Apontamentos críticos sobre a analogia no direito tributário

AutorMatheus Soares Leite
Páginas347-379
347
APONTAMENTOS CRÍTICOS SOBRE A ANALOGIA NO
DIREITO TRIBUTÁRIO
Matheus Soares Leite1
Resumo: Sob influência do positivismo jurídico clássico ganhou força,
num passado recente, o dogma da completude do ordenamento jurídico e
que compreendia o direito como um sistema fechado, dotado de coerência
absoluta, cabendo ao intérprete unicamente declarar o sentido objetivo da
norma. A interpretação jurídica seria, portanto, essencialmente formalista
e o ordenamento jurídico seria capaz de abarcar todas as situações fáticas,
ou seja, seria possível encontrar sempre uma solução para os problemas
jurídicos, dentro do próprio sistema, por meio de sistemas lógicos2. Essa
concepção, contudo, desconsidera que a lei não é criada para uma
variedade infinita de casos, abarcando-os com igual intensidade em sua
moldura, e não deve ser compreendida como fechada em si, acabada e sem
lacunas, o que poderia levar a uma paralisação do desenvolvimento do
próprio direito3. Admitindo, portanto, que o o direito é essencialmente
incompleto, pois não é possível regular todas as condutas humanas e nem
mesmo levar em consideração todos os contextos de aplicação possíveis,
eis que os elementos da previsão normativa, inclusive, nem sempre estão
presentes em sua integralidade, pois muitas vezes a lei se utiliza de
conceitos indeterminados ou tipos4, imprescindível empregar esforços
científicos para esclarecer sobre a utilização da analogia como importante
ferramenta para eliminar as lacunas do ordenamento jurídico. Essa é a
proposta de desenvolvimento deste artigo e que foi elaborado em
1 Conselheiro Titular da 2ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).
Doutorando e Mestre em Finanças Pú blicas, Tributação e Desenvolvimento, pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
2 ASCENSÃO, José de Oliveira. O direito introdução e teor ia geral uma perspectiva
luso-brasileir a. 11ª ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 461.
3 KAUFMANN, Arthur. Filosofia do dir eito. Prefácio e tradução de António Ulisses
Cortês. 2ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007. p. 134.
4 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Tradução José Lamego. 3ª ed.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 299.
348
comemoração ao aniversário de 85 anos da nossa querida Faculdade de
Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Palavras-chave: Direito Tributário. Analogia. Código Tributário
Nacional.
1. Introdução
A ascensão do iluminismo no século XVIII exerceu inúmeras
influências na seara jurídica, dentre as quais se destaca a ideia de que a
atuação do juiz deveria se esgotar num procedimento de subsunção que
livraria a sociedade dos riscos de uma decisão arbitrária. A desconfiança
em relação ao julgador era latente, depositando na letra da lei uma suposta
segurança jurídica, desconsiderando as inúmeras facetas hermenêuticas
que consiste a atuação do intérprete do direito. A aplicação das normas
seria um procedimento simples e seguro, pois normas rigorosamente
elaboradas, seriam capazes de garantir clareza e segurança jurídicas
absolutas, de modo a conduzir as decisões judiciais a um único resultado5.
Essa visão ingênua do direito e que ignora as complexidades
hermenêuticas, ignora que a atividade de interpretação, por si, já representa
um ato de escolha por parte do aplicador da lei, pois subsmuir a letra fria
da lei ao caso concreto demanda nítido esforço intelectual e valorativo,
capaz de abarcar a historicidade do próprio aplicador, ser cultural e dotado
de inúmeras pré-concepções. Outro dogma trazido como influência do
positivismo jurídico clássico foi o da completude do ordenamento jurídico
e que compreendia o direito como um sistema fechado, dotado de coerência
absoluta, cabendo ao intérprete unicamente declarar o sentido objetivo da
norma. A interpretação jurídica seria, portanto, essencialmente formalista
e o ordenamento jurídico seria capaz de abarcar todas as situações fáticas,
ou seja, seria possível encontrar sempre uma solução para os problemas
jurídicos, dentro do próprio sistema, por meio de sistemas lógicos6. Essa
concepção, contudo, desconsidera que a lei não é criada para uma
5 ENGISCH, Karl. Intr odução ao pensamento jurídico . Tradução de J. Baptista Machado.
8ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001. p. 206.
6 ASCENSÃO, José de Oliveira. O direito introdução e teor ia geral uma perspectiva
luso-brasileir a. 11ª ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 461.
349
variedade infinita de casos, abarcando-os com igual intensidade em sua
moldura, e não deve ser compreendida como fechada em si, acabada e sem
lacunas, o que poderia levar a uma paralisação do desenvolvimento do
próprio direito7. Como os fatos se desenvolvem com o passar dos tempos,
é preciso compreender também a evolução da norma. Trata-se, na verdade,
reconhecer que o direito não é essencialmente completo, e que a dinâmica
dos acontecimentos influencia também sua realidade, ainda que possa ser
considerada própria8. Há um duplo fenômeno, de modo que o direito cria
sua própria realidade, mas a realidade também influencia o conhecimento
e o aperfeiçoamento do direito. Aqui, sobreleva destacar o papel criador do
intérprete e aplicador que não representa nada de extraordinário, sendo, na
verdade, um preço razoável que se paga pela funcionalidade e agilidade do
sistema. Entender que é possível livrar o Poder Judiciário de subjetividades
e decisões valorativas é retroceder ao pensamento do Círculo de Viena em
que havia um culto exacerbado ao poder da linguagem, desconhecendo
como se realmente o processo comunicacional sendo algo,
verdadeiramente complexo e dinâmico. Um mesmo texto adquire
diferentes significados de acordo com o contexto temporal em que é
interpretado. A noção de que o texto legal é capaz de garantir segurança
jurídica não passa, pois, de um equívoco. Notadamente, em matéria
tributária, é preciso reconhecer que o sistema exige uma legalidade
suficiente e não absoluta, que se daria por meio da busca de uma
previsibilidade razoável do conteúdo obrigacional da relação tributária,
justamente pela impossibilidade derivada da linguagem utilizada pelos
indivíduos9. Admitindo, portanto, que o direito é essencialmente
incompleto, pois não é possível regular todas as condutas humanas e nem
mesmo levar em consideração todos os contextos de aplicação possíveis,
eis que os elementos da previsão normativa, inclusive, nem sempre estão
presentes em sua integralidade, pois muitas vezes a lei se utiliza de
conceitos indeterminados ou tipos10, imprescindível empregar esforços
7 KAUFMANN, Arthur. Filosofia do dir eito. Prefácio e tradução de António Ulisses
Cortês. 2ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007. p. 134.
8 LEITE, Matheus Soares. O direito e a linguagem na tributação. In: Daniel Giotti de Paula;
Ricardo Lodi Rib eiro. (Org.). Direito Tr ibutário Inclusivo. 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora
Multifoco, 2016, v. , p. 15-42.
9 OLIVEIRA, Felipe Faria. Dir eito tr ibutário e direitos fundamentais. Belo Horizonte:
Arraes editores, 2010. p. 194-195.
10 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Tradução José Lamego. 3ª ed.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT