formalmente, a representatividade dos trabalhadores.

Apesar dos esforços evolucionistas acima indicados, a CF/88 “celetizou” ou seja, incorporou disposições contidas na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) que tem como característica uma composição de normas uniformes para todo o território nacional e cunho filosófico autoritário, pois ali foram outorgadas medidas protetivas criadas por Getúlio Vargas, ditador dos anos 1940, disposições...

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