Direito societário. Sociedade anônima. A seguradora inadimplente com a obrigação legal constante na alínea 'a', do artigo 45, do Decreto nº. 60.459/1967 e o direito à participação nos resultados sociais

AutorSérgio Campinho
Ocupação do AutorAdvogado. Professor de Direito Comercial da Universidade do Estado do Rio de Janeiro ? UERJ
Páginas49-87
DIREITO SOCIETÁRIO. SOCIEDADE ANÔNIMA. A
SEGURADORA INADIMPLENTE COM A OBRIGAÇÃO LEGAL
CONSTANTE NA ALÍNEA “A”, DO ARTIGO 45, DO DECRETO
Nº. 60.459/1967 E O DIREITO À PARTICIPAÇÃO NOS
RESULTADOS SOCIAIS
PARECER
Sumário: I – A Consulta. II – O Parecer. II.1 – Subscrição e
aquisição de ações. II.2 – A subscrição de ações contemplada
no artigo 45 do Decreto nº. 60.459/1967. II.3 – A seguradora
inadimplente com a obrigação legal constante na alínea “a”,
do artigo 45, do Decreto nº. 60.459/1967 e o direito à parti-
cipação nos resultados sociais. II.4 – A análoga figura do acio-
nista remisso e o direito à participação nos resultados sociais
positivos. II.5 – Uma lógica conclusão: a seguradora que se
recusa a cumprir a obrigação legal estabelecida na alínea “a”,
do artigo 45, do decreto nº. 60.459/1967 não faz jus ao rece-
bimento de dividendos e juros sobre capital próprio referen-
tes aos exercícios em que restou caracterizada a sua mora.
II.6 – A teoria dos atos próprios (o tu quoque) e o ônus de
colaboração do sócio. II.7 – Prescrição da pretensão ao paga-
mento dos dividendos. II.8 – A pretensão à cobrança de juros
sobre capital próprio deve obedecer ao mesmo regime jurídi-
co para cobrança dos dividendos. III – As Respostas aos Que-
sitos.
I – A CONSULTA
O X S.A. (“X” ou “CONSULENTE”), através de seu ilustre advogado
Dr. AAA, integrante do Escritório BBB, formula consulta para emissão
de parecer jurídico acerca da controvérsia em curso em face da Y (“Y”),
a ser apresentado nos autos do processo nº. xxxxx, em trâmite perante
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a 4ª Vara Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janei-
ro, ora em fase de apelação.
O CONSULENTE, em síntese, aduz que:
A origem da demanda decorre da aplicação à Y do disposto no
artigo 45 do Decreto nº. 60.459/1967, que estabelece os deve-
res a serem atendidos pela sociedade interessada a funcionar
como seguradora no Brasil, nos seguintes termos:
Art. 45. Publicada a Portaria de autorização, a Sociedade inte-
ressada deverá comprovar perante a SUSEP, no prazo de 90
dias, sob pena de revogação:
a) haver subscrito ações do capital do IRB;
b) ter efetuado todos os registros e publicado os atos exigidos
por lei para seu funcionamento;
c) haver satisfeito às exigências porventura constantes da Porta-
ria da autorização;
d) cumprimento das exigências suplementares estabelecidas
pela SUSEP.
Nessa linha, apresentando-se como sociedade interessada em
atuar nesse mercado, a Y obteve autorização do Ministério da
Fazenda para operar como seguradora, por meio da Portaria nº.
389, de 18.10.1999, quando se iniciou a contagem do prazo de
90 (noventa) dias para que subscrevesse e integralizasse ações
do X.
Entretanto, a Y buscou desconstituir a obrigação legalmente im-
posta mediante a propositura da ação cominatória de obrigação
de não fazer (processo autuado sob o nº. xxxxx, em trâmite
perante a 12ª Vara Cível da Comarca da Capital/RJ). Naquela
oportunidade, o X apresentou reconvenção, a qual, tendo sido
julgada integralmente procedente, culminou na confirmação da
obrigação preexistente à discussão judicial de que a Y deveria
integralizar 396 (trezentas e noventa e seis) ações preferenciais
de emissão do X.
Desse modo, a obrigação de subscrever e integralizar ações do
X, imposta pelo artigo 45 do Decreto nº. 60.459/1967, é exigí-
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vel da Y desde 18.01.2000 (90 dias a contar da publicação da
portaria de autorização).
Mesmo assim, a Y quedou-se inadimplente, por anos a fio, recu-
sando-se a cumprir com tal obrigação. Tal inadimplemento per-
maneceu, pelo menos, até 27.11.2017, quando o X obteve êxito
em levantar parcialmente os recursos pertinentes à subscrição
das ações (o X permanece pleiteando o saldo em aberto dessa
obrigação, nos autos da execução decorrente da já mencionada
ação cominatória de obrigação de não fazer – processo nº.
xxxxx).
Assim, entre 27.07.2001 e 27.11.2017, por mais de 16 (dezes-
seis) anos, a obrigação da Y de subscrever e integralizar ações do
X permaneceu em aberto.
Contudo, a Y reputou-se no direito de pleitear o pagamento de
sua suposta participação nos lucros e nos dividendos apurados e
declarados em assembleias gerais do Consulente desde 2001,
como se houvesse adimplido tempestivamente com as suas ob-
rigações durante esse período.
Nessa linha, a Y: (i) ajuizou Protesto Interruptivo de Prescrição
em 07.04.2016; (ii) notificou extrajudicialmente o X para soli-
citar o desbloqueio e o pagamento dos valores; e (iii) ingressou
com a ação judicial em tela para que o X fosse condenado ao
pagamento dos dividendos e juros sobre capital próprio das suas
ações desde 27.07.2001, na qual foi proferida decisão desfavo-
rável a este último, que interpôs recurso de apelação, no âmbito
do qual o Parecer ora solicitado será apresentado.
Apesar de permanecer, por anos, sem adimplir a obrigação pre-
vista no artigo 45 do Decreto nº. 60.459/1967 e sem adotar as
medidas cabíveis para resguardar as suas eventuais prerrogativas
societárias durante esse período, a Y entende-se no direito de
usufruir dos resultados da empresa de forma retroativa e em
igualdade com os acionistas que regular e tempestivamente
cumpriram as suas obrigações, sob o argumento de que, sobre o
pagamento principal, realizado nos autos da execução decorren-
te da ação cominatória de obrigação de não fazer, incidiu-se ju-
ros e correção monetária, o que, segundo ela, possuiria o efeito
de reequilibrar ou fazer retroceder no tempo o cenário exposto
acima.
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