As 'imperfeitas' cláusulas resolutivas

AutorJosé Roberto de Castro Neves
Ocupação do AutorDoutor em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Páginas295-311
As “imperfeitas” cláusulas resolutivas
José Roberto de Castro Neves1
Sumário: Introdução; – 1. As cláusulas resolutivas no
ordenamento brasileiro; – 2. As cláusulas resolutivas expressas
e o mito do “pleno direito”; – 3. As cláusulas resolutivas tácitas
e os meios alternativos de “interpelação”; – 4. Interpretação
sistemática dos arts. 474 e 475 do Código Civil; – 5.
Considerações Finais.
Introdução
Já se disse que a perfeição é tediosa. O que seria dos aplicado-
res do Direito se tudo fosse perfeito? Não nos restaria muito a
fazer, senão contemplar, maravilhados, o fenômeno divino. Mas o
Direito, como a humanidade que o construiu e para quem ele se
dirige, está longe da perfeição. O próprio Direito, talvez por conta
do pecado original, revela incontáveis defeitos. Como sintetizou
Caetano Veloso, “de perto, ninguém é normal”. Assim, ao exami-
nar com mais atenção algum tema jurídico, encontramos suas defi-
ciências, suas máculas.
Os contratos nascem para serem cumpridos. Esse o seu cami-
nho natural. A vida prática, contudo, é construída também por ex-
ceções. Na história dos contratos, não raro, eles não atingem seu
fim ideal, porém, antes, são extintos ou alterados. Diz-se que o
direito nasce quando violado. Enquanto o estudo do cumprimento
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1 Doutor em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ). Mestre em Direito pela Universidade de Cambridge, Inglaterra.
Professor de Direito Civil da Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio) e da
Fundação Getúlio Vargas. Advogado.
das obrigações pode parecer insosso, as discussões relacionadas à
patologia dos contratos revelam-se temas riquíssimos, instigantes e
de enorme aplicação prática.
Evidentemente, num mundo saudável, como se disse, os con-
tratos devem ser cumpridos. E se não forem? O que acontece?
Ao se violar uma regra amparada pelo ordenamento jurídico,
seu infrator fica sujeito a reparar o dano que causou, desde que, por
uma exigência lógica, haja dano. Portanto, ao descumprir um con-
trato – e existe, claro, um dever legal de cumpri-lo –, a parte ina-
dimplente fica obrigada a reparar a contraparte se a sua falha causar
prejuízo. Caberá à parte prejudicada apresentar a extensão de seu
dano, a fim de apurar o montante da indenização. Esse é o conceito
expresso no artigo 389 do Código Civil.2
E o vínculo contratual em relação ao dever de oferecer a pres-
tação? Seguirá eficaz, mesmo no inadimplemento?
A resposta a essa pergunta é mais complexa. Ela não admite a
assertividade que marca o conceito antes exposto, no sentido de
que o causador do dano ilícito deva reparar o prejuízo causado.
Para verificar se o descumprimento da prestação gera a resolução
do contrato ou se as partes seguem obrigadas a oferecer as suas
prestações, faz-se necessário apreciar o caso concreto. Existem, de
toda forma, algumas balizas conceituais e técnicas a orientar esse
exame.
Não raro, para orientar a sua conduta diante de um futuro e
eventual inadimplemento, as partes estabelecem, no instrumento
do contrato que as vincula, cláusulas indicando, de forma direta e
objetiva, que determinadas situações acarretarão a extinção do vín-
culo contratual, resolvendo-o. São as chamadas cláusulas resoluti-
vas expressas. Essas cláusulas, ademais, podem servir como meio
de gestão de risco, estabelecendo, de antemão, a extensão das res-
ponsabilidades em caso de inadimplemento,3 além de apresenta-
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2 “Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e
danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente
estabelecidos, e honorários de advogado”.
3 Vale citar, nesse ponto, Aline de Miranda Valverde Terra, que trata da cláu-
sula resolutiva expressa pela sua função de gestão dos riscos numa relação con-
tratual (TERRA, Aline de Miranda Valverde, Cláusula resolutiva expressa, Belo
Horizonte: Fórum, 2017).

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