Critérios de averiguação da culpa negligente

AutorRui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde
Ocupação do AutorProfessor-Auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Páginas211-220
CRITÉRIOS DE AVERIGUAÇÃO
DA CULPA NEGLIGENTE
Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde
Professor-Auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
Sumário: 1. Considerações preliminares. 2. A bitola da diligência habitual do agente. 3. O
estalão das capacidades pessoais do agente. 4. O critério do bonus pater famílias. 5. Soluções
comparativas. 6. Desenvolvimentos conclusivos.
1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
Segundo as orientações normativas actualmente dominantes, a culpa negligente
consiste num juízo de censura dirigido ao agente por ter praticado um facto ilícito, que
se revelava previsível e evitável.1
A formulação deste juízo constitui, contudo, um exercício jurídico bem mais
delicado que a valoração da ilicitude, visto que esta se afere por uma relação de contra-
riedade à lei, qualif‌icada pela violação de direitos subjectivos ou normas de protecção.
Em contrapartida, ao juízo de culpa falta-lhe um termo de referência igualmente seguro,
baseando-se antes na comparação com a específ‌ica bitola de avaliação de comportamentos
acolhida na ordem jurídica em causa.
Como logo decorre da referência introdutória à previsibilidade e evitabilidade
do facto ilícito, os critérios legais de aferição da culpa, quaisquer que sejam, apenas se
mostram indispensáveis, em rigor, para decidir sobre a culpa das ofensas negligentes.
Com efeito, as lesões dolosas, salvo se intervier alguma causa de exclusão da culpa, são
por def‌inição censuráveis, porquanto o agente quis produzir o resultado contrário ao
Direito. Nas ofensas negligentes, pelo contrário, o agente não pretendeu realizar esse
evento ilícito, o qual resultou antes da inobservância do cuidado exigível, pelo que apenas
nestes casos interessa aferir se a conduta real, apesar de ter violado o dever, correspondeu
ou não aos atributos comportamentais impostos pelo modelo de apreciação da culpa.
Historicamente, defrontam-se dois critérios fundamentais de averiguação das ca-
pacidades que suportam a previsibilidade e a evitabilidade do evento lesivo.
Um, diz-se abstracto, porque aprecia o comportamento ilícito à luz de uma deter-
minada f‌igura-padrão – desligada, portanto, da pessoa do agente – eleita como bitola
de avaliação e que, segundo a tradição romana, corresponde ao bonus pater familias,
1. O preenchimento da culpa negligente com a previsibilidade e evitabilidade do facto ilícito, é razoavelmente pacíf‌ico
no panorama doutrinário. A esse propósito, ERWIN DEUTSCH, Fahrlässigkeit und erforderliche Sorgfalt, 2. ed.
Köln, Berlin, Bonn, München, 1995, p. 95 e KARL LARENZ, Lehrbuch des Schuldrechts, Band I, Allgemeiner Teil,
14. ed., 1987, p. 282.

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