O Direito Constitucional como Filosofia Prática no Direito e no Estado Contemporâneos

AutorPaulo Ferreira da Cunha
Páginas139-151

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Ver nota 1

Embrenhar-se no âmbito da filosofia prática - moral, jurídica e religiosa - é sempre uma aventura. Mas uma aventura irrenunciável para qualquer sociedade que deseje medir-se com a altura humana - não apenas animal - no decorrer quotidiano da vida.

Disso dá testemunho a nossa já vasta tradição ocidental que, a par do saber pelo saber, converteu em foco da sua preocupação o saber para e a partir do fazer: o ‘saber prático’. Nele se incluem, por direito próprio, três perguntas (...): pela felicidade, pela justiça e pela legitimidade do poder.

Adela Cortina - Ética Mínima. Introducción a La Filosofia Práctica, 3ª Ed., Madrid, Tecnos, 1992 (trad. Nossa).

Introdução
1. Ponto de pArtIdA

Colocação do Problema: O Direito terá uma ideia-força, um ar de família, uma ideia directora? Há algo no Direito que se expande por todos os ramos e poreja cada uma das suas manifestações, uma espécie de DNA do Direito2

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E esse DNA não será permanente, ou, pelo contrário, de algum modo mutável? Partimos da observação histórica, de que há elementos comuns, universais, do Direito (designadamente, desde logo, há universalidade no que já exprimimos por "tópica sociológica"3, elementos indicadores da existência de normatividade, mas externos e não substanciais ou axiológicos), mas que o seu entendimento e prática têm sido mutáveis. Assim, haverá uma mutabilidade segundo certas regras e dentro de dados paradigmas.

2. HIpótese gerAl

Os Jusnaturalismos foram, historicamente, uma primeira abordagem desse DNA, o positivismo jurídico e a sua dura Lex sed lex foi outra abordagem desse DNA, reactiva à primeira. Tem-se proclamado vezes demais a superação de ambos, ora com mais ênfase na de um, ora sublinhando mais a de outro: o que é significativo. E com ou sem razão. Como verificação histórico - espiritual, muitas vezes, mas mais ainda como desejo... Não é por acaso: é frequente os teóricos tomarem a nuvem dos seus anelos pela Juno das realidade.

Poderemos encontrar uma nova e mais aguda visão do DNA do Direito, num novo paradigma (e independentemente do problema da superação, de que poderíamos fazer uma épochê)?

Essa procura terá sempre de contar com alguns novos vectores já no terreno:

· Desde logo, o primado actual do Direito Constitucional e impacto do neoconstitucionalismo4 e afins,

· Acresce a globalização da teoria dos Direitos Humanos e revolução no próprio conceito de Direito,

· E finalmente, mas não menos importante no plano teórico-prático, o retorno da Retórica e especialmente da Tópica em Direito5.

3. Tese especíFIcA

Especificamente, o Direito Constitucional funciona já, pela constitucionalização expansiva de todo o Direito e pelo controle da constitucionalidade, como o di-

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reito natural dos tempos actuais. Agindo como instância de apreciação do demais Direito, e sua base legitimadora: qual ponto fixo de Arquimedes6.

Assim, o Direito Constitucional se tornou numa filosofia prática, com todos os elementos destas, encaradas no seu sentido mais lato:

· Como axiologia (ética e até, embora lateralmente, como estética)

· Como paideia (formação e educação)

· Como política

E para quem considere, como Adela Cortina, a filosofia da religião incluída nesta matéria, temos, do lado do Direito em sentido estrito e clássico, a chamada ‘religião dos direitos humanos’... Mas temos que ter cuidado com as metáforas. Sobretudo num tempo de falta de sutileza, há quem considere que a conotação é a denotação, e até quem nem distinga uma da outra... Mesmo no público universitário, o que não era de prever antes da massificação e de outros fenômenos concomitantes do lado discente e docente...

4. PAusA pArA sumárIo dA conFerêncIA

I Recordaremos as Teorias (grandes visões) do Direito.

II Falaremos do Direito enquanto Filosofia prática.

III Abordaremos finalmente o tema concreto para que toda a argumentação anterior se dirigiu: o Direito Constitucional como filosofia prática, e especificamente como ética política contemporânea. Com particular ênfase para a questão das virtudes políticas em concreto.

I TeorIAs (grAndes vIsões) do dIreIto

I.1. Paradigmas, perspectivas ontológicas, metodologias

O Paradigma Objectivista, ontologia jusnaturalista e metodologia dialéctica. O modelo mítico é o do Direito Romano. Devemos verificar o seu generalizado esquecimento.

O Paradigma Subjectivista, ontologia juspositivista e metodologia dogmática. O modelo mítico é o do direito subjectivo e da modernidade. Há a verificar a sua pronunciada crise.

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E a seguir a estes paradigmas, que poderá vir?... A seguir... É já hoje, é já agora... Pois agora sobretudo há Teorias da Justiça e afins (natureza das coisas, direito vital), e metodologia tópica (uma abordagem micro - )... Mas com pano de fundo dos Direitos Humanos (uma abordagem macro - ).

Novos paradigmas assomam explicitamente. Não são tão novos assim senão no assumirem-se: Direito altruísta e Direito Fraterno7: direito dessa Fraternidade esquecida no Ternário sagrado da Revolução Francesa, e que corresponde à terceira geração/dimensão dos Direitos Fundamentais.

I.2. Analisando as Teorias

  1. Paradigmas do Direito

    Entre o velho paradigma romanístico, objectivo e o paradigma da modernidade, subjectivo... Poderá haver alguma síntese superadora?

  2. Perspectivas ontológicas do Direito

    Encontramo-nos na contemporaneidade entre teorias: entre jusnaturalismo, juspositivismo, teorias da justiça e afins. Ou, noutra versão, pluralismos jurídicos e monismos jurídicos. Cremos que os monismos não se conseguem justificar no mundo complexo de hoje, e com a policracia e pluralidade de agentes normogenéticos.

  3. Correntes metodológicas

    Uns defendem a norma acima de tudo: é o normativismo; mas o judicialismo recorda que, no limite, e a final, sempre um juiz terá a última palavra. Inclinamonos pessoalmente para este último, embora defendamos acerrimamente a legalidade contra o arbítrio. Ao menos a legalidade!

    Há outras dicomias, como se sabe: Pensamento dogmático construindo castelos de cartas ou areia, muito certo e seguro da sua cientificidade (que sempre se deve moderar e matizar em Direito, que é uma Arte, antes de mais): tal é o velho paradigma. Contudo, o Direito nasceu no Forum e na Ágora, como pensamento

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    problemático, dialéctico. Mais antigo que o velho, o clássico. Há quem confunda o vetusto com o antigo, clássico.

    I.3. Olvidos, Crises e superações

  4. O esquecimento dos paradigmas é fundamental na história das ciências, e também no Direito. Os paradigmas são esquecidos e substituídos, não dialecticamente enfrentados e refutados. Veja-se a obra geral de Thomas Kuhn8. E, no Direito, especificamente, W. Hassemer9. Um caso exemplar seria o da teoria finalista da acção, em direito penal. Quem provou que estava errada? Há mesmo teorias detes tipo que se possam dizer "erradas" mesmo? E contudo tem passado de moda...

  5. Olvido do paradigma jusnaturalista. Olvido que se renova a cada ano: o réveillon que no hemisfério Norte ‘faria’ muitos professores jusnaturalistas converterem-se ao positivismo legalista em Janeiro, depois da pausa lectiva de Inverno. Por que será?

  6. A Crise e a superação do paradigma juspositivista. É uma estória nem sempre bem contada. As ilusões nesta matéria são muitas. Demasiadas ilusões em muitos dos intervenientes, parece. E a superação não é erradicação. Já o sabemos.

  7. Há ainda as falsas superações: Até que ponto algumas teorias da justiça superam o jusnaturalismo? Por outro lado: o jusnaturalismo (titularista) positivista é um positivismo apenas com outra gênese e sentido ideológico. Só Vale a pena alargar Além da lei os títulos jurídicos, se for para fazer convocar algo de terrivelmente político: os direitos de cada um, sem serem de herança, ou contra, ou algo afim...

  8. Há porém um não-positivismo (não importa muito o nome: o mais consensual deverá pluralismo - mas é expressão polissêmica) não titularista. A revolução do título natureza humana e dos Direitos Humanos levou de novo a "impureza" redentora do Direito. O Direito não são apenas títulos positivados, não se funda apenas no direito positivo, seja legal, seja social. O Direito funda-se, antes de mais, ao menos na condição humana do Homem. E isso já lhe dá bastante título para reclamar um direito...

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