A perda de interesse do credor em consequência da mora do devedor

AutorHenrique Sousa Antunes
Ocupação do AutorProfessor-Associado da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa (Escola de Lisboa)
Páginas93-107
A PERDA DE INTERESSE DO CREDOR EM
CONSEQUÊNCIA DA MORA DO DEVEDOR1
Henrique Sousa Antunes
Professor-Associado da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa
(Escola de Lisboa).
Sumário: 1. Enquadramento. 2. A orientação comum. 3. As lições do direito comparado. 4.
A Resolução: uma leitura diversa no direito português. 4.1. A superação da causalidade ade-
quada pela exigência de uma mera relação de condicionalidade? 4.2 A superação da relação
de condicionalidade pela inexigibilidade? 5. Conclusões.
1. ENQUADRAMENTO
A satisfação do interesse do credor constitui um objetivo fundamental do direito
das obrigações. Em vários momentos do regime, o intérprete descobre a previsão de
soluções destinadas a induzir o devedor à realização da prestação, procurando, assim,
servir as motivações, legais ou contratuais, que justif‌icaram a constituição da obrigação.
A prevalência do interesse do credor sobre a tutela do devedor manifesta-se em vários
tempos da disciplina, destacando-se a sobriedade do momento formativo da obrigação
e a funcionalização da utilidade do cumprimento e dos efeitos do inadimplemento ao
interesse do credor2. Em concreto, e paradigmaticamente: a validade da obrigação depende
da existência daquele interesse e é subordinada, apenas, à licitude e relevância jurídica
do f‌im (artigos 281º, 398º, n. 2, e 443º, n. 1, do Código Civil3); a obrigação extingue-se
com a satisfação do interesse do credor, mesmo sem a colaboração do devedor ou com a
realização de uma prestação diversa da inicialmente devida (artigos 767º e 837º); à falta
de cumprimento da obrigação a lei associa uma presunção de culpa do devedor (artigo
799º, n. 1); a vinculação do exercício do direito de crédito à boa fé (artigo 762º, n. 2) é
desacompanhada da previsão de um regime sancionatório único, sendo as consequên-
cias da mora do credor inequivocamente mais brandas do que as implicações do não
cumprimento do dever de prestar pelo devedor (artigos 798º e segs.).
Com este enquadramento, a perda do interesse como fundamento de extinção da
relação obrigacional só tem sentido relativamente ao credor. Lembra-se que o interesse
deste é a única utilidade a que a lei condiciona a validade da obrigação (artigo 398º, n. 2).
1. Este texto serviu de base à nossa intervenção nas III Jornadas Luso-Brasileiras de Responsabilidade Civil (Revi-
sitando “Pessoa, Direito e Responsabilidade” (1996) de António Castanheira Neves), no dia 7 de novembro de
2019.
2. Veja-se, por todos, Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12. ed., Coimbra, 2009, p. 109 e ss.
3. Adverte-se que pertencem ao Código Civil português os preceitos sem indicação de uma fonte diferente.

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