Resolução parcial do contrato por inadimplemento: fundamento dogmático, requisitos e limites

AutorFrancisco Paulo De Crescenzo Marino
Ocupação do AutorProfessor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Páginas313-338
Resolução parcial do contrato por
inadimplemento: fundamento dogmático,
requisitos e limites
Francisco Paulo De Crescenzo Marino1
Sumário: Introdução; – 1. Resolução contratual e
inadimplemento; – 2. Resolução parcial do contrato; – 3.
Fundamentos dogmáticos da resolução parcial; – 3.1. Princípio
da conservação; – 3.2. Invalidade parcial; – 3.3.
Impossibilidade parcial; – 3.4. Casos específicos de resolução
parcial; – 3.5. Interpretação do art. 475 do Código Civil; – 4.
Casos de inadimplemento parcial; – 5. Requisitos para a
resolução parcial. Separabilidade de partes e limites da
consideração dos interesses do devedor; – 6. Conclusões.
Introdução
O Código Civil foi avaro ao regular as consequências do des-
cumprimento contratual. Única norma geral em matéria de resolu-
ção por inadimplemento, o art. 475 limita-se a estatuir que a parte
lesada “pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-
lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização
por perdas e danos.”
À míngua de regime mais minudente, doutrina e jurisprudência
têm se mostrado férteis em propor construções aptas a integrar as
normas legais existentes. Podem ser recordados, a esse respeito, as
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1 Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Livre Docente, Doutor e Mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo. Árbitro e parecerista.
figuras do inadimplemento antecipado e do adimplemento subs-
tancial, as quais contribuem para melhor delimitar o remédio ex-
tremo da resolução da relação contratual por inadimplemento.
Parte desse labor interpretativo e integrativo tem por base a
delimitação das situações de violação a deveres contratuais passí-
veis de serem reconduzidas ao conceito de “inadimplemento” refe-
rido na norma em comento, assim como a subsequente constatação
de que a regra não se aplica de modo idêntico a todos os casos de
inadimplemento que se mostra apta a regular.
Com efeito, o inadimplemento contratual é figura multifaceta-
da. Em uma possível classificação, subdivide-se em (i) mora (retar-
damento temporário imputável ao devedor), (ii) inadimplemento
definitivo e (iii) adimplemento defeituoso ou imperfeito. Este, por
sua vez, pode englobar a violação de deveres laterais, oriundos da
boa-fé objetiva, por vezes referida como violação positiva do con-
trato.
Distinguem-se ainda, no tocante ao elemento subjetivo, o ina-
dimplemento contratual voluntário e o involuntário. A atuação cul-
posa lato sensu do devedor recobre diversas espécies, notadamente
o dolo e a culpa stricto sensu. A despeito de não influenciar neces-
sariamente a sanção aplicável2, não se pode afirmar que o sistema
jurídico brasileiro seja absolutamente neutro em relação ao ele-
mento subjetivo. Nesse sentido, claro exemplo da maior intensida-
de da sanção cominada ao descumprimento doloso pode ser encon-
trado na nulidade das cláusulas de limitação e exoneração do dever
de indenizar.3
Ao dolo se equipara, para fins de nulidade das referidas cláusu-
las, a culpa grave, conceito que remonta à célebre graduação me-
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2 Vide o art. 403 do Código Civil, a deixar expresso que as perdas e danos
englobam danos emergentes e lucros cessantes, “ainda que a inexecução resulte
de dolo do devedor”.
3 A razão dessa invalidade, de certo modo intuitiva, é claramente expressa por
ROPPO: “A ratio é, em definitivo, garantir a seriedade da obrigação e com esta o
valor do crédito. Se fosse permitido livrar-se da responsabilidade consequente a
inadimplementos dolosos próprios, isto seria um formidável incentivo, aos deve-
dores, para escolher deliberadamente adimplir mal ou até mesmo não adimplir:
algo não muito diverso de uma condição resolutiva meramente potestativa; algo
que destruiria o vínculo contratual.” (Il contratto, in Trattato di diritto privato
Iudica/Zatti, Milano: Giuffrè, 2001, p. 998).

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