Recuperação judicial. Tratamento isonômico de credores e abuso do direito de voto

AutorSérgio Campinho
Ocupação do AutorAdvogado. Professor de Direito Comercial da Universidade do Estado do Rio de Janeiro ? UERJ
Páginas413-462
RECUPERAÇÃO JUDICIAL. TRATAMENTO ISONÔMICO DE
CREDORES E ABUSO DO DIREITO DE VOTO
PARECER
Sumário: I – A Consulta. II – O Parecer. II.1 – A recuperação
judicial como contrato e o controle judicial. II.2 – Princípios
informadores da recuperação judicial. II.3 – O pagamento na
moeda da recuperação. II.4 – Tratamento isonômico dos cre-
dores. II.5 – A participação dos credores na recuperação ju-
dicial. II.6 – O abuso do direito de voto. II.7 – Providências
contra o voto abusivo e o dever de informar do credor cessio-
nário. II.8 – Higidez do compromisso de aporte para a eleva-
ção do capital social. III – As Respostas aos Quesitos.
I – A CONSULTA
X Fundo de Investimentos em Ações (“CONSULENTE”), através de
seus ilustres advogados, Drs. AAA e BBB, formula consulta sobre (i) a
proposta alternativa apresentada por um grupo de credores da Y S.A. –
Em Recuperação Judicial (“Y” ou “Companhia”), aparentemente re-
presentado pelos advisors AA, BB e CC; e (ii) a possível posição abusi-
va dos credores patrocinadores da proposta alternativa, notadamente
quando da prolação dos seus respectivos votos na assembleia de credo-
res que deliberaria sobre o plano de recuperação judicial submetido
pelas devedoras.
Nesse passo, a CONSULENTE relata que:
É público e notório que, em junho de 2016, sete sociedades do
Grupo Z493 requereram recuperação judicial, apontando um endivida-
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493 (1) Y S.A. – Em Recuperação Judicial; (2) A S.A. – Em Recuperação Judicial
mento total de R$ 65 bilhões, dos quais cerca de R$ 32 bilhões corres-
pondem a títulos e notas emitidos no exterior – os denominados Bonds.
O processo foi distribuído ao Juízo da 7ª Vara Empresarial da Co-
marca da Capital do Estado do Rio de Janeiro e autuado sob o nº.
xxxxx. Na sequência, houve o deferimento do processamento do pedi-
do e a concessão da suspensão das ações e execuções, na forma do
artigo 6º da Lei nº. 11.101/2005.
Desde a formulação do pedido – ou quiçá até mesmo antes dele –,
alguns grupos de fundos internacionais, especializados em especular
com créditos de empresas em recuperação ou falidas, começaram a se
organizar e adquirir no mercado secundário os Bonds emitidos pelo
Grupo Z, possivelmente a centavos em relação ao valor de face, dado o
estado de pré-insolvência da Companhia.
Após essa aquisição, alguns desses fundos começaram a adotar uma
postura abertamente hostil em relação à recuperação judicial do Grupo
Z, fosse contestando formalmente o pedido de suspensão de pagamen-
tos (similar à recuperação judicial brasileira) formulado pelo Grupo Z
perante a Justiça holandesa, fosse contestando o reconhecimento da
eficácia em território norte-americano da decisão proferida pelo Juízo
da recuperação brasileiro, de deferimento do processamento da recu-
peração judicial.
Além desse embate judicial em diversas frentes globais, parte des-
ses fundos alinhou-se a um suposto investidor estratégico, com vistas a
formular uma proposta de plano alternativo, que previa de imediato a
conversão da dívida por eles detida em capital da companhia e a conse-
quente aquisição de controle majoritário da Companhia imediatamen-
te após a eventual aprovação dessa proposta alternativa.
A Companhia, que já havia apresentado seu plano de recuperação
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(“A”); (3) B S.A – Em Recuperação Judicial (“B”); (4) C S.A. – Em Recuperação
Judicial (“C”); (5) D S.A. – Em Recuperação Judicial (“D”); (6) E B.V. – Em Recu-
peração Judicial (“E”); e (7) F U.A. – Em Recuperação Judicial (“F” – Todas Em
Conjunto, O “Grupo Z”).
em Juízo, sequer considerou formalmente a proposta daquele grupo de
credores, por diversas razões, dentre as quais, principalmente, a de que
constituía uma prerrogativa sua exclusiva a apresentação do plano em
Juízo.
Desse modo, a CONSULENTE apresenta os seguintes quesitos:
QUESITO Nº. 1: À luz dos precedentes judiciais e também das manifesta-
ções doutrinárias sobre o tema, queira V. Sa. analisar se a proposta
alternativa contém previsão que conceda tratamento não isonômico
aos credores, tais como reserva de direitos políticos e econômicos ex-
clusivos ao grupo de credores proponente.
QUESITO Nº. 2: Queira V. Sa. analisar se o “compromisso” de investi-
mento do grupo proponente da proposta alternativa é firme e se há
questões jurídico-operacionais que tornam a estrutura do aumento de
capital proposto pouco factível.
QUESITO Nº. 3: Queira V. Sa. analisar se a proposta alternativa contém
todas as previsões normais de negócios dessa natureza, ou se ela é omis-
sa em aspectos nucleares desse tipo de negócio jurídico. Caso sejam
verificadas as omissões, descrevê-las.
QUESITO Nº. 4: À luz dos precedentes judiciais e também das manifesta-
ções doutrinárias sobre o tema, queira V. Sa. identificar quais são os
critérios geralmente utilizados para identificar o abuso da posição de
credor e consequentemente do seu direito de voto num cenário de
recuperação judicial, em especial confirmando o seguinte:
a. De acordo com o modelo recuperacional brasileiro, o voto do cre-
dor deve ter como norte a recuperação da empresa, à luz do art. 47 da
Lei 11.101/05? Ou ele estaria autorizado a votar exclusivamente no seu
interesse de credor, desconsiderando por completo as consequências
do seu voto para o soerguimento como um todo da sociedade em crise?
b. O credor poderia exercer o seu direito de voto desprovido de racio-
nalidade econômica?
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