A tributação da renda no Brasil: reflexões para uma reforma do imposto sobre a renda

AutorLuís Cesar Souza de Queiroz
Páginas245-285
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A TRIBUTAÇÃO DA RENDA NO BRASIL: REFLEXÕES PARA
UMA REFORMA DO IMPOSTO SOBRE A RENDA
Luís Cesar Souza de Queiroz1
Resumo: O objetivo deste trabalho é refletir sobre algumas questões
relacionadas à reforma do imposto sobre a renda no Brasil. O
desenvolvimento das ideias passa, preliminarmente, pela consideração do
que atualmente dispõem a Constituição brasileira e o Código Tributário
Nacional. A primeira questão é atinente à possibilidade constitucional e à
conveniência técnica de proceder-se a uma unificação do imposto sobre a
renda com a contribuição social sobre o lucro mediante uma “absorção”
desta por aquele. A segunda refere-se à possibilidade constitucional e à
conveniência técnica de se estabelecer uma distinção entre a tributação da
“renda” como produto do capital e como produto do trabalhoέ A terceira
trata da discussão acerca do sistema de tributação da renda mais adequado
se o amplo (compreensive income tax) ou o dual (dual income tax). A
quarta envolve o dilema acerca da conveniência de se proceder à tributação
dos rendimentos financeiros e dos dividendos e, em caso positivo, se
devem ocorrer da mesma forma que se perfaz à tributação dos rendimentos
do trabalho.
Sumário: 1. Considerações iniciais. 2. Requisitos atuais da tributação da
Renda segundo a Constituição e a legislação complementar. 3. A
unificação do atual imposto sobre a renda da pessoa jurídica e da
contribuição social sobre o lucro. 4. A distinção entre a tributação da
“renda” como produto do capital e como produto do trabalho. 5. O embate
em matéria de tributação da renda entre o sistema amplo (comprehensive
income tax) e o sistema dual (dual income tax) a discussão sobre a
1 Professor Titular de Direito Financeiro e Tributário da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro UERJ. Pós-Graduado em Direito Comercial pela Fundação Getúlio Vargas
(FGV). Pós-Do utor em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ.
Mestre e Doutor em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP. Procurador Regional da República. Ex-Procurador do Município do Rio de
Janeiro.
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tributação dos rendimentos financeiros e dos dividendos e sobre o
fenômeno da “pejotização”. 6. Considerações finais. Referências.
1. Considerações Iniciais
O IR é atualmente o imposto mais relevante em termos de
arrecadação da União. Segundo estudo sobre a carga tributária no Brasil
em 2020, realizado pelo CETAD Centro de Estudos Tributários e
Aduaneiros da Receita Federal (2021, p. 12), a arrecadação do IR
correspondeu a 6,02 do PIB brasileiro, o que representou pouco mais de
448 bilhões de reais.
Esse importante imposto completa 100 anos de existência no Brasil
em 2022. O imposto sobre a renda cobrado, de forma geral, das pessoas
físicas e jurídicas foi criado pela Lei n. 4.625, de 31 de dezembro de 1922,
cujo artέ γ1 assim prescreveuμ “Fica instituido o imposto geral sobre a
renda, que será, devido, annualmente, por toda a pessoa physica ou
juridica, residente no territorio do paiz, e incidirá, em cada caso, sobre o
conjunto liquido dos rendimentos de qualquer origemέ”
O IR tem passado por muitas modificações, que são reflexo de
mudanças socio-econômicas ocorridas ao longo do tempo. É natural que
um imposto tão relevante esteja sempre sendo objeto de discussões e
mudanças. Mais recentemente, destaca-se a proposta de mudanças no IR
das pessoas físicas, empresas e investimentos financeiros, por meio do
Projeto de Lei n.º 2337/2021, que foi aprovado com alterações pela Câmara
dos Deputados e que se encontra para exame no Senado Federal.
Para os fins deste trabalho, entre os diversos aspectos que tem sido
objeto de debate quando se trata de reforma do imposto sobre a renda, serão
analisadas as seguintes questões:
a) é constitucionalmente possível e tecnicamente conveniente
proceder-se a uma unificação do IR com a CSδδ mediante uma “absorção”
desta por aquele?
b) É constitucionalmente possível e tecnicamente conveniente
estabelecer uma distinção entre a tributação da “renda” como produto do
capital e como produto do trabalho?
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c) Independentemente do que prescreve atualmente a Constituição
brasileira e o Código Tributário Nacional, qual o sistema de tributação da
renda mais adequado: o amplo (compreensive income tax) ou o dual (dual
income tax)?
d) É conveniente que se proceda à tributação dos rendimentos
financeiros e dos dividendos? Se afirmativo, essa tributação deve ocorrer
da mesma forma que a tributação dos rendimentos do trabalho? Isso afeta
o fenômeno da “pejotização”?
Respostas coerentes e consistentes (MacCORMICK, 2006) a essas
questões demanda uma análise prévia do que a Constituição brasileira
(CRFB) e o Código Tributário Nacional (CTN) atualmente estabelecem
como requisitos para que haja a tributação por meio do imposto sobre a
renda e proventos de qualquer natureza, o que passa a ser feito logo adiante.
2. Requisitos Atuais da Tributação da Renda segundo a
Constituição e a Legislação Complementar
Em termos mundiais, há duas grandes e tradicionais teorias sobre
renda como base tributável:
a) teoria da renda-acréscimo segundo a qual renda é o
acréscimo de valor patrimonial (riqueza nova, acréscimo de riqueza),
representativo da obtenção de produto, da ocorrência de fluxo de riqueza
ou de simples aumento no valor do patrimônio.
b) teoria da renda-produto pela qual renda é o acréscimo de valor
patrimonial (riqueza nova, acréscimo de riqueza), representativo da
obtenção de produto ou da ocorrência de fluxo de riqueza, em função do
exercício de uma atividade produtiva.
O Código Tributário Nacional (CTN), no art. 43, acaba por revelar
a influência dessas duas correntes, como é possível constatar:
Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre
a renda e proventos de qualquer natureza tem como
fato gerador a aq uisição da disponibilidade
econômica ou jurídica:

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