Releitura dos requisitos tradicionais da exceção de contrato não cumprido

AutorRodrigo Freitas
Ocupação do AutorMestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro ? UERJ
Páginas267-294
Releitura dos requisitos tradicionais da exceção
de contrato não cumprido
Rodrigo Freitas1
Sumário: Introdução; – 1. Primeiro requisito: o contrato
bilateral e os contornos do sinalagma; – 2. Segundo requisito: o
inadimplemento contratual; – 3. Terceiro requisito: a
inexistência de obrigação de cumprimento prévio por quem
invoca a exceção; – 4. Conclusões.
Introdução
O presente trabalho dedica-se ao estudo dos pressupostos da
exceção de contrato não cumprido, expediente cujas origens re-
montam ao direito romano, embora apenas tenha alcançado auto-
nomia dogmática a partir dos estudos dos pós-glosadores,2 por vol-
ta do século XVI. No Brasil, o instituto foi devidamente disciplina-
do no art. 1.092 do Código Civil de 1916, cuja redação pratica-
mente se manteve idêntica à positivada na legislação civil de 2002.3
Segundo o artigo 476 do Código em vigor, “nos contratos bila-
terais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obriga-
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1 Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro –
UERJ. Pós-graduado em Direito Imobiliário pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio. Advogado.
2 Acerca desta designação, cf. WIEACKER, Franz. História do direito privado
moderno. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2010, p 79.
3 ”Art. 1.092. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contraentes, antes de
cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro”. O Código
Civil de 2002, por sua vez, apenas substituiu a expressão “contraentes”, expressa
no Código Civil de 1916, pela palavra “contratantes”.
ção, pode exigir o implemento da do outro”. Trata-se da prerroga-
tiva conferida ao contratante fiel (excipiente) de recusar o cumpri-
mento de obrigação a ele imposta, até que a contraparte (excepto)
cumpra a que lhe é devida, ao objetivo de impedir com que aquele
realize a prestação pactuada sem o atendimento concreto de seus
interesses contratuais.
Para o alcance de tal intento, afirma-se que o instituto consiste
em espécie de exceção dependente, substancial, dilatória, a eviden-
ciar características cuja análise preliminar faz-se indispensável aos
objetivos específicos deste artigo. Cuida-se de defesa fundada no
não cumprimento da obrigação de direito material em favor do ex-
cipiente (portanto, dependente e substancial), que, sem negar o
direito afirmado pelo excepto (assim, exceção), obsta temporaria-
mente a eficácia de sua pretensão (portanto, dilatória) até que a
contraprestação devida seja cumprida. Trata-se, assim, de causa
impeditiva da exigibilidade da prestação.4
Compreendidas as bases preliminares ora esboçadas, procura-
se, nas linhas que se seguem, lançar exame sobre três dos pressu-
postos tradicionalmente elencados pela doutrina para a configura-
ção da exceção de contrato não cumprido. Sustenta-se que este
expediente somente pode ser arguido em (i) contratos bilaterais,
contra o contratante que (ii) inadimplir obrigação correspectiva,
(iii) cujo vencimento seja simultâneo ou ocorra em data anterior ao
da prestação a cargo da outra parte.5
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4 Como afirma Pontes de Miranda, “o excipiente recusa-se a satisfazer a pre-
tensão porque a eficácia desta está encoberta. Não objeta, não alega fato extinti-
vo ou modificativo, ou que teria impedido o nascimento do direito do deman-
dante” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito pri-
vado, t. XXII,. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984, pp. 28-29). Tb,
TEPEDINO, Gustavo; BODIN DE MORAES, Maria Celina; BARBOZA, Heloi-
sa Helena et al. Código civil interpretado conforme a constituição da república.
vol. II. Rio de Janeiro: Renovar, 2012, p. 124.
5 V. por todos, SERPA LOPES, Miguel Maria de. Exceções substanciais: exce-
ção de contrato não cumprido (exceptio non adimpleti contractus). Rio de Janeiro:
Freitas Bastos, 1959, pp. 227-312 e ABRANTES, José João. A exceção de não
cumprimento do contrato. 2ª ed. Coimbra: Almedina, 2014, pp. 35-108.

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