Recurso de Revista: Outro Enfoque

AutorVantuil Abdala
Ocupação do AutorEx-Ministro e Ex-Presidente do Tribunal Superior do Trabalho - TST. Sócio-fundador de Abdala, Castilho e Fernandes Advogados Associados. Professor do Curso de Pós-Graduação em direito do Trabalho e Processo do Trabalho do IESB/DF.
Páginas294-302

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Introdução

Como o homenageado deste livro foi Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, cabe no desiderato desta obra algumas considerações sobre questões pertinentes a recursos na Corte Superior Trabalhista e que ainda não estão bem resolvidas ou, pelo menos, seguramente definidas.

Hans Nawiasky acentua que todo estudioso do direito embora deva embasar "... el trabajo de su vida con investigaciones de Teoría general del Derecho y proceder sólo sobre la base así obtenida al tratamiento de los problemas jurídicos materiales. También es admisible el procedimiento inverso, consistente en profundizar primeramente de modo cuidadoso en la investigación de cuestiones particulares ..."1.

Mesmo porque, como adverte Canotilho "... a fuga para o céu dos conceitos e teorias pode acarretar a diminuição da capacidade de reflexão do direito relativamente aos problemas concretos ..."2.

Adotar-se-á, pois, nesse escrito, a "investigación de cuestiones particulares", como sugere Nawiasky, para que "a fuga para o céu", de que fala Canotilho, não prejudique o objetivo de provocar a reflexão sobre problemas concretos.

Eis as questões que se propõe examinar:

Existe um vínculo de subordinação necessária entre o tema decidido na Corte extraordinária e outros temas da ação, embora não tenham sido objeto do recurso e às vezes até sequer tenham sido decididos? Qual a influência que a decisão do Recurso Extraordinário pode ter sobre esses outros temas?

Ultrapassado o conhecimento do recurso, qual o limite da Corte para decidir?

Em outras palavras, após ter sido conhecido o Recurso de Revista, a decisão do Tribunal Superior do Trabalho, seja para manter ou para reformar a decisão recorrida, poderia adotar fundamento jurídico que não foi debatido na ação?

A parte que foi vencida em um dos temas da defesa que por si só poderia proporcionar-lhe decisão favorável, mas foi vencedora na ação com base em outro tema da defesa, diante do risco de a corte Extraordinária prover o recurso da parte contrária naquilo em que aquela foi vencedora, poderia ser examinado e decidido também o outro fundamento da defesa? Ou do pedido inicial, conforme o caso?

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Na hipótese da letra "b" do art. 896 da CLT, conhecido o Recurso de Revista, pode a Corte Superior examinar o instrumento normativo ou o regulamento empresarial, para decidir a questão?

Adotando a decisão do Regional dois fundamentos jurídicos distintos e autônomos, um único acórdão paradigma teria que conter esses dois fundamentos, para o conhecimento da Revista?

Antes de se adentrar ao exame dos temas, relembram-se as regras próprias do recurso de primeiro para o segundo graus e do recurso para o Tribunal Superior do Trabalho.

Como é sabido, a devolutividade horizontal e vertical, com a amplitude prevista no art. 515, §§ 1º e 2º do CPC, é própria de recurso de primeiro para segundo grau, nesta Justiça denominado Recurso Ordinário.

A regra é outra no Recurso de natureza extraordinária, como é o interposto para o Tribunal Superior do Trabalho.

Isto porque, como é sabido, em grau de Recurso de Revista, só se decide sobre matéria expressamente discutida na decisão recorrida. Assim, meritoriamente, só se decide a questão que, cumulativamente:

  1. Foi objeto do recurso;

  2. Foi prequestionada;

  3. Sobre a qual se demonstrou divergência jurisprudencial ou violação de lei.

Naturalmente, para que se possa reconhecer que a decisão a quo violou a lei ou divergiu de outros Tribunais, é preciso que haja manifestação expressa sobre a questão. Se assim é, não se decide em grau extraordinário sobre o que em grau ordinário não se decidiu.

Por isto é que, de regra, questões outras "suscitadas e discutidas no processo" ou "fundamento do pedido ou da defesa não apreciados pela decisão a quo", não serão objeto de deliberação meritória na Corte ad quem (art. 515, §§ 1º e 2º, do CPC). Ou seja, não se aplicam ao recurso de natureza extraordinária essas regras que são próprias do Recurso Ordinário.

