Reflexões acerca da Lei no 11.672/08 - Recursos Repetitivos no Superior Tribunal de Justiça - Uma Nova Sistemática - Procedimento e Análise dos Primeiros Meses de Aplicação

AutorDaniel Castro Gomes da Costa - André Puccinelli Júnior
Páginas99-137

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1. Considerações iniciais

O ordenamento jurídico positivo brasileiro passou a ser composto, a partir de 08 de agosto de 2008, com a vigência da Lei n. 11.672, de procedimento para o julgamento de recursos repetitivos no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.

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A referida norma acrescentou o art. 543-C ao Código de Processo Civil, senão vejamos:

"Art. 543-C. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo.

§ 1º Caberá ao presidente do tribunal de origem admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, ficando suspensos os demais recursos especiais até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça.

§ 2º Não adotada a providência descrita no § 1º deste artigo, o relator no Superior Tribunal de Justiça, ao identificar que sobre a controvérsia já existe jurisprudência dominante ou que a matéria já está afeta ao colegiado, poderá determinar a suspensão, nos tribunais de segunda instância, dos recursos nos quais a controvérsia esteja estabelecida.

§ 3º O relator poderá solicitar informações, a serem prestadas no prazo de quinze dias, aos tribunais federais ou estaduais a respeito da controvérsia.

§ 4º O relator, conforme dispuser o regimento interno do Superior Tribunal de Justiça e considerando a relevância da matéria, poderá admitir manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia.

§ 5º Recebidas as informações e, se for o caso, após cumprido o disposto no § 4º deste artigo, terá vista o Ministério Público pelo prazo de quinze dias.

§ 6º Transcorrido o prazo para o Ministério Público e remetida cópia do relatório aos demais Ministros, o processo será incluído em pauta na seção ou na Corte Especial, devendo ser julgado com preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus.

§ 7º Publicado o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, os recursos especiais sobrestados na origem:

I terão seguimento denegado na hipótese de o acórdão recorrido coincidir com a orientação do Superior Tribunal de Justiça; ou

II serão novamente examinados pelo tribunal de origem na hipótese de o acórdão recorrido divergir da orientação do Superior Tribunal de Justiça.

§ 8º Na hipótese prevista no inciso II do § 7º deste artigo, mantida a decisão divergente pelo tribunal de origem, far-se-á o exame de admissibilidade do recurso especial.

§ 9º O Superior Tribunal de Justiça e os tribunais de segunda instância regulamentarão, no âmbito de suas competências, os procedimentos relativos ao processamento e julgamento do recurso especial nos casos previstos neste artigo."

O desígnio do legislador, ao introduzir mais essa alteração pontual no sistema processual civil vigente no Brasil, está consubstanciado em tornar eficaz e efetivo o direito fundamental consagrado no item LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal que assegura a todos os cidadãos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, postulado que foi incluído na Carta Magna pela Emenda Constitucional n. 45, de dezembro de 2004.

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A referida técnica de julgamento é uma, entre tantas outras, que são apregoadas pelos reformistas contemporâneos para vencer a crise da demora na entrega da prestação jurisdicional.

Verificamos que há a tentativa de ser adotado, por parte do direito positivo, tanto quanto possível, modalidades de julgamento no círculo dos Tribunais Superiores que alcancem uniformização de soluções judiciais caracterizadas por efeitos de massa, a exemplificar citamos a possibilidade de julgamento de processos repetitivos pelos juízes de primeiro grau (art. 285-A), a força da súmula impeditiva de recursos (art. 518, § 1º), repercussão geral do recurso extraordinário (arts. 543-A e 543-B) e a obrigatoriedade da súmula vinculante.

Outras normas vieram com o escopo de se efetivar a celeridade processual, dentre as principais anotamos a Lei 11.187/05, que reformou o procedimento dos agravos, a Lei 11.232/06, que modificou a execução de título judicial em fase do processo de conhecimento, a Lei 11.382/06, que aperfeiçoou a execução de título executivo extrajudicial e a Lei 11.419/06, que instituiu e normatizou o processo eletrônico.

