Direito Penal

AutorEduardo Dompieri e Arthur Trigueiros
Páginas119-1843
1. CONCEITO, FONTES E PRINCÍPIOS 1
(Juiz de Direito – TJ/RJ – 2019 – VUNESP) O princípio da insig-
nicância, que defende a não intervenção do Direito
Penal para coibir ações típicas que causem ínma lesão
ao bem jurídico tutelado é afastado pela jurisprudência
do Superior Tribunal de Justiça, por sua Súmula 599, em
relação aos crimes
(A) praticados contra as mulheres ou em condição de
violência de gênero.
(B) contra o meio ambiente.
(C) contra a Administração Pública.
(D) contra a criança e o adolescente.
(E) de menor potencial ofensivo.
Antes de mais nada, façamos algumas considerações acerca do prin-
cípio da insignicância (ou da criminalidade de bagatela) para, depois,
analisar, uma a uma, as assertivas propostas. Conforme é sabido, este
postulado tem sua origem no Direito Romano, derivado do brocardo
de minimis non curat praetor, que signica, grosso modo, que fatos
totalmente insignicantes devem car fora do alcance do Direito
Penal. Em outras palavras, o Direito Penal não deve atuar diante de
fatos insignicantes, desprezíveis, de forma que somente se deve
recorrer a esse ramo do direito em casos relevantes, isto é, não pode
ser considerada típica a conduta causadora de lesão insignicante ao
bem jurídico tutelado pela norma penal. De acordo com a doutrina e
jurisprudência consolidadas, o postulado da insignicância atua como
causa de exclusão da tipicidade material. Somente passou a ser incor-
porado e aplicado a partir dos estudos do jurista alemão Claus Roxin,
na década de 70 do século passado, que modernizou e aperfeiçoou
o postulado. Calcado em valores de política criminal e derivado do
princípio da intervenção mínima, o princípio da insignicância funciona
como causa excludente da tipicidade (material) do fato, constituindo-se
em instrumento de interpretação restritiva do tipo penal. De acordo
com a doutrina e jurisprudência hoje sedimentadas, a sua incidência
está condicionada ao reconhecimento conjugado de quatro vetores,
a saber: i) mínima ofensividade da conduta do agente; ii) nenhuma
periculosidade social da ação; iii) reduzido grau de reprovabilidade do
comportamento; iv) inexpressividade da lesão jurídica provocada. Feitas
essas ponderações, passemos às alternativas. A: incorreta. O simples
fato de a infração penal ter como vítima a mulher não elide a incidência
do princípio da insignicância. O que fez a Súmula 589, do STJ, foi
consolidar o entendimento segundo o qual é vedada a aplicação do
princípio da insignicância no contexto das infrações penais praticadas
contra a mulher no âmbito da Lei Maria da Penha; B: incorreta. Tanto
o STF quanto o STJ acolhem a possibilidade de incidência do princípio
da insignicância no contexto dos crimes ambientais. Conferir: “AÇÃO
PENAL. Crime ambiental. Pescador agrado com doze camarões e rede
de pesca, em desacordo com a Portaria 84/02, do IBAMA. Art. 34,
parágrafo único, II, da Lei nº 9.605/98. Rei furtivae de valor insigni-
cante. Periculosidade não considerável do agente. Crime de bagatela.
Caracterização. Aplicação do princípio da insignicância. Atipicidade
reconhecida. Absolvição decretada. HC concedido para esse m. Voto
* ED questões comentadas por: Eduardo Dompieri
AT questões comentadas por: Arthur Trigueiros
vencido. Vericada a objetiva insignicância jurídica do ato tido por
delituoso, à luz das suas circunstâncias, deve o réu, em recurso ou
habeas corpus, ser absolvido por atipicidade do comportamento” (STF,
HC 112563, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Relator p/ Acór-
dão: Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 21.08.2012). No
mesmo sentido, o STJ: “1. Esta Corte Superior de Justiça e o Supremo
Tribunal Federal reconhecem a atipicidade material de determinadas
condutas praticadas em detrimento do meio ambiente, desde que
vericada a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência
de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade
do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada.
