Estruturação e Desenvolvimento da Justiça do Trabalho no Brasil

AutorMauricio Godinho Delgado - Gabriela Neves Delgado
Ocupação do AutorMinistro do Tribunal Superior do Trabalho. Magistrado do Trabalho desde 1989: inicialmente na 1ª e 2ª Instâncias do TRT-MG - Doutora em Filosofia do Direito (UFMG, 2005). Mestre em Direito do Trabalho (PUC-Minas, 2002)
Páginas19-26

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Introdução

A Justiça do Trabalho do Brasil, que completou setenta anos de instalação em 1º de maio de 2011, passou por três grandes momentos em sua história.

O primeiro, de sua própria estruturação e inauguração, no ano de 1941, em que surgia como parte de uma série de políticas públicas de transformação da sociedade e do Estado brasileiros, cujo destino mais remoto sequer poderia ser imaginado.

O segundo momento, de sua afirmação e consolidação nas décadas seguintes à democratização do País em 1945, em que rapidamente solidificou-se como instituição imprescindível à inclusão social, econômica e institucional de milhões de brasileiros emergentes à nova sociedade e economia recém urbanizadas e industrializadas. Esse momento não recrudesceu mesmo na fase politicamente regressiva do regime autoritário de 1964 a 1985.

O terceiro momento em sua história desponta no processo de democratização do Brasil desde 1985, culminando com o projeto constitucional aprovado em 1988, que descortina papel e relevo inimagináveis para a Justiça do Trabalho na sociedade e nos Estados brasileiros.

1. Inauguração da Justiça do Trabalho

A Justiça do Trabalho foi inaugurada em todo o país no dia 1º de maio de 1941. Sua instituição, contudo, resultou de processo de elaboração iniciado alguns anos antes.

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1.1. Antecedentes

As datas e acontecimentos cardeais para o surgimento efetivo da Justiça do Trabalho, em 1941, concentram-se, principalmente, na década de 1930, embora, é claro, existam referências anteriores ao período histórico inaugurado com a Revolução de 1930.

Em 1922, a Lei Estadual de São Paulo n. 1.869 criou os Tribunais Rurais, integrados pelo Juiz de Direito e dois outros membros, representando o locador e o locatário de serviços rurais, em geral colono imigrante europeu. Embora não tendo maior significação, nem tratassem da aplicação do Direito do Trabalho, porém do Direito Civil, esses órgãos despontaram como antecedentes da Justiça do Trabalho no Brasil1. Tal circunstância ocorreu não só em virtude da composição paritária desses colegiados (característica que estaria presente no início da Justiça do Trabalho no País, tempos depois), como pelo fato de constituírem juízo especializado em litígios referentes a uma relação de trabalho em sentido amplo, embora ainda sob regência civilista. Tal experiência, contudo, não teve efetivo sentido prático2.

Logo em seguida, em 1923, criou-se, no plano da União, o Conselho Nacional do Trabalho, no interior do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, na qualidade de órgão consultivo do Poder Público Federal relativamente a matérias trabalhistas e previdenciárias. Embora não fosse órgão com função jurisdicional, tratava-se de uma das primeiras referências explícitas no que tange ao enfrentamento oficial de questões trabalhistas pela estrutura administrativa do Estado Federal brasileiro. Essa referência despontou em período histórico dominado pela noção não intervencionista no contexto das questões trabalhistas existentes na sociedade civil.

Na década de 1930 é que surgem, de fato, medidas oficiais efetivas na linha da instituição de uma Justiça Especializada em relações empregatícias no território brasileiro.

Em 1932, duas inovações merecem destaque: a criação das Juntas de Conciliação e Julgamento, órgãos de primeiro grau voltados à solução de litígios individuais entre empregados e empregadores (Decreto n. 22.132, de 25.11.1932), e a criação das Comissões Mistas de Conciliação, órgãos voltados aos conflitos coletivos trabalhistas (Decreto n. 21.396, de 12.5.1932). Tais órgãos, entretanto, eram vinculados ao Poder Executivo e não ao Judiciário3.

Em 1934, a Constituição recém-promulgada introduziu em seu texto a primeira referência constitucional à denominação "Justiça do Trabalho", embora não tivesse criado, realmente, a instituição. De todo modo, não alterou a inserção dos órgãos existentes no Poder Executivo.

Em 1937, a Constituição recém outorgada preservou a referência à denominação "Justiça do Trabalho" já despontada em 34, não alterando a inserção dos órgãos existentes no âmbito executivo do Estado brasileiro.

Em 1939, o Decreto-lei n. 1.237 promoveu a instituição e estruturação formal da Justiça do Trabalho, embora ainda vinculada ao Poder Executivo. Sua instalação e inauguração efetivas não se concretizaram imediatamente, contudo.

