Os direitos humanos como fundamento da proteção de dados pessoais na lei geral de proteção de dados brasileira

AutorBárbara Dayana Brasil
Ocupação do AutorPós-Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Direitos Fundamentais e Democracia do Centro Universitário Autônomo do Brasil (UniBrasil). Doutora em Direito Público pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC-Portugal). Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Especialista em Direito ...
Páginas37-58
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OS DIREITOS HUMANOS COMO FUNDAMENTO
DA PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS NA LEI
GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS BRASILEIRA
Bárbara Dayana Brasil
Pós-Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Direitos Fundamentais e De-
mocracia do Centro Universitário Autônomo do Brasil (UniBrasil). Doutora em Direito
Público pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC-Portugal).
Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Especialista
em Direito Administrativo pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar (IDRFB).
Docente na Faculdade Mater Dei (FMD).
Sumário: 1. Introdução – 2. Os direitos humanos na metamorfose do mundo – 3. Fundamentos da
proteção de dados pessoais como direito humano no contexto global – 4. O direito fundamental
à proteção de dados na Constituição Federal de 1988 – 5. A disciplina da Lei 13.709/18 (Lei geral
de proteção de dados) no Brasil como fundamento e m nos direitos humanos – 6. Considerações
nais – 7. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Em 1986 quando Ulrich Bech publicou a obra “sociedade de risco”1 alertou que
a humanidade passaria a viver em meio aos efeitos colaterais de uma civilização, a
modernidade capitalista industrial, que saiu dos trilhos voltando-se contra si pró-
pria e escapando dos controles que visam ordená-la.2 Para ele, a sociedade de risco
caracteriza-se pela indiscernibilidade dos perigos de uma civilização que ameaça a si
mesma.3 Na altura, levou em conta os efeitos da sociedade industrial, quando se con-
f‌igurava um paulatino processo social voltado a pós-modernidade capitalista digital.4
Com efeito, atribui-se a Fritz Machlup em 1962 o primeiro diagnóstico da nova
forma de organização industrial para a conf‌iguração da economia a partir da valori-
zação da informação, uma “sociedade da informação” que a centra como ingrediente
básico. Com o advento da Internet e a intensif‌icação do compartilhamento dos dados
1. BECK, Ulrich. Sociedade de Risco: rumo a uma outra modernidade. Trad. Sebastião Nascimento. São Paulo:
Editora 34, 2011.
2. BECK, Ulrich. Sociedade de Risco, cit., p. 01.
3. BECK, Ulrich. Sociedade de Risco, cit., p. 26. Sobre os riscos, assevera que “desencadeiam danos sistemati-
camente def‌inidos, por vezes irreversíveis, permanecem no mais das vezes invisíveis, baseiam-se em inter-
pretações causais, apresentam-se tão somente no conhecimento que se tenha deles, podem ser alterados,
diminuídos ou aumentados, dramatizados ou minimizados no âmbito do conhecimento e estão assim, em
certa medida, abertos a processos sociais de def‌inição”. BECK, Ulrich. Sociedade de Risco, cit., p. 26-27.
4. DUFF, Alistair S. Information Society Studies. Londres: Routledge, 2000. p. 98.
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e a massif‌icação de seu uso para f‌inalidades diversas5, a tecnologia assumiu um pro-
tagonismo revolucionário. Na conf‌iguração da sociedade pós-industrial, houve uma
intensif‌icação e maior signif‌icado atrelado a informação que culminou na sociedade
em rede, nas quais a atividade e a experiência humana levaram a uma nova morfolo-
gia social e uma lógica com modif‌icações substanciais nas relações de poder social.6
Diante deste cenário, trinta anos após o alerta sobre a sociedade de risco, Ulrich
Beck reconheceu uma “metamorfose”, compreendida como uma revolução global
de efeitos colaterais à sombra da falta de palavras7, que veio ocorrendo de maneira
quase imperceptível, em pequenos passos sucessivos, em que emerge uma terra de
ninguém de responsabilidade ou irresponsabilidade.8 Os efeitos de tal metamorfose
sobre os riscos globais acarretam um processo em que a violação se estabelece antes
da norma e a norma surge a partir da ref‌lexão pública sobre o horror produzido pela
vitória da modernidade.9
Para efeito da presente análise, o enfoque centra-se na “metamorfose digital”,
em que a vida e seus principais aspectos tem se apresentado sob controle do totalita-
rismo digital, separada da vida em liberdade política por uma ruptura, por um poder
global de controle que está transformando a existência humana.10
Com isso, identif‌ica-se um deslocamento das fontes de poder social, político e
econômico e das esferas de sua manifestação11 que traz à tona o problema de limita-
ção no exercício deste poder, para os quais os quadros tradicionais são desaf‌iados a
responder. Na medida em que se ampliam exponencialmente as possibilidades nos
domínios do conhecer, do prever e do intervir12, tornam-se imprescindíveis respostas
que permitam aos seres humanos a proteção correspondente de sua dignidade contra
cada vez mais novos e sof‌isticados modos de intervenção social.
Por isso, a relação entre direitos humanos e direito digital suscita análises urgen-
tes, a f‌im de proporcionar às pessoas uma tutela verdadeira e legítima no ambiente
digital. Neste contexto, o artigo busca através de levantamento bibliográf‌ico, analisar
a construção teórica dos direitos humanos como fundamento da proteção de dados
pessoais, especialmente com o advento no Brasil, da Lei Geral de Proteção de Dados
Pessoais. Pretende-se avaliar em que medida é possível af‌irmar a existência de uma
5. FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Moura. Administração Pública Digital: proposições para o aperfeiçoamento
do regime jurídico administrativo na sociedade da informação. Indaiatuba: Editora Foco, 2020. p. 57.
6. FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Moura. Administração Pública Digital, cit., p. 67-68.
7. BECK, Ulrich. A Metamorfose do Mundo: novos conceitos para uma nova realidade. Trad. Maria Luiza Borges.
Rio de Janeiro: Zahar, 2018. p. 46.
8. BECK, Ulrich. A Metamorfose do Mundo, cit., p. 52.
9. BECK, Ulrich. A Metamorfose do Mundo, cit., p. 58.
10. BECK, Ulrich. A Metamorfose do Mundo, cit., p. 95.
11. Joseph Nye Jr., ressalta que “o poder sempre esteve a depender do contexto e que este século está a assistir
a duas grandes alterações de poder: uma transição de poder entre Estados e uma difusão de poder que se
afasta de todos os estados para as mãos de intervenientes não estatais”. NYE JR., Joseph S. O Futuro do Poder.
Trad. Luís Oliveira Santos. Lisboa: Temas e Debates, 2010. p. 15-18.
12. LOUREIRO, João Carlos. Nota de Apresentação. In: HABERMAS, Jürgen. O Futuro da Natureza Humana: a
caminho de uma eugenia liberal. Trad. Maria Benedita Bittencourt. Coimbra: Almedina, 2006. p. 09.
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