A inexecução das obrigações em razão da pandemia da covid-19: caracterização de excessiva onerosidade e força maior

AutorPaula Greco Bandeira
Páginas485-510
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A INEXECUÇÃO DAS OBRIGAÇÕES EM RAZÃO DA
PANDEMIA DA COVID-19: CARACTERIZAÇÃO DE
EXCESSIVA ONEROSIDADE E FORÇA MAIOR
Paula Greco Bandeir a1 2
Sumário: 1. Introdução; 2. A pandemia e a excessiva onerosidade; 3.
A pandemia e a força maior; 4. Conclusão.
1. Introdução
A Covid-19 ou o novo coronavírus, cuja disseminação por
diversos países do mundo acarretou a declaração da pandemia pela
Organização Mundial da Saúde (OMS) em março de 2020,3 atingiu a
execução dos mais variados contratos em curso no Brasil, dificultando
ou mesmo inviabilizando o seu cumprimento pelo devedor. Com
efeito, a pandemia passou a constituir fundamento de inúmeras
pretensões de revisão ou resolução de contratos das mais diversas
naturezas, cabendo-se, assim, determinar em que medida se mostram
legítimas aludidas pretensões à luz do direito brasileiro.
1 A Autora agradece à acadêmica Bruna Vilanova Machado pelo precioso trabalho de pesquisa
e revisão dos originais.
2 Professora Adjunta de Direito Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Sócia do Escritório Gustavo Tepedino Advogados.
3 Uma p andemia é a disseminação mundial de uma nova doença. Uma pandemia de gripe
ocorre quando um novo vírus da gripe surge e se espalha pelo mundo, e a maioria das pessoas
não tem imunidade. Os vírus que causaram pandemias passadas geralmente se originaram de
vírus da gripe animal” (What is a pa ndemic. In: World Health Organization. Disponível em:
https://www.who.int/csr/disease/swineflu/frequently_asked_questions/pandemic/en/; acesso em
15 de julho de 2020; tradução livre). No original: “A pandemic is the worldwide spread of a
new disease. An influenza pandemic occurs when a new influenza virus emerges and spreads
around the world, and most people do not have immunity. Viruses that have caused past
pandemics typically originated from animal influenza viruses.
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Diga-se, ao propósito, que a decretação da pandemia, por se
referir à questão de saúde pública, que integra a ordem pública interna,
provocou a intervenção do Estado nas relações contratuais, a despeito
da intervenção mínima proclamada pela Declaração de Direitos de
Liberdade Econômica (Lei n.º 13.874/2019) no parágrafo único do art.
4214 do Código Civil. O dirigismo contratual aqui delineado teve em
mira o reequilíbrio das relações contratuais atingidas pela pandemia.
De fato, diante do alastramento da doença em território
brasileiro, o governo federal editou, em 6 de fevereiro de 2020, a Lei
n.º 13.979, que permite às autoridades locais adotarem medidas de
enfrentamento contra o novo coronavírus. Com esse fundamento legal,
os governos de diversos Estados, no âmbito de sua competência,
editaram normas gerais determinando a compulsoriedade do
isolamento social, o fechamento de estabelecimentos comerciais e
restrições de circulação de pessoas. Tais medidas restritivas atingiram
diretamente a economia nacional e a circulação de riquezas,
comprometendo diversas relações jurídicas.
Nesse cenário, o Poder Legislativo elaborou projetos de lei que
objetivam amenizar a situação de crise, disciplinando notadamente
contratos cuja execução restou comprometida pela pandemia, a
exemplo dos contratos de locação e dos contratos de crédito. Uma
dessas iniciativas é o Projeto de Lei n.º 936/2020. A proposta pretende
incluir o §2º ao art. 5º da Lei nº 8.245/1991, que trata da ação de
despejo para o locador reaver o imóvel, determinando que a referida
disposição não valerá enquanto durarem as medidas de enfrentamento
da pandemia. Além disso, pretende-se incluir parágrafos ao art. 9º, no
sentido de que a locação não poderá ser desfeita em decorrência da
falta de pagamento do aluguel ou dos demais encargos no mesmo
período; devendo-se, ainda, autorizar o desconto de 100% (cem por
cento) do aluguel para aqueles que não tenham condições de prover
seu sustento. Cite-se, de igual modo, o Projeto de Lei n.º 675/2020,
4 Art. 421. A liberdade contratual s erá exercida nos limites da função social do
contrato. Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da
intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual”.

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