A crise do princípio do equilíbrio orçamentário

AutorRicardo Lodi Ribeiro
Páginas403-423
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A CRISE DO PRINCÍPIO DO EQUILÍBRIO ORÇAMENTÁRIO
Ricardo Lodi Ribeiro1
Resumo: Com a pandemia da Covid-19, e a consequente necessidade de
prestações sociais positivas e de coesão social para vencer o vírus, o
Estado, uma vez mais, revela a importância do seu papel. Com o
fenômeno, recuperam prestígio as ideias keynesianas, e ganha destaque a
teoria monetária moderna, que intensificam as críticas à ortodoxia
neoliberal e à limitação das despesas públicas pela arrecadação tributária
atingida em cheio pelo isolamento social. Com o déficit público decorrente
da queda da arrecadação e o aumento de despesas no combate ao vírus, a
expansão da base monetária e a venda de títulos ganham espaço, levando
ao questionamento do princípio do equilíbrio orçamentário, que vinha
sendo idealizado como verdade científica pairando acima das ideologias.
Divorciado da realidade atual, e identificado o seu compromisso
ideológico com o neoliberalismo sob fogo cerrado, o princípio do
equilíbrio do orçamento entra em crise, que promete sobreviver ao
esperado fim da pandemia, com a construção de um novo paradigma para
as finanças públicas, voltadas às políticas de pleno emprego e de
desenvolvimento econômico e social.
1. Introdução
Com a dimensão mundial que a ação do novo coronavírus sobre a
humanidade tomou, os Estados Nacionais, uns mais e outros menos,
adotam medidas de proteção à população que destacam o papel do Estado
na assistência à saúde, no avanço da pesquisa científica e na adoção de
medias anticíclicas para atenuar os impactos negativos gerados na
atividade econômica, nos empregos e na renda das pessoas, pelas
1 Professor Associado de Direito Financeiro da UERJ. Ex-Reitor e Ex-Diretor da Faculdade
de Direito da UERJ. Presidente da Sociedade Brasileira de Direito Tributário. Advogado.
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necessárias medidas de isolamento social impostas pelos governos para
evitar o alastramento da Covid-19.
Neste contexto, de luta contra orus, resta evidenciado para a
população que, com a pandemia, a única saída para vencer o inimigo
invisível e letal é o abandono do individualismo exacerbado, que
fundamenta o neoliberalismo, pela adoção de práticas de coesão social e
de solidariedade. Afinal, ninguém se salvará sozinho. E este talvez seja o
principal abalo que a pandemia provoca na ortodoxia neoliberal que, como
sustenta Wendy Brown2, se alicerça, na esteira do pensamento de Hayek3
na fragilização dos conceitos de sociedade e de política, hoje reconhecidas
a olho nu até pelo cidadão mais distraído como peças essenciais na
superação da pandemia.
Diante do vírus, a ilusão de construção de um éden individual em
meio ao caos social revela-se desfeita, demonstrando que o desmonte dos
serviços públicos e a exacerbação da desigualdade não são problemas que
se relacionam apenas com os mais pobres. Afinal, a despeito destes serem
as maiores vítimas, é sabido que a epidemia será superada em nosso país,
para ricos ou pobres, pelo sistema único de saúde e pelos esforços das
universidades públicas e centros de pesquisa financiados por recursos
estatais.
Com isso, em contraposição às tentativas já articuladas, a exemplo
do que ocorreu após a Grande Depressão de 2008, de impor mais
austeridade após a pandemia para pagar os gastos incorridos em seu
combate, se espera que haja o despertar de consciências para a importância
do papel do Estado Social, e das suas prestações positivas para a população,
que foram amesquinhadas pela revolução neoliberal. Como diz Boaventura
Sousa Santos4, vivemos, nos últimos 40 anos de predomínio do
neoliberalismo, em uma quarentena política, cultural e ideológica de um
capitalismo fechado em si mesmo. O fortalecimento do papel do Estado
em razão da pandemia, não passou desapercebido a Slavoj Zizek5, a
2 BROWN, Wendy. Na s Ruínas do Neoliberalismo a ascensã o da política
antidemocrática no ocidente. Trad. Mario Antunes Marino e Eduardo Altheman Santos.
São Paulo: Politeia, 2020, Capítulos 1 e 2.
3 HAYEK, Friedrich. O Caminho da Servidão. Trad. Anna M aria Capovilla, José Ítalo
Stelle e Liane de Morais Ribeiro. São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises, 2010.
4 SANTOS, Boaventura Sousa. A Cruel Peda gogia do Vírus. Coimbra: Almedina, 2020,
p. 32.
5 ZIZEK, Slavoj. Pandemia: Covid-19 e a Reinvenção do Comunismo. Trad. Artur Renzo.

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