Precedentes. 2. Hipótese em que os recorridos foram denunciados pela
pesca em período proibido, com utilização de vara e molinete, tendo
sido apreendidos com ínma quantidade extraída da fauna aquática,
de maneira que não causaram perturbação no ecossistema a ponto
de reclamar a incidência do Direito Penal, sendo, portanto, imperioso
o reconhecimento da atipicidade da conduta perpetrada, devendo ser
ressaltado que os recorridos não possuem antecedentes criminais. 3.
Recurso desprovido” (REsp 1743980/MG, Rel. Ministro Jorge Mussi,
Quinta Turma, julgado em 04/09/2018, DJe 12/09/2018); C: correta.
É fato que, para o STJ, o princípio da insignicância é inaplicável aos
crimes contra a Administração Pública. Tal entendimento, inclusive, está
sedimentado na Súmula 599, do próprio STJ: o princípio da insigni-
cância é inaplicável aos crimes contra a Administração Pública. Mas tal
regra comporta uma exceção. Rero-me ao delito de descaminho, em
relação ao qual o STJ (e também o STF) entende pela aplicabilidade do
mencionado postulado, desde que o tributo sonegado não ultrapasse
R$ 20.000,00. Cuidado: a insignicância, embora se aplique ao desca-
minho, não tem incidência no crime de contrabando. Ademais, é impor-
tante que se diga que o STF tem precedentes no sentido de reconhecer
a incidência de tal princípio aos crimes contra a Administração Pública.
A conferir: “Delito de peculato-furto. Apropriação, por carcereiro, de
farol de milha que guarnecia motocicleta apreendida. Coisa estimada
em treze reais. Res furtiva de valor insignicante. Periculosidade não
considerável do agente. Circunstâncias relevantes. Crime de bagatela.
Caracterização. Dano à probidade da administração. Irrelevância no
caso. Aplicação do princípio da insignicância. Atipicidade reconhecida.
Absolvição decretada. HC concedido para esse m. Voto vencido. Veri-
cada a objetiva insignicância jurídica do ato tido por delituoso, à luz
das suas circunstâncias, deve o réu, em recurso ou habeas corpus, ser
absolvido por atipicidade do comportamento” (HC 112388, Relator(a):
Min. Ricardo Lewandowski, Relator(a) p/ acórdão: Min. Cezar Peluso,
Segunda Turma, julgado em 21/08/2012, Processo Eletrônico DJe-181
Divulg 13.09.2012 Public 14.09.2012); D: incorreta. Dada a relevância
do bem jurídico sob tutela, aos crimes praticados contra a criança e
o adolescente não incide o princípio da insignicância; E: incorreta.
Não há óbice à incidência do princípio da insignicância nas infrações
penais regidas por lei especial, como é o caso das infrações de menor
potencial ofensivo (Lei 9.099/1995). ED
Gabarito “C”
(Juiz de Direito – TJ/AL – 2019 – FCC) Segundo entendimento
sumulado do Superior Tribunal de Justiça, INAPLICÁVEL
o princípio da insignicância
(A) aos crimes ambientais e aos crimes patrimoniais sem
violência ou grave ameaça à pessoa, se reincidente
o acusado.
3. direito Penal
Eduardo Dompieri e Arthur Trigueiros*
EDUARDO DOMPIERI E ARTHUR TRIGUEIROS
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(B) aos crimes praticados contra a criança e o adolescente
e aos crimes contra a ordem tributária.
(C) às contravenções penais praticadas contra a mulher no
âmbito das relações domésticas e aos crimes contra a
Administração pública.
(D) aos crimes de licitações e às infrações de menor
potencial ofensivo, já que regidas por lei especial.
(E) aos crimes de violação de direito autoral e aos crimes
previstos no estatuto do desarmamento.
