Autodeterminação informativa e responsabilização proativa na LGDP

AutorMaria Celina Bodin de Moraes e João Quinelato de Queiroz
Páginas387-410
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AUTODETERMINAÇÃO INFORMATIVA E
RESPONSABILIZAÇÃO PROATIVA NA LGDP
Maria Celina Bodin de Moraes1
João Quinelato de Queiroz2
Resumo: Com o advento da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais
(Lei n. 13.709/2018), no contexto de assunção dos dados pessoais
como bens jurídicos essenciais, assume relevo o direito à
autodeterminação informativa como vetor de proteção dos dados
pessoais. Quanto à responsabilização civil, um novo regime se faz
presente. Cumpre investigar aqui sua potencialidade como
instrumento de natureza multifuncional que apresenta, no que tange a
danos causados pelos agentes de tratamento de dados, além da função
comum compensatória, uma fuão de prevenção e dissuasão, vindo a
criar, desse modo, um reforço para a garantia da proteção da
privacidade dos dados pessoais.
Palavras-chave: Dados pessoais; Lei geral de proteção de dados
pessoais (LGPD); Autodeterminação informativa; Responsabilidade
civil proativa.
Sumário: 1. Do silêncio ao controle: as novas dimensões do direito à
privacidade. 2. A Lei de Proteção de Dados Pessoais (Lei n.
13.709/2018); 2.1. Princípios no tratamento de dados pessoais; 2.2. A
figura da Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais; 3. Um
novo sistema de responsabilidade civil; 4. A proteção de dados
pessoais nas relações de consumo. 5. Notas conclusivas. Referências.
1 Professora Titular (aposentada) de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e professora associada do Departamento de Direito da
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). E-mail: mcbm@puc-rio.br
2 Doutorando e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ). Professor de Direito Civil do IBMEC. Advogado. E-mail: joaoquinelato@gmail.com
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1. Do silêncio ao controle: novas dimensões do direito à
privacidade
O direito à privacidade foi originalmente pensado a partir da
lógica do direito a ser deixado (the right to be left alone), em
lapidar estudo de Warren e Brandeis, de 1890.3 Para os autores, a
proteção da privacidade decorria da garantia de o invasão na esfera
individual por qualquer mecanismo não autorizado.4 Sendo o
nascimento da privacidade historicamente associado à desagregação
da sociedade feudal e a um contexto no qual a privacidade e a
intimidade eram privilégios burgueses, a construção de espaços
privados acentuou-se com as Revoluções industriais, privilegiando a
burguesia que, cada vez mais, se isolaria em relação às demais
classes.5
Analisando o conceito criado por Warren e Brandeis,
observou-se que o princípio da privacidade foi pensado a partir do
ideal burguês patrimonial (e não existencial), assinalando que as
formas de tutela jurídica da privacidade naquele determinado
momento histórico se reportam aos instrumentos de proteção da posse
e propriedade.6 De certa maneira a lógica proprietária permanece,
infelizmente, como vetor de orientação das normas protetivas da
3 The protection afforded to thoughts, sentiments and emotions, expressed through the medium
of writing or of the ar ts, so far as it consists in preventing publication, is merely an insta nce of
the enforcement o f the more general right of the individual to be left alone. (…) If we are
correct in this conclusion, the existing law affords a principle which may be invoked to protect
the privacy of the individual from their invasion either by the too enterpr ising press, the
photographer , or the possessor of a ny modern device for r ecording or reproducing scenes or
sounds”. (WARREN, Samuel D.; BRANDEIS, Louis D. The Right to P rivacy. Harvar d Law
Review, Vol. IV, December 15, 1890, Nº 5, p. 205-206, ora disponível em: http://groups.csail.
mit.edu/mac/classes/6.805/articles/privacy/Privacy_brand_warr2.html, acesso em 10 ago.
2021).
4 “O direito a ser deixado em paz não foi construído meramente como a expressão da era de
ouro da burguesia, que havia protegido sua esfera imaterial por mesmo da mesma proibição ao
esbulho que por muito tempo foi a principal característica da propriedade imobiliária. Sob o
impulso dado por Louis Brandeis, e mergiu uma visão na qual a privacidade foi vista também
como proteção a minorias e opiniões dissonantes” (RODOTÀ, Stefano. A vida na socieda de de
vigilância, cit., p. 16).
5 RODOTÀ, Stefano. A vida na sociedade de vigilância , cit., p. 27.
6 MULHOLLAND, Caitlin. A tutela da privacidade na inter net das coisas (IOT), cit., p. 489.

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