Não há discordância de que o art. 543-C introduziu no CPC um novo procedimento recursal. Urge, em razão desse quadro modificativo, buscar a fixação da sua natureza jurídica, a fim de enquadrá-lo no contexto recursal instituído pelo nosso ordenamento jurídico processual formal. A doutrina está a perguntar, em primeiro plano, se o art. 543-C é um procedimento de uniformização de jurisprudência ou de julgamento vinculado, análogo às súmulas vinculantes.

Marcos Luiz da Silva, advogado da União, em "Julgamento de recursos repetitivos no âmbito do STJ. Alterações instituídas pela Lei nº 11.672/2008"1, opinando a respeito, toma o seguinte posicionamento:

Ainda que estejamos apenas no princípio desse debate, nos parece que tal procedimento guarda grande semelhança com o instituto das ‘súmulas vinculantes’, na medida em que determina a adoção do julgado pelo STJ, com a denegação dos recursos que contrariem o entendimento estabelecido pela Corte. Nesse aspecto, a decisão do STJ ganha força de vinculação com relação aos demais Recursos Especiais em tramitação na Corte, de modo a que os demais relatores não tenham mais a autonomia para julgar os recursos, e tenham que se amoldar, de forma impositiva, ao entendimento adotado pela Corte.

Não obstante a tal conclusão, registra a ressalva seguinte:

Contudo, há uma questão que terminar por afastar a natureza vinculante: os tribunais inferiores devem reexaminar a matéria, mas não estão obrigados a julgar em pleno acor-

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do com a decisão do STJ, de modo que o Recurso Especial deverá ter sua admissibilidade apreciada por aquela Corte. Ora, se não é obrigatória a adoção do julgado do STJ, a força vinculante do acórdão é de alcance limitado ao âmbito de competência do próprio STJ, servindo apenas como diretriz de julgamento aos Tribunais Federais e de Justiça dos Estado.

Conclui com a afirmação de que:

"Como se vê, trata-se de procedimento híbrido, por ser parcialmente vinculante no âmbito do STJ, mas ao mesmo tempo instituir um reexame necessário não impositivo no âmbito dos Tribunais de Justiça e Federais, de forma a possibilitar ao tribunal recorrido que possa denegar o recurso, se entender por reconhecer como correta a interpretação dada à matéria de fundo pelo STJ.

Nesse caso, só caberia recurso especial ao STJ na hipótese de manutenção da decisão anterior pelo Tribunal competente quando do reexame da matéria, não sendo, ao nosso sentir, possível o Resp. Se houver a adequação da decisão aos termos preconizados por aquela Corte Superior.

Em suma, o novo procedimento não se enquadra, pelo menos à primeira vista, com os institutos processuais atualmente previstos na legislação, podendo ser chamado de nova espécie jurídico-processual, a qual deverá, ao longo dos próximos meses, ganhar os contornos doutrinários e jurisprudenciais que lhe permitirão a perfeita identificação e qualificação, cuja tarefa não nos arriscamos a realizar nesse breve artigo, que têm a única finalidade de tecer as primeiras considerações sobre o tema."

2. Julgamento de recursos repetitivos - procedimento

A Lei n. 11.672, de 08 de maio de 2008, criou sistema procedimental específico para o julgamento de recursos repetitivos no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, sem extensão aos demais tribunais. A operacionalidade dessa alteração obedece às fases seguintes:

2. 1 Primeira Fase: Identificação de Recursos Repetitivos

O novo art. 543-C determina que "Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo".

A primeira providência, portanto, é a de se conceituar o que seja "multiplici-dade de recursos especiais com fundamento em idêntica questão de direito". Desta feita, verificamos que existem dois requisitos para que possa ocorrer o julgamento de recursos repetitivos no âmbito do STJ: a) multiplicidade de recursos; b) idêntica questão de direito.

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O primeiro questionamento que deve ser realizado é o que deve ser entendido por multiplicidade de recursos?

Nota-se que a lei não estabelece nenhum padrão para que seja definido, de modo concreto, o número de recursos. Emprega o vocábulo multiplicidade que significa, no caso, o que é múltiplo, isto é, o que apresenta grande número de demandas com o mesmo objeto. Consequentemente, a jurisprudência há que definir um padrão quantitativo para determinar o volume de recursos que apresentam essa primeira...

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