A: incorreta. Nos casos de delitos contra o patrimônio praticados
sem violência ou grave ameaça à pessoa, a aplicação do princípio da
insignicância é admitida tanto pelo Supremo Tribunal Federal quanto
pelo Superior Tribunal de Justiça, mesmo que existam condições
pessoais desfavoráveis, tais como maus antecedentes, reincidência
ou ações penais em curso. Ou seja, o fato de o réu ser reincidente ou
ainda portador de maus antecedentes criminais não obsta a aplicação
do princípio da insignicância, cujo reconhecimento está condicionado
à existência de outros requisitos. Nesse sentido: STF, RE 514.531/
RS, 2.ª T., j. 21.10.2008, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 06.03.2009;
STJ, HC 221.913/SP, 6.ª T., j. 14.02.2012, rel. Min. Og Fernandes, DJ
21.03.2012. Mais recentemente, o plenário do STF, em julgamento
conjunto de três HCs, adotou o entendimento no sentido de que a
incidência ou não do postulado da insignicância em favor de agentes
reincidentes ou com maus antecedentes autores de crimes patrimoniais
desprovidos de violência ou grave ameaça deve ser aferida caso a caso.
Vide HCs 123.108, 123.533 e 123.734. O mesmo se diga dos crimes
ambientais, em relação aos quais é perfeitamente possível a incidência
do postulado da insignicância, mesmo que o agente ostente condi-
ções desfavoráveis. No sentido de os crimes contra o meio ambiente
comportarem o princípio da insignicância: “AÇÃO PENAL. Crime
ambiental. Pescador agrado com doze camarões e rede de pesca, em
desacordo com a Portaria 84/02, do IBAMA. Art. 34, parágrafo único,
II, da Lei nº 9.605/98. Rei furtivae de valor insignicante. Periculosi-
dade não considerável do agente. Crime de bagatela. Caracterização.
Aplicação do princípio da insignicância. Atipicidade reconhecida.
Absolvição decretada. HC concedido para esse m. Voto vencido.
Vericada a objetiva insignicância jurídica do ato tido por delituoso,
à luz das suas circunstâncias, deve o réu, em recurso ou habeas
corpus, ser absolvido por atipicidade do comportamento” (STF, HC
112563, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Relator p/ Acórdão:
Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 21.08.2012). No
mesmo sentido, o STJ: “1. Esta Corte Superior de Justiça e o Supremo
Tribunal Federal reconhecem a atipicidade material de determinadas
condutas praticadas em detrimento do meio ambiente, desde que
vericada a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência
de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade
do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada.
Precedentes. 2. Hipótese em que os recorridos foram denunciados
pela pesca em período proibido, com utilização de vara e molinete,
tendo sido apreendidos com ínma quantidade extraída da fauna
aquática, de maneira que não causaram perturbação no ecossistema
a ponto de reclamar a incidência do Direito Penal, sendo, portanto,
imperioso o reconhecimento da atipicidade da conduta perpetrada,
devendo ser ressaltado que os recorridos não possuem antecedentes
criminais. 3. Recurso desprovido” (REsp 1743980/MG, Rel. Ministro
Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 04/09/2018, DJe 12/09/2018);
B: incorreta. Dada a relevância do bem jurídico sob tutela, aos crimes
praticados contra a criança e o adolescente não incide o princípio da
insignicância. Já no que concerne aos crimes contra a ordem tributária,
perfeitamente possível e amplamente reconhecida pela jurisprudência a
aplicação do postulado da insignicância; C: correta. Em conformidade
com o entendimento sufragado na Súmula 589, do STJ, é inaplicável
o princípio da insignicância aos crimes e às contravenções penais
praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas. De
igual modo, não se admite a incidência deste postulado aos crimes
contra a Administração pública, conforme entendimento rmado por
meio da Súmula 599, do STJ. É importante que se diga que o STF tem
precedentes no sentido de reconhecer a incidência de tal princípio aos
crimes contra a Administração Pública; D: incorreta. Não há óbice à inci-
dência do princípio da insignicância nas infrações penais regidas por
lei especial, como é o caso das infrações de menor potencial ofensivo
(Lei 9.099/1995). No que toca aos crimes de licitações, a incidência do
postulado da insignicância, em princípio, é vedada, uma vez que o bem
jurídico a ser tutelado, tal como se dá no contexto dos crimes contra
a Administração Pública, é a moralidade administrativa; E: incorreta.
É verdade que aos crimes de violação de direito autoral não se aplica
o princípio da insignicância. Conferir: “Não se aplica o princípio da
adequação social, bem como o princípio da insignicância, ao crime
de violação de direito autoral. 2. Em que pese a aceitação popular à
pirataria de CDs e DVDs, com certa tolerância das autoridades públicas
em relação à tal prática, a conduta, que causa sérios prejuízos à indústria
fonográca brasileira, aos comerciantes legalmente instituídos e ao
Fisco, não escapa à sanção penal, mostrando-se formal e material-
mente típica. 3. Agravo regimental a que se nega provimento” (AgRg
no REsp 1380149/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA,
julgado em 27/08/2013, DJe 13/09/2013). No que se refere aos crimes
do Estatuto do Desarmamento, todavia, o STJ admite a incidência do
postulado da insignicância quando se tratar de pequena quantidade
de munição. Nesse sentido: “1. Permanece hígida a jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça, bem como do Supremo Tribunal Federal,
no sentido de que a posse de munição, mesmo desacompanhada de
arma apta a deagrá-la, continua a preencher a tipicidade penal, não
podendo ser considerada atípica a conduta. 2. Esta Corte, todavia, acom-
panhando entendimento do Supremo Tribunal Federal, passou a admitir
a incidência do princípio da insignicância quando se tratar de posse
de pequena quantidade de munição, desacompanhada de armamento
capaz de deagrá-la, uma vez que ambas as circunstâncias conjugadas
denotam a inexpressividade da lesão jurídica provocada. 3. Assentada
a possibilidade de incidência do princípio da insignicância, a situação
concreta trazida nos autos autoriza sua aplicação, pois o acusado
possuía em sua residência, apenas, três munições de uso permitido,
calibre 38. 4. Agravo regimental a que se nega provimento” (AgRg no
REsp 1828692/DF, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA,
QUINTA TURMA, julgado em 01/10/2019, DJe 08/10/2019). ED
Gabarito “C”
(Juiz de Direito – TJ/SC – 2019 – CESPE/CEBRASPE) O estudo das
teorias relaciona-se intimamente com as nalidades da
pena. Nesse sentido, a teoria que sustenta que a única
função efetivamente desempenhada pela pena seria a
neutralização do condenado, especialmente quando a
prisão acarreta seu afastamento da sociedade, é a teoria
(A) das janelas quebradas.
(B) relativa.
(C) unicadora.
(D) absoluta.
(E) agnóstica.
A: incorreta. A chamada teoria das janelas quebradas tem como tônica
a ideia de que, ao se quebrar uma janela, se nenhuma providência for
adotada, logo a casa será destruída. Traduzindo: se acaso as peque-
nas desordens, em princípio inofensivas, não forem reprimidas, logo
se caminhará para a ocorrência de delitos mais graves. Trata-se de
uma política criminal preventiva, em que o controle social enérgico
de condutas menos graves (como a quebra de uma janela) serve de
exemplo para desestimular o cometimento dos delitos mais graves (a
casa como um todo). Cuida-se, como se pode ver, de uma política de
tolerância zero (com os delitos menos graves). Exemplo emblemático
é o caso de Nova Iorque, que, nos idos da década de 90, diante de um
recrudescimento vertiginoso da violência e desordem (tráco, homicí-
dio, gangues etc.), adotou a política da tolerância zero, reprimindo, de
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3. DIREITO PENAL
forma intensa e enérgica, por meio do aparato de segurança pública,
os delitos menos graves, isso com vistas a prevenir os mais graves;
B: incorreta. A nalidade da pena, para as teorias relativas, tem caráter
preventivo, servindo ao objetivo de evitar a prática de novas infrações
penais. A pena, para esta teoria, deve ser vista como um instrumento
destinado a prevenir o crime. Não se trata, pois, de uma retribuição,
uma compensação, tal como preconizado pelas teorias absolutas. No
contexto das teorias relativas, temos a prevenção geral e a especial.
