Negócio fiduciário, patrimônio separado e trust: perspectivas para o futuro

AutorMilena Donato Oliva
Páginas461-484
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NEGÓCIO FIDUCIÁRIO, PATRIMÔNIO SEPARADO E
TRUST: PERSPECTIVAS PARA O FUTURO1
Milena Donato Oliva2
Resumo: O presente artigo busca inicialmente diferenciar o negócio
fiduciário e o negócio indireto, vez que ambos se relacionam com o
poder criativo da autonomia privada em idealizar novas formas de
tutelar e promover interesses. Em seguida, parte-se para a avaliação
crítica dos principais atributos conferidos pela doutrina ao negócio
fiduciário para, em sequência, proceder-se à sua qualificação. Analisa-
se, ainda, a técnica da separação patrimonial, que, associada ao
negócio fiduciário, permitiria a incorporação no direito brasileiro dos
principais efeitos do trust contidos na Convenção de Haia. Investigam-
se, nesse contexto, as utilidades que adviriam com a incorporação do
trust no Brasil e os fatores que dificultam sua absorção pelo direito
pátrio.
Palavras-chave: Negócio Fiduciário; Negócio indireto; Patrimônio de
afetação; Trust.
1. Introdução: negócio indireto, negócio fiduciário e trust
O negócio indireto e, na sua esteira, o negócio fiduciário se
relacionam com o poder criativo da autonomia privada em idealizar
1 Este artigo reflete substancialmente o texto Negócio Fiduciár io e P atrimônio Separado,
publicado na obra “P roblemas do Direito Civil: homenagem aos 30 anos de cátedra do
professor Gustavo Tepedino por seus orientandos e ex-orientandos, Anderson Schreiber;
Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho; Milena Donato Oliva (Coord.), Rio de Janeiro:
Forense, 2021, p. 197 e ss.
2 Professora de Direito Civil e do Consumidor da Faculdade de Direito da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro UERJ. Doutora e Mestre em Direito Civil pela UERJ. Sócia do
Escritório Gustavo Tepedino Advogados GTA.
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novas formas de tutelar e promover seus interesses. As estruturas
existentes são adaptadas para o alcance de novas funções, inicialmente
não albergadas nos institutos positivados. No interessante exemplo
noticiado por Tullio Ascarelli, praticava-se a libertação de escravos
por meio da venda à divindade.3 Como ilustra tal exemplo, as partes se
valem de estrutura típica (compra e venda) para alcançar escopo
diverso (libertação do escravo) do normalmente realizado pelo
negócio adotado, situação essa que a doutrina denomina de negócio
indireto.4
O negócio fiduciário muitas vezes também é um negócio
indireto, pois as partes se utilizam de estrutura típica, como a compra
e venda, para alcançar escopo diverso do normalmente por ela
realizado, como propiciar a transmissão de bens para fins de garantia
ou de gestão. A especificidade do negócio fiduciário em relação ao
negócio indireto está na transmissão da titularidade para a realização
de um fim ulterior, de modo que aquele que recebe o bem o faz em
caráter fiduciário.
Além de poder consubstanciar negócio indireto, o negócio
fiduciário também pode se apresentar de forma direta, como genuíno
contrato atípico, sem se utilizar da vestimenta de outro contrato para
alcançar os fins que almeja. Vale dizer, as partes que desejem
transmitir a propriedade para fins de garantia não precisam celebrar
contrato de compra e venda, podendo diretamente pactuar negócio
fiduciário com escopo de garantia, de sorte que nenhum expediente
indireto seria utilizado, apresentando-se o ajuste fiduciário em si
mesmo.
A extraordinária potencialidade funcional do negócio
fiduciário, todavia, é inversamente proporcional à sua aplicação
prática. Tal se explica por lhe faltar elemento que, presente na figura
do trust, o torna expediente de larga utilização: a separação
patrimonial. Com efeito, as dúvidas e incertezas acerca de uma
3 ASCARELLI, Tullio. Problema das Sociedades Anônimas e direito comparad o, São Paulo:
Saraiva, 1969, p. 98.
4 ASCARELLI, Tullio. Problema das Sociedades Anônimas e direito comparado , cit., p. 94.

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