Aspectos Controvertidos acerca da Progressividade Fiscal do IPTU

AutorLuis Fernando Simões Tolentino
Páginas397-420

Page 397

1. Introdução

A progressividade do imposto predial e territorial urbano, desde o advento da Constituição Federal de 1988, sempre foi um tema envolto de polêmica. De competência privativa dos Municípios, tal tributo é de salutar importância para a subsistência dos cofres públicos municipais, sendo talvez por este motivo objeto de constantes questionamentos doutrinários e jurisprudenciais.

No presente estudo, almeja-se expor os aspectos controvertidos da progressividade fiscal do IPTU à luz do disposto no texto primitivo do § 1º do art. 156 da Constituição Federal e das inovações trazidas pela Emenda Constitucional nº 29, de 13 de novembro de 2000.

Inicialmente serão tecidas algumas considerações acerca da hipótese de incidência do imposto predial e territorial urbano, fazendo-se um apanhado de sua tipologia tributária no que concerne aos aspectos pessoal, material, temporal e espacial. Tudo isso frente ao que dispõem os arts. 32, 33 e 34 do Código Tributário Nacional (Lei Complementar nº 5.172/66).

Page 398

Logo após será realizada uma sucinta exposição dos princípios tributários da igualdade, capacidade contributiva e progressividade. Nesse contexto, far-se-á um cotejo entre os impostos reais e pessoais, bem como uma análise distintiva de fiscalidade, extrafiscalidade, regressividade e seletividade, dando-se ênfase à divergência instaurada acerca da interpretação da expressão "sempre que possível" contida no § 1º do art. 145 da Constituição Federal.

Também, busca-se examinar a progressividade fiscal do imposto predial e territorial urbano sob o enfoque da redação original do § 1º do art. 156 da Constituição Federal, expondo, inclusive, o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal na ocasião do julgamento do recurso extraordinário nº 153.771/MG, que constitui o leading case sobre a matéria.

Por fim, antes do desfecho conclusivo, será feito um diagnóstico da Emenda Constitucional nº 29/2000 no que tange aos efeitos da alteração promovida pelo § 1º do art. 156 da Constituição Federal no ordenamento jurídico brasileiro, destacando-se a discussão existente na doutrina e jurisprudência sobre a constitucionalidade ou não da progressividade levada a efeito pelo legislador constituinte derivado.

2. Aspectos da hipótese de incidência do iptu

Para o estudo da tipologia tributária não só do imposto em apreço, mas de todos os tributos, faz-se necessário o exame daquilo que o Código Tributário Nacional denominou de "fato gerador" ou "hipótese de incidência", como prefere designar parte da doutrina.

Geraldo Ataliba, citado por Sandra A. Lopez Barbon1, conceitua a hipótese de incidência como "a expressão de uma vontade legal, que qualifica um fato qualquer, abstratamente, formulando uma descrição antecipada (conceito legal), genérica e hipotética (...). É a descrição legislativa (necessariamente hipotética) de um fato a cuja ocorrência in concretu a lei atribui a força jurídica de determinar o nascimento da obrigação tributária".

Em outras palavras, é na hipótese de incidência tributária que se encontram os aspectos pessoal, material, temporal e espacial do imposto2.

Atentando-se primeiramente ao aspecto material, de ponderar que este "presta-se à diferenciação de um imposto em relação a outro, em face de conter a designação de todos os dados de ordem objetiva, caracterizadores do protótipo em que

Page 399

consiste a hipótese de incidência. O fato ou estado de fato descrito tem no aspecto material a sua própria consistência"3.

Dessa forma, como variáveis do imposto predial e territorial urbano, o Código Tributário Nacional destaca no caput do art. 32 que o seu fato gerador consubstancia-se na propriedade, no domínio útil ou na posse de bem imóvel por natureza ou acessão física.

A propriedade está umbilicalmente relacionada ao intuito de uso, gozo e fruição de uma coisa. O tributo sobre o direito da propriedade imobiliária incide sobre tais propósitos, onde um bem deve ficar continuamente submetido à vinculação da vontade plena de uma pessoa.

Quanto ao domínio útil, este advém do desapossamento pelo proprietário dos aludidos poderes de uso, gozo e disposição da coisa, que são concedidos a outra pessoa qualificada de enfiteuta. Entrementes, no que tange ao instituto da enfiteuse, é pertinente frisar, como bem acentua Odmir Fernandes4, que "(...) o Código Civil de 2002 proibiu a constituição de novas enfiteuses e subenfiteuses, subordinando as existentes, até sua extinção, às disposições do Código Civil de 1916 (art. 2.038)".