A geral está associada à ideia de intimidação de toda a coletividade,
que sabe que o cometimento de uma infração penal ensejará, como
consequência, a imposição de sanção penal. É dirigida, pois, ao con-
trole da violência; C: incorreta. Para as teorias ecléticas, unicadoras
ou mistas, a pena deve unir justiça e utilidade. É dizer, a pena deve, a
um só tempo, servir de castigo ao condenado que infringiu a lei penal
e evitar a prática de novas infrações penais. Há, pois, a conjugação
das teorias absolutas e relativas. Esta é a teoria por nós adotada de
acordo com o art. 59, caput, do CP, que assim dispõe: “(...) conforme
seja necessário e suciente para reprovação e prevenção do crime”; D:
incorreta. As chamadas teorias absolutas, que se contrapõem às relati-
vas, consideram que a pena se esgota na ideia de pura retribuição. Sua
nalidade consiste numa reação punitiva, isto é, uma resposta ao mal
causado pela prática criminosa; E: correta. Também chamada de teoria
negativa, a teoria agnóstica, como o próprio nome sugere, centra-se
na ideia de que a única função desempenhada pela pena consiste na
neutralização do reeducando, isso em razão da inecácia dos modelos
preconizados pelas teorias absolutas e relativas.ED
Gabarito “E”
(Juiz de Direito – TJ/SC – 2019 – CESPE/CEBRASPE) Constitui uma das
características do direito penal do inimigo
(A) a legislação diferenciada.
(B) a punição a partir de atos executórios.
(C) a não utilização de medidas de segurança.
(D) a observância das garantias processuais penais.
(E) o abrandamento das penas na antecipação da tutela
penal.
O denominado “direito penal do inimigo” foi concebido pelo jurista
alemão Günther Jakobs. Grosso modo, esta teoria sustenta uma exibi-
lização ou até supressão de diversas garantias materiais e processuais.
“Inimigo”, para o penalista alemão, é o indivíduo que, ao violar de
forma sistemática a ordem jurídica, desaa o Estado e a sociedade, de
forma a desestabilizá-los. Em razão disso, o Estado, em reação, deve
conferir-lhe tratamento diferenciado, exibilizando e até suprimindo as
garantias materiais e processuais, às quais somente devem fazer jus
as pessoas consideradas “de bem”. Dito de outro modo, as garantias
conferidas às pessoas de bem (assim considerados “cidadãos”) não
podem ser estendidas aos inimigos, cujo objetivo consiste em afrontar
o Estado. Para fazer frente a tal desao, poderá o Estado adotar uma
série de medidas, como a supressão dos direitos à ampla defesa e
ao contraditório, o recrudescimento das penas e da execução penal
e a criação, de forma indiscriminada, de tipos penais. Enm, o direito
penal do inimigo pressupõe um tratamento diferenciado a ser conferido
ao “cidadão” e ao “não cidadão”, o que exige a elaboração de uma
legislação diferenciada (alternativa correta). O ataque terrorista às
torres gêmeas, em Nova Iorque, ocorrido em 11 de setembro de 2000,
representa um típico exemplo do chamado direito penal do inimigo.
A partir dessa tragédia, o Estado passou a produzir uma legislação
“antiterror”, com a supressão de diversas garantias. ED
Gabarito “A”
(Juiz de Direito - TJ/BA - 2019 - CESPE/CEBRASPE) De acordo com a
doutrina predominante no Brasil relativamente aos princí-
pios aplicáveis ao direito penal, assinale a opção correta.
(A) O princípio da taxatividade, ou do mandado de
certeza, preconiza que a lei penal seja concreta e
determinada em seu conteúdo, sendo vedados os
tipos penais abertos.
(B) O princípio da bagatela imprópria implica a atipici-
dade material de condutas causadoras de danos ou
de perigos ínmos.
