A Não Concorrência após o Término da Relação de Emprego

AutorRafael Grassi Ferreira
Ocupação do AutorAdvogado atuante no Rio de Janeiro e Minas Gerais. Bacharel em Direito - Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Especialista em Direito de Empresa - PUC-MG
Páginas206-220

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Introdução

Em privilegiadas oportunidades, ouvimos do mestre maior do Direito do Trabalho no Brasil, Ministro Arnaldo Süssekind, críticas à senioridade de alguns artigos da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT.

Ao contrário do que pensam alguns, Süssekind sempre defendeu a modernização da obra da qual foi coautor.

Um dos exemplos mencionados pelo saudoso mestre é o da inusitada situação em que se veem os empregados que exercem cargos de alta confiança e que, geralmente, são tratados com o mesmo rigor protetivo dispensado aos hipossuficientes. Em sua obra Curso de Direito do Trabalho, Süssekind destacou esta limitação da CLT:

"A legislação brasileira, como já acentuamos, não distingue entre empregado e operário, no que concerne aos direitos e obrigações derivadas do contrato de trabalho, e também não possui um sistema especial para os empregados de alta categoria."1

Os mesmos fundamentos lógicos que justificam a proteção especial ao hipossuficiente justificam também um tratamento diferenciado e mais adequado aos altos empregados que possuem maior poder de barganha, isso porque, como nos ensina Eduardo Couture2, o procedimento lógico para corrigir desigualdades é a criação de outras desigualdades. É o que faz, juridicamente, diversas legislações laborais, tais como as da Itália e França, ao diferenciar operários, empregados e altos empregados.

Além de possuírem maior poder de barganha no momento da celebração e encerramento de seus contratos de trabalho, os altos empregados, também chamados de executivos, são detentores de poderes de gerir o próprio trabalho e o trabalho de outros a eles subordinados, tomar decisões que afetarão os rumos da empresa e, ainda, são guardiões de

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informações cruciais para os negócios da companhia. Muitas vezes, as informações detidas pelos altos empregados têm tanta relevância que podem impactar nos negócios do empregador, notadamente quando o contrato de trabalho não está mais em vigor.

E é a partir destas ideias, semeadas pelo mestre Süssekind, que será analisada situação que se torna cada vez mais ocorrente com altos empregados ou com técnicos gabaritados, qual seja, a necessidade de se estabelecer cláusulas de sigilo e de não concorrência para vigorar após o término da relação de emprego.

1. Obrigação além do contrato de trabalho

A obrigação de lealdade e de não concorrer com a empresa empregadora durante a vigência do contrato de trabalho tem expressa previsão na CLT, cujo art. 482 preceitua:

"Art. 482. Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador: [...] c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço; [...]

g) violação de segredo da empresa."

Não concorrer com o próprio patrão e ser leal em relação aos segredos e informações vitais da empresa são obrigações inerentes ao contrato de trabalho e deixar de observá-las torna inviável a continuidade da prestação laboral. Não se pode esperar que um patrão mantenha em seus quadros um empregado que não contribui para o sucesso do empreendimento. Revelar para concorrentes informações confidenciais constitui comportamento ilícito a ensejar a aplicação da despedida por justa causa, não havendo, nestas situações, sequer a necessidade de se aplicar penas menores de advertência ou suspensão, pois a traição deliberada através da revelação de segredo é ato suficientemente grave para justificar uma ruptura imediata.

Situação diversa, que será analisada neste artigo, ocorre quando as partes estabelecem que as obrigações de lealdade e não concorrência deverão vigorar após o término do contrato de trabalho. Nesse caso, o foco da obrigação não estará em preservar informações durante a vigência do contrato de trabalho, quando já há a proteção do art. 482 da CLT, e sim em construir um instrumento jurídico que estabeleça de forma clara as condições do compromisso de não concorrência quando o executivo vier a desligar-se da empresa, pois, se nenhum ajuste extraordinário vier a ser feito, ele estará livre para prestar serviços a outros empregadores, inclusive concorrentes.