É mesmo como adverte Barbosa Moreira "permite o recurso extraordinário, pois, tão somente a revisão in iure, ou seja, a reapreciação de questões de direito (federal) enfrentadas pelo órgão a quo"3.

Dito isto, passa-se, agora, ao exame das questões propostas.

1. Vínculo de subordinação necessária entre a decisão e outros temas da ação

Há situações em que há um vínculo de subordinação necessária entre o tema decidido pela Corte ad quem e outros temas decididos pela Corte a quo.

Em outras palavras, há um vínculo de subordinação necessária entre a parte do acórdão recorrido que foi alterada em grau extraordinário e o restante do decidido em instância inferior.

Em decorrência desse vínculo de subordinação necessária, o julgamento do recurso extraordinário quanto a uma parte da decisão recorrida, pode vir a repercutir sobre o restante do acórdão.

Como lembra Barbosa Moreira, "... pode acontecer, por outro lado, que o julgamento do recurso extraordinário interposto em relação a uma parte do acórdão venha a repercutir sobre o restante. Mas isso não ocorrerá porque a cognição do Supremo Tribunal Federal se estenda a esse restante, e sim por causa do vínculo de subordinação necessária entre ele e a parte impugnada" (p. 595 e 596)4.

No mesmo sentido, Estêvão Mallet, "De fato, se a impugnação abrange apenas parte das questões decididas, mas as partes restantes acham-se em relação de subordinação necessária com a que foi impugnada, o julgamento do recurso poderá modificar todo o decidido, mesmo no tocante a temas não diretamente versados no recurso"5.

Se, por exemplo, provendo-se o Recurso de Revista do Réu, o TST acolhe a preliminar de não conhecimento do Recurso Ordinário, é claro que não subsiste a decisão recorrida na parte que decidiu o mérito da questão. Aí está, altera-se parte da decisão recorrida sem que quanto a esta sequer fossem examinados os pressupostos intrínsecos do recurso nesta parte: violação legal ou divergência jurisprudencial.

Igualmente, em outro exemplo: a decisão recorrida afastou a alegação de coisa julgada e decretou a procedência da ação na matéria de fundo. O Réu recorre quanto a ambos os temas. Se o TST acolhe a alegação de coisa julgada, decreta-se de logo a

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extinção do feito em seu todo, sem exame direto da matéria de fundo.

Estas hipóteses são evidentes. Há outras, nem tanto.

Considerem-se situações em que o recurso da parte é conhecido e provido e não se pode deixar sem deliberação fundamentos do pedido ou da defesa sobre os quais não houve recurso e, muitas vezes, nem pronunciamento do Tribunal a quo.

Assim, suponha-se que o réu apresente em defesa fundamento de mérito sobre a improcedência da Ação, mas, além disso, atento ao princípio da eventualidade, apresente outro em que se pleiteia a compensação.

O primeiro e segundo graus julgam improcedente a ação, meritoriamente.

E se, em grau extraordinário, forem alteradas as decisões anteriores julgando-se o pedido procedente? Como fica o pleito de compensação apresentado, apropriada e fundamentadamente, em defesa?

Sob pena de violação aos princípios constitucionais de ampla defesa e do devido processo legal, não pode o judiciário deixar de se manifestar sobre a questão.

Não se pode imputar nenhuma omissão ao réu, nesta hipótese.

Aliás, nem em contrarrazões está o Recorrido obrigado a se referir ao seu fundamento sucessivo do pedido ou da defesa. Pois é mesmo como já decidiu o Supremo Tribunal Federal em acórdão de lavra do Ministro Marco Aurélio de Mello: "... RECURSO - CONTRARRAZÕES - NATUREZA. As contrarrazões não encerram ônus processual, ou seja, meio sem o qual não se possa lograr determinado resultado, mas mera faculdade. Daí mostrar-se impertinente tese sobre preclusão de certo tema por ter sido veiculada em tal peça"6.

Deve, pois, a Corte extraordinária, enfrentar o outro fundamento do pedido ou da defesa, ainda que a matéria não tenha sido examinada na decisão de segundo grau. Se se tratar simplesmente de matéria jurídica, penso que a Corte extraordinária, atenta ao princípio da celeridade processual, pode decidir a quaestio, desde que debatida pelas partes. Afinal, cabe à instância extraordinária, dar a última palavra quanto à lei ordinária.

Se se tratar de questão que dependa de apuração de matéria fática ou não debatida pelas partes, não há outra solução a não ser determinar o retorno dos autos ao primeiro grau para...

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