Outra variável de insigne importância na delimitação da hipótese de incidência do IPTU é a posse. Nos dizeres de Arnoldo Wald5, "constitui, pois, a posse uma situação de fato, na qual alguém mantém determinada coisa sob a sua guarda e para o seu uso e gozo, tendo ou não a intenção de considerá-la como sendo de sua propriedade". Cabe argumentar que não será qualquer tipo de posse hábil a ensejar a hipótese de incidência do tributo. Deve preexistir a intenção, o ânimo de ser possuidor com a prerrogativa de atingir a qualidade de dono sobre o bem imóvel. É preciso tratar-se de posse suscetível de usucapião, que conduza realmente ao pleno domínio da coisa.

Em alusão sobre o assunto, Aliomar Baleeiro6sintetiza que:

"Não se deve entender que o CTN tenha instituído impostos autônomos sobre o domínio útil e a posse. Ao contrário, o núcleo único em torno do qual giram os demais, como manda a Constituição, é a propriedade. O domínio útil somente é tributável por ser uma quase propriedade, e a posse, apenas quando é exteriorização da propriedade, que pode vir a se converter em propriedade. Não podem configurar fato gerador do IPTU a posse

Page 400

a qualquer título, a precária ou clandestina, ou a direta do comodatário, do locatário, do arrendatário, do detentor, do usuário e habitador, do usufrutuário, do administrador do bem de terceiro, etc. Que jamais se tornarão propriedade. A posse há de ser a ostentação e a manifestação do domínio."

O Código Civil Brasileiro de 2002 simplificou a disposição contida no art. 43 do antigo Código Civil de 1916 que enumerava, de forma confusa, os bens que no ordenamento jurídico pátrio eram considerados como imóveis. Assim sendo, o art. 79 da legislação em vigor sinteticamente dispõe que "são bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente".

Desta sorte, constata-se que o imposto predial e territorial urbano deve recair sobre a propriedade imóvel, não importando ser esta edificada ou não.

Para a formação do aspecto temporal são necessários pressupostos essenciais que irão ilustrar o exato momento da concretização da obrigação tributária. É por isso que os fatos contempladores de uma verdadeira efetivação da hipótese de incidência necessitam de um acontecimento para que possam ser determinados os momentos de sua ocorrência. O aspecto temporal da hipótese de incidência é o atributo que esta tem de "designar (explicita ou implicitamente) o momento em que se deve reputar consumado (acontecido, realizado) um fato imponível"7.

Analisando a espécie tributária aqui pormenorizada, nota-se que seu fato gerador é intermitente, abrangendo normalmente o período de um ano. Geralmente, o momento, ou seja, a data base para o lançamento do imposto imobiliário urbano será o dia primeiro de janeiro de cada ano, acaso a lei municipal não dispuser de forma contrária, uma vez que é lícito ao legislador ordinário fixar o dia e o mês de cada ano para efeitos de ocorrência do fato jurídico-tributário.

Neste mesmo sentido, salienta Augusto Alfredo Becker8que:

"A incidência da regra jurídica somente se desencadeia depois de realizada a hipótese de incidência. Quando esta consiste num estado de fato, por exemplo, de medida igual à do ano civil, então a hipótese de incidência realizou-se no último momento do dia 31 de dezembro e sobre ela incidirá a regra jurídica vigente no primeiro momento do dia 1º de janeiro do novo ano civil (...). Por exemplo: o chamado imposto de propriedade territorial e predial tem como hipótese de incidência um estado de fato: a existência permanente, durante um ano civil, de imóvel objeto de direito de propriedade; todos os anos, enquanto o imóvel for objeto de direito de propriedade, o imposto será cobrado uma única vez e durante aquele ano não será cobrado outra vez o mesmo imposto, ainda que o imóvel, cada dia, tenha um proprietário diferente."

Page 401

Outro aspecto é o espacial. Este tem como objetivo a delimitação do local em que obrigatoriamente deverá ser satisfeita uma prestação tributária. No caso específico do imposto imobiliário urbano, serão alcançados pela hipótese de incidência apenas aqueles bens que estejam situados nos limites pertinentes à área de abrangência do Município e que satisfaçam ainda as exigências prescritas pelo Código Tributário Nacional.

Ademais, viável se torna a dedução espacial da zona urbana e zona rural para limitar quais as áreas de abrangência territorial ficarão sujeitas ao imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana ou ao imposto sobre a propriedade territorial rural. O IPTU deverá incidir apenas sobre os imóveis localizados no perí-metro urbano ou em áreas urbanizadas, nos termos definidos pela lei promulgada pelo poder público municipal, satisfeitos, contudo, os requisitos elencados pelos §§ 1º e 2º do art....

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT