Vínculo Empregatício - Pastor - Serviço Voluntário - Trabalho Religioso
Autor | Juíza Camila Miranda de Moraes |
Ocupação do Autor | 7ª Região - CE |
Páginas | 22-30 |
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SENTENÇA
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RELATÓRIO
Francisco José Alves da Silva ajuizou reclamação trabalhista em face da Igreja Mundial do Poder de Deus pleiteando o descrito na inicial.
Audiência em 31.3.2011 (fl. 19). Recusada a proposta conciliatória.
A reclamada apresentou defesa e documentos, sobre os quais a parte reclamante manifestou-se por escrito.
Audiência de instrução em 25.7.2011 (fl. 81/90). Colhidos os depoimentos pessoais das partes. Ouvidas duas testemunhas do reclamante e uma testemunha da reclamada. As partes declararam não ter outras provas a produzir, inclusive testemunhal. Instrução encerrada. Razões finais remissivas. Recusada a segunda proposta conciliatória.
Autos conclusos para julgamento. é o relatório.
II. FUNDAMENTAÇÃO PRELIMINARES
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INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRA- BALHO
Aduz a reclamada incompetência da Justiça do Trabalho para apreciar a demanda pois "o ministério religioso não gera vínculo empregatício"(fl. 23).
Sem razão.
A competência da Justiça Laboral se dá em razão de relações de trabalho e/ou emprego, nos termos do art.114 da Constituição Federal.
Tendo o reclamante alegado na inicial a existência de relação de emprego, a Justiça do Trabalho é o órgão competente para processar, julgar e decidir a lide.
A natureza do vínculo havido, bem como a sua validade ou não, são questões de mérito e serão com ele apreciadas.
Rejeito a preliminar de incompetência da Justiça do Trabalho.
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CARÊNCIA DE AÇÃO
A reclamada sustenta que o pedido é impossível.
A carência de ação envolve a ausência de um ou mais requisitos da ação: possibilidade jurídica do pedido, legitimidade das partes e interesse jurídico.
Possibilidade jurídica do pedido significa dizer que o ordenamento jurídico traz em seu bojo norma positivada capaz de regular a situação in abstrato vivida pelas partes.
A legitimidade das partes significa que a parte autora aponta quem entende ser a parte ré para compor o polo passivo da lide, independentemente do desfecho a que se venha chegar por meio de sentença. Tal conclusão adveio do abandono da teoria concretista do processo e adoção da teoria do direito de ação como direito abstrato.
O interesse de agir se define pelo fato de que a parte precisa do provimento jurisdicional (pedido imediato) para obter o bem da vida (pedido mediato) perseguido, pois sem a intervenção do Poder Judiciário não conseguiu alcançar seu desiderato.
Do cotejo dos autos percebe-se que estão presentes todos os requisitos da ação, pelo que rejeita-se a preliminar.
Rejeito a preliminar de carência de ação por impossibilidade jurídica do pedido.
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AUSÊNCIA DE CAUSA DE PEDIR
Aponta a reclamada que os pedidos de aplicação dos arts. 71, 75 e 729 da CLT não tem causa de pedir. Trata-se dos pedidos "aa", "cc", "ee" da inicial.
Tem razão a reclamada.
A petição inicial não traz a necessária descrição de fatos hábil a sustentar os pedidos "aa", "cc", "ee" da inicial, pelo que acolho a preliminar para extinguir sem resolução de mérito os pedidos "aa", "cc", "ee" da inicial por ausência de causa de pedir.
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INÉPCIA DOS PEDIDOS DE INDENIZAÇÃO E HORAS EXTRAS
A petição inicial atende ao comando celetista no sentido de "uma breve exposição dos fatos de que resulte o dissídio" (CLT, art. 840, § 1º), sendo tal o suficiente para afastar a inépcia no processo do trabalho. Da leitura da petição inicial é possível deduzir, com um mínimo
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de discernimento, a causa de pedir suficiente de cada pedido.
Vale ressaltar que não houve nenhum prejuízo à produção de defesa útil, no que tange à integralidade dos pleitos formulados.
REJEITO a preliminar.
5. INÉPCIA DA INICIAL - DECLARAÇÃO EX officio
Antes de adentrar no mérito da reclamatória, cabe ao juízo, nos termos do art. 301 do CPC, verificar se estão presentes todos os requisitos de constituição válida e regular do processo, bem como da ocorrência de alguma prejudicial declarável de ofício que impeça o conhecimento do mérito, além das preliminares que devem ser suscitadas pelas partes. é o que se passa a fazer.
O pedido "N" é para pagamento de "multa a ser estipulada por este juízo pelo não pagamento das gratificações natalinas".
Trata-se de pedido impossível, pois não existe no ordenamento jurídico brasileiro previsão legal de pagamento de multa a ser estipulada pelo Poder Judiciário na hipótese de inadimplemento da gratificação natalina.
Trata-se, portanto, de pedido inepto, resultando na sua extinção sem resolução de mérito.
O pedido "dd" é de aplicação da "multa pelo atraso na obrigação de fazer". Não existe na petição inicial descrição de qualquer fato apto a embasar tal pedido, razão pela qual o mesmo é inepto.
O pedido "ff" é genérico pois fala em aplicação de normas coletivas da categoria profissional. Ora, o reclamante sequer juntou norma coletiva com a inicial. Além disso, postula enquadramento como pastor de igreja, que sabidamente não tem sindicato profissional nem norma coletiva. Trata-se de pedido genérico, inepto, que julgo extinto sem resolução do mérito.
Declaro, de ofício, a extinção sem resolução de mérito dos pedidos "N", "dd", "ff" da inicial, nos termos do art. 267 do CPC.
MÉRITO
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JUSTIÇA GRATUITA
Defere-se em favor do(a) reclamante os benefícios da Justiça gratuita, posto que o pleito preenche os requisitos legais para a sua concessão, a teor do disposto no art. 790, § 3º da CLT. Ressalto que a declaração de miserabilidade pode ser efetuada a qualquer tempo e através de procurador na própria petição inicial, sem necessidade de poderes especiais para tal finalidade, conforme já pacificado pelo C. TST nas Orientações Jurisprudenciais de números 269 e 331 da SDI-1.
Com a edição da Lei n. 7.115/83 (art. 1º), deixou de ser obrigatória a apresentação do atestado de pobreza, bastando que o interessado, de próprio punho, ou por procurador com poderes específicos, sob as penas da lei, declare na petição inicial que não tem condições de arcar com as custas e despesas processuais sem prejuízo do próprio sustento ou de sua família.
Dentro dessa percepção, entende-se que, para o deferimento da assistência judiciária gratuita, basta, de regra, que o beneficiário assegure não ter condições de suportar as despesas processuais e honorários advocatícios sem prejuízo da manutenção própria, bem como da família.
A parte reclamada não trouxe ao feito nenhum elemento ou prova capaz de invalidar o pedido. A revogação do benefício da justiça gratuita ocorrerá somente após a prova da inexistência ou do desaparecimento do estado de pobreza. Sobre os arts. 4º e 7º da LAJ (Lei n. 1.060/1950), comentam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, in Comentários ao Código de Processo Civil, 8. ed., RT, p. 1.582: § 1º: 5. Prova contrária. A prova em contrário, que derruba a presunção juris tantum de pobreza, que milita em favor do interessado, deve ser cabal no sentido de que pode prover os custos do processo sem comprometer seu sustento e o de sua família. Deve ser comprovada pela situação atual do interessado e não por ilações acerca de sua pretérita situação de empresário, proprietário ou pessoa de posses (...)
Nessa esteira decidiu a Terceira Turma do TST, no RR 518/2005-008-17-00.4, cujo Relator Ministro Carlos Alberto Reis de Paula, proferiu voto, acolhido unanimemente, consoante aresto adiante transcrito:
RECURSO DE REVISTA. DECLARAÇÃO DE MISERABILI-DADE JURÍDICA.
Para se conceder o benefício da justiça gratuita relativo à isenção do pagamento das custas processuais somente exige-se que a parte firme declaração de pobreza, sob as penas da lei e nos momentos processuais estabelecidos, o que foi cumprido pela parte. Assim, em que pese às ponderáveis alegações externadas pelo Regional expondo grande preocupação com a banalização do instituto, é irrelevante o fato de o reclamante possuir empresa de representação, se, nos termos da declaração aposta - que tem presunção de idoneidade - não pode demandar em juízo sem prejuízo do seu orçamento familiar.
Assente-se, ainda, que esta Corte tem perfilhado o entendimento no sentido de desobrigar a parte de produzir prova acerca de sua condição econômica, exigindo para tal fim mera declaração nos autos, feita em qualquer momento processual. Recurso conhecido e provido. (TST, RR 518/2005-008-17-00.4, Rel. Min. Carlos Alberto Reis de Paula, DJ de 8.6.2007)
Defere-se o pedido de gratuidade da justiça à parte reclamante.
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7. PASTOR DE IGREJA - VÍNCULO EMPRE- GATÍCIO
Aduz o reclamante ter sido admitido na reclamada em 1.12.2008 como pastor, com remuneração de R$ 1.500,00 mensais composta de salário no valor de R$ 800,00 mais ajuda de custo de R$ 700,00 para pagar aluguel, tendo sido desligado em 4.2.2011. Postula reconhecimento do vínculo de emprego e pagamento das parcelas indicadas na inicial.
Em sua defesa a reclamada alega:
1) inexistência do vínculo de emprego por ser incompatível tal situação com o ministério sagrado exercido pelo reclamante (item 30 fl. 29, item 75/82 fl. 40/41);
2) que o reclamante não ingressou na reclamada já como pastor evangélico, mas sim como fiel, tornando-se obreiro e posteriormente veio a tornar-se pastor evangélico (item 31 fl. 29 e itens 36/39 fl. 31);
3) que o reclamante prestava serviços de forma voluntária (itens 32 e 35 fl. 30, item 47 fl. 34);
4) que o dízimo é contribuição voluntária do fiel para manutenção da instituição da qual participa, não havendo que se confundir esta doação com o capital de uma empresa e presumir a existência de qualquer vínculo empregatício (item 43 fl. 32);
5) a reclamada não pode ser tida como uma empresa e não há que se confundir um ministro religioso com um empregado (item 45 fl. 33);
6) inexiste subordinação do reclamante (item 46 fl. 33, itens 50,51 fl. 34);
7) a atividade do reclamante não tem fins lucrativos (item 53 fl. 35);
8) o ministro religioso não recebe salário. O valor pago pela reclamada consiste apenas em uma ajuda de custo a fim de dar um suporte econômico para sustentar o religioso e sua família (itens 54/56 fl. 35);
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