(C) O princípio da subsidiariedade determina que o
direito penal somente tutele uma pequena fração dos
bens jurídicos protegidos, operando nas hipóteses em
que se vericar lesão ou ameaça de lesão mais intensa
aos bens de maior relevância.
(D) O princípio da ofensividade, segundo o qual não há
crime sem lesão efetiva ou concreta ao bem jurídico
tutelado, não permite que o ordenamento jurídico
preveja crimes de perigo abstrato.
(E) O princípio da adequação social serve de parâmetro
ao legislador, que deve buscar afastar a tipicação
criminal de condutas consideradas socialmente ade-
quadas.
A: incorreta. De fato, o princípio da taxatividade, que constitui um
desdobramento do postulado da legalidade, impõe ao legislador o dever
de descrever as condutas típicas de maneira pormenorizada e clara, de
forma a não deixar dúvidas por parte do aplicador da norma. É incorreto,
no entanto, armar-se que os chamados tipos penais abertos sejam
vedados. Tipo penal aberto, que é admitido no Direito Penal, é aquele
que exige do magistrado um juízo de valoração, por meio do qual se
procederá à individualização da conduta; tipo fechado, ao contrário, é o
que não exige juízo de valoração algum do magistrado. Exemplo sempre
lembrado pela doutrina de tipo penal aberto é o delito culposo, em que
o magistrado, para saber se houve ou não crime, deve fazer um cotejo
entre a conduta do réu e aquela que teria sido adotada, nas mesmas
circunstâncias, por um homem diligente e prudente; B: incorreta. O
princípio que conduz à exclusão da tipicidade material de condutas cau-
sadoras de danos insignicantes ou de perigos ínmos é o da bagatela
própria. Ensina o saudoso jurista Luiz Flávio Gomes que “o princípio
da irrelevância penal do fato está contemplado (expressamente) no
art. 59 do CP e apresenta-se como consequência da desnecessidade
da pena, no caso concreto; já o princípio da insignicância, ressalvadas
raras exceções, não está previsto expressamente no direito brasileiro
(é pura criação jurisprudencial), fundamentada nos princípios gerais
do Direito Penal” (Direito penal – Parte Geral. 2. ed. São Paulo: RT,
2009. vol. 2, p. 220). A propósito deste tema, cabem aqui alguns
esclarecimentos acerca da distinção entre esses dois princípios. Ainda
segundo o magistério de Luiz Flávio Gomes, “uma coisa é o princípio
da irrelevância penal do fato, que conduz à sua não punição concreta e
que serve como cláusula geral para um determinado grupo de infrações
(para as infrações bagatelares impróprias) e, outra, muito distinta, é o
princípio da insignicância tout court, que se aplica para as infrações
bagatelares próprias e que dogmaticamente autoriza excluir do tipo
penal as ofensas (lesões ou perigo concreto) de mínima magnitude,
ou nímias, assim como as condutas que revelem exígua idoneidade ou
potencialidade lesiva. As infrações bagatelares são próprias quando
já nascem bagatelares (...)” (Direito Penalparte geral. 2. ed. São
Paulo: RT, 2009. vol. 2, p. 219). Devem ser consideradas impróprias,
por seu turno, as infrações que, embora não nasçam insignicantes,
assim se tornam posteriormente; C: incorreta. A assertiva contempla
o princípio da fragmentariedade do direito penal, segundo o qual a lei
penal constitui, por força do postulado da intervenção mínima, uma
pequena parcela (fragmento) do ordenamento jurídico. Isso porque
somente se deve lançar mão desse ramo do direito diante da inecácia
ou inexistência de outros instrumentos de controle social menos trau-
máticos (subsidiariedade); D: incorreta. A despeito de parte da doutrina
sustentar a incompatibilidade dos crimes de perigo abstrato com a
CF/88, já que haveria afronta ao princípio da ofensividade/lesividade,
pois não seria concebível a existência de um crime que não cause efetiva
lesão ao bem jurídico ou, ao menos, um risco efetivo de lesão, certo

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