Falência. Título executivo falencial: inidoneidade de simples fatura

AutorSérgio Campinho
Ocupação do AutorAdvogado. Professor de Direito Comercial da Universidade do Estado do Rio de Janeiro ? UERJ
Páginas369-412
FALÊNCIA. TÍTULO EXECUTIVO FALENCIAL:
INIDONEIDADE DE SIMPLES FATURA
PARECER
Sumário: I – A Consulta. II – O Parecer. II.1 – Os processos
pré-falimentar e falimentar. II.2 – Falência como meio ex-
traordinário de cobrança. II.3 – Impontualidade falimentar.
II.4 – Obrigação líquida. II.5 – Relevante razão de direito.
II.6 – Título executivo falencial. II.7 – Fatura e duplicata.
II.8 – Duplicata virtual e sua força executiva. III – As Respos-
tas aos Quesitos.
I – A CONSULTA
A X S.A. (“Consulente” ou “X”), por meio de seu Diretor Jurídico,
Dr. AAA, formula consulta acerca de certas questões relacionadas ao
requerimento de falência contra ela ajuizado pela Y S.A. (“Y”).
Nesse passo, a Consulente relata que:
A X é, desde 1998, a concessionária responsável pela prestação do
serviço de transporte ferroviário no Estado do Rio de Janeiro. Esta ati-
vidade demanda a utilização de energia elétrica em patamares signifi-
cativos, tanto para a iluminação e o funcionamento das estações e uni-
dades administrativas, como para a própria circulação dos trens. Os
gastos apenas com este insumo representam, em média, mais de 20%
(vinte por cento) de todo o custo operacional da X.
A relação com a Y, fornecedora de energia elétrica, é disciplinada
por 12 (doze) contratos de fornecimento. O contrato mais relevante
para fins desta consulta é o de fornecimento de energia elétrica para
tração dos trens que servem para a prestação do serviço público de
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transportes (“Contrato Tração”). Apenas em relação ao Contrato Tra-
ção existem disputas judiciais acerca de sua adimplência, não havendo
qualquer discussão quanto ao cumprimento dos outros 11 (onze) ins-
trumentos.
Referidos contratos existem, única e exclusivamente, em virtude
do contrato de concessão para a prestação do serviço de transporte
ferroviário fluminense (“Contrato de Concessão”), uma vez que a X
faz uso intensivo de energia apenas para suprir a demanda da malha de
transporte ferroviário e mantê-la disponível para os passageiros que a
utilizam diariamente442.
Sem o fornecimento de energia elétrica, a X não poderia prestar
serviço público de cunho essencial para as milhares de pessoas que
transporta diariamente. Este fato já foi, inclusive, reconhecido judicial-
mente nos autos do processo nº. xxxxx443, ajuizado pela X em
17.11.2016 contra o Estado do Rio de Janeiro e a Y (“Ação Fazenda
Pública”), quando o d. Juízo impediu o corte de energia por decisão
liminar proferida em 21.11.2016 e já preclusa, diante da desistência
pela Y do recurso que a impugnava444.
Paralelamente, considerando (i) o grande volume de energia elétri-
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442 A causa e a finalidade do contrato de fornecimento de energia constam, inclusi-
ve, da cláusula 2.1 do mesmo, que fixa o escopo da contratação firmada entre as
partes: “O objeto do presente contrato, que regula o fornecimento de energia elétrica
entre as Partes, se destina exclusivamente às unidades consumidoras do cliente, situa-
das à Rua [...]; Avenida [...]; Rua [...]; Estrada [...], no Município do Rio de Janeiro;
e Av. [...], Município de Nova Iguaçu, RJ, para desenvolvimento da atividade trans-
porte ferroviário.”.
443 O processo está em trâmite perante a 16ª Vara de Fazenda Pública restando
pendente o julgamento do pedido principal deduzido pela X no sentido de que (i) seja
determinado o reequilíbrio econômico do contrato de concessão, mediante a assun-
ção, pelo Estado, do pagamento de 68,65% da conta mensal de energia da X; (ii) o
Estado seja condenado a ressarcir os prejuízos suportados pela X em razão do desequi-
líbrio contratual; (iii) seja mantida a liminar que impede a Y de interromper o forne-
cimento de energia elétrica; e (iv) sejam cancelados os protestos realizados pela Y em
relação às faturas inseridas no âmbito do desequilíbrio do contrato de concessão.
444 Agravo de instrumento nº. yyyyy.
ca utilizada para a tração dos trens, (ii) a autorização da ANEEL445, em
07.11.2014, para o aumento da tarifa de energia e (iii) a adoção do
Sistema de Bandeiras Tarifárias446, a conta total de energia da X foi
majorada no expressivo percentual de 68,65% (sessenta e oito vírgula
sessenta e cinco por cento).
Em 28.11.2014, este impacto financeiro levou a X a requerer à
AGETRANSP447 a revisão extraordinária448 do Contrato de Concessão.
Em 29.06.2015, a AGETRANSP reconheceu o desequilíbrio do
Contrato de Concessão e o seu nexo causal com o aumento da tarifa de
energia elétrica, tendo apurado na referida revisão extraordinária que,
até novembro de 2015, o reequilíbrio da equação financeira contratual
se materializava na quantia de R$38.978.806,00 (trinta e oito milhões,
novecentos e setenta e oito mil, oitocentos e seis reais) (“Decisão
AGETRANSP”).
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445 Resolução Homologatória nº. 1.820.
446 Sistemática de cobrança segundo os níveis de produção de energia que foi ado-
tada para suportar os custos com a geração de energia elétrica por meio de usinas
termelétricas em momentos de baixa produção das usinas hidrelétricas. O sistema se
orienta pelas mesmas cores dos semáforos de trânsito: (i) a bandeira verde indica que
há condições favoráveis à produção de energia elétrica e que, portanto, a conta não
sofrerá nenhum reajuste; (ii) a bandeira amarela indica que há condições menos favo-
ráveis de geração e que a tarifa sofrerá acréscimo de R$1,50 (um real e cinquenta
centavos) para cada 100kWh (cem quilowatt-hora) consumidos; e (iii) a bandeira
vermelha indica baixas condições de geração (e, portanto, mais custosas) e representa
um acréscimo tarifário de R$3,00 (três reais) para cada 100kWh (cem quilowatt-
hora) consumidos.
447 Nos termos do artigo 4º, inciso V, da Lei Estadual nº. 4.555/05, “Compete à
AGETRANSP, no âmbito de suas atribuições e responsabilidades, observadas as dis-
posições legais e pactuais pertinentes: [...] V: expedir deliberações e instruções tendo
por objeto os contratos submetidos à sua competência, inclusive fixando prazos para
cumprimento de obrigações por parte das concessionárias e permissionárias, volunta-
riamente ou quando instada por conflito de interesses”.
448 A revisão extraordinária é procedimento cabível diante de fato imprevisível.
Paralelamente, há revisão ordinária quinquenal sendo a última relativa ao período
entre 2010 e 2015.

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