Em 1941, realizou-se a inauguração e real funcionamento da Justiça do Trabalho no Brasil, estruturada pelo DL n. 1.237/394.

1.2. Inauguração

A Justiça do Trabalho foi instituída e estruturada por meio do Decreto-lei n. 1.237, de 1º de maio de 1939. Foi instalada e entrou em efetivo funcionamento, inaugurando-se em todo o País, em 1º de maio de 1941.

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Seu caráter federal e republicano evidenciava-se de distintas maneiras, a contar pela presença de uma corte nacional, o então chamado Conselho Nacional do Trabalho - CNT -, com sede na capital da República (Rio de Janeiro).

Também denotava sua estruturação federal e nacional a presença de órgãos colegiados de segundo grau ao longo de todo País (então denominados Conselhos Regionais do Trabalho - CNTs), distribuídos em oito grandes regiões, que eram centralizadas nos maiores estados brasileiros, do ponto de vista populacional, com sede nas respectivas capitais do estado matriz. As regiões originais abrangiam, naturalmente, outros estados e territórios pátrios, de modo a englobar toda a federação.

As regiões pioneiras foram as seguintes: 1ª Região: Rio de Janeiro, com sede na então capital da República; 2ª Região: São Paulo, com sede na capital do estado, São Paulo; 3ª Região: Minas Gerais, com sede em Belo Horizonte; 4ª Região: Rio Grande do Sul, com sede em Porto Alegre; 5ª Região: Bahia, sediada em Salvador; 6ª Região: Pernambuco, com sede em Recife; 7ª Região: Ceará, sediada em Fortaleza; 8ª Região: Pará, com sede em Belém.

Os Juízos de primeiro grau correspondiam às Juntas de Conciliação e Julgamento, as quais, na época da inauguração, representavam poucas dezenas em todo o Brasil. Em 1945, por exemplo, havia somente 31 Juntas de Conciliação e Julgamento no País, que passaram a 39 em 1947. Ou seja, inicialmente, portanto, a Justiça do Trabalho estava presente em apenas algumas poucas grandes cidades brasileiras5.

Nesse primeiro momento de inauguração, a Justiça do Trabalho mantinha-se no âmbito do Poder Executivo, embora o Decreto-lei n. 1.237/39 já autorizasse a execução de suas próprias decisões, procedimento que se realizava no plano da primeira instância trabalhista.

Embora tendo jurisdição por largos espaços geográficos, as Juntas de Conciliação e Julgamento não abrangiam, como visto, todos os municípios brasileiros, razão pela qual tornou-se necessária a extensão da jurisdição trabalhista aos Juízes de Direito, relativamente aos locais não abrangidos por JCJs - medida já determinada pelo próprio Decreto-lei n. 1.237/39.

Com a democratização do País em 1945/1946, os debates constituintes direcionaram-se no sentido de incorporar a Justiça do Trabalho ao Poder Judiciário, suplantando sua origem administrativa. Nesse contexto, dias antes da promulgação da nova Carta Magna, o Decreto-lei n. 9.777, de 9.9.1946, estruturou o processo de sua próxima incorporação ao sistema judicial.

A nova Constituição, finalmente, promulgada em 18 de setembro de 1946, constitucionalizou a existência da Justiça do Trabalho, com sua plena integração ao Poder Judiciário brasileiro, inclusive no tocante às garantias clássicas asseguradas à magistratura.

Deixou a Justiça do Trabalho o âmbito do Poder Executivo, onde surgira. Nesse novo quadro institucional, os CRTs receberam nova designação - Tribunais Regionais do Trabalho -, passando o CNT a ser denominado Tribunal Superior do Trabalho.

Não obstante sua integração ao Judiciário, a Justiça do Trabalho manteve sua peculiaridade de ser constituída por órgãos paritários, com a presença de juízes togados ao lado da representação classista, composta por representantes de empregadores e de empregados. Em primeiro grau, as JCJs eram integradas por um Juiz do Trabalho e dois representantes leigos, o vogal representante dos empregadores e o vogal representante dos empregados. A paridade estava presente também nos TRTs e no Tribunal Superior do Trabalho.

2. Afirmação da Justiça do Trabalho

Entre 1946 e 1988 - datas que separam as duas grandes constituições republicanas democráticas brasileiras -, a Justiça do Trabalho alcançou sua afirmação histórica.

Em um primeiro instante, de 1946 a 1964, esta afirmação se deu por meio de significativa integração do novo ramo do Judiciário à fase de manifestos avanços econômicos e sociais experimentados pelo País no período.

Curiosamente, no segundo instante, de 1964 a 1988 (ou, pelo menos, 1985, final do regime autoritário), essa afirmação deu-se por meio da preservação de sua estrutura e de seu papel jurídico, em fase de evidente resistência ao trato das questões sociais, coletivas e democráticas na conjuntura...

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