Claro está que, no curso de um contrato de não concorrência firmado pós-relação de emprego, embora haja obrigações recíprocas, não haverá uma nova relação de emprego. Não estarão presentes os requisitos do art. 3º da CLT que considera empregado "toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário". Na verdade, não há quaisquer serviços, sequer eventuais, nem dependência, tampouco salário. O que há, a rigor, é uma obrigação de não fazer, contratualmente ajustada.

Diferentemente do que ocorre com as obrigações de fidelidade que vigoram durante o contrato de trabalho, para a qual há previsão específica na CLT, em relação a obrigações aplicáveis após o término da relação de emprego não há dispositivo específico na legislação brasileira.

Apesar da lacuna legal, o art. 444 da CLT proporciona um ponto de partida ao estabelecer que:

as relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.

Contudo, o art. 444 da CLT está inserido na CLT dentro do Título IV, do Contrato Individual do Trabalho, de maneira que ele não trata, de forma precisa, da mesma situação que envolve os contratos de não concorrência ora analisados, que se referem a situações nas quais o contrato individual de trabalho já foi encerrado.

Por isso é pertinente trazer à análise também o art. 122 do Código Civil:

Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.

Tratando de dispositivo regulador dos negócios jurídicos de uma forma geral, sua aplicação subsidiária ao direito do trabalho encontra respaldo no art. 8º, parágrafo único, da CLT, que dispõe:

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"Art. 8º As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais específicas, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

Parágrafo único. O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste." (grifos nossos)

Assim, seja por analogia ao art. 444 da CLT, seja por aplicação subsidiária do art. 122 do Código Civil, não há como negar a possibilidade jurídica de se estabelecer cláusulas de não concorrência para fortalecer os compromissos de lealdade e não concorrência com vigência após o término do contrato individual de trabalho.

2. Doutrina

A possibilidade jurídica da celebração de uma cláusula que limite a empregabilidade tem sido discutida pela doutrina, com especial foco na possibilidade de confronto com o art. 5º, inciso XIII, da Constituição da República que determina que "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer".

Firmar uma cláusula de não concorrência seria uma renúncia ao direito fundamental constitucionalmente previsto? Decerto que uma renúncia ampla e irrestrita que impossibilitasse um trabalhador de exercer qualquer atividade seria completamente nula, especialmente se esta renúncia colocar em risco a sobrevivência do trabalhador e sua família privando-as de sustentação econômica.

Todavia, o pacto de não competir, dentro de certos limites, firmado por um profissional gabaritado e que obtêm vantagens financeiras para não trabalhar, configura-se hipótese bem distante daquela vedada pela Constituição da República.

O direito constitucional ao trabalho não pode ser interpretado contra o próprio cidadão tutelado quando ele, de forma consciente, justa, honrada e voluntária, opta por não trabalhar por um determinado período "sabático".

Há quem associe o período sabático a um tempo de não se fazer nada. Contudo, quando ele é uma opção madura, será apenas um intervalo na carreira para se dedicar a outros interesses profissionais, quando o trabalhador poderá descansar, fazer cursos de especialização, dedicar-se a aprender outro idioma, estudar novos mercados e buscar diferenciais para alavancar as futuras atividades profissionais. Ou, simplesmente, resgatar as perdas de sua vida pessoal, intensificar o convívio com a companheira ou companheiro, com os filhos, engajar-se em uma causa social, enfim, fazer tudo aquilo que a dinâmica da vida profissional não lhe permitiu fazer.

O direito constitucional ao trabalho deve ser interpretado de forma mais ampla e inteligente de maneira a abranger também o direito o direito à liberdade, que permeia todo o texto constitucional, e consequentemente, o direito ao "não trabalho", o direito ao ócio, quando salutar e vantajoso para o trabalhador, inclusive profissionalmente.

Trabalho e descanso estão estreitamente ligados. Há o período de trabalho e o período de não...

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