Perspectivas sobre a lei do governo digital no Brasil

AutorJosé Fernando Ferreira Brega
Ocupação do AutorGraduado, mestre e doutor pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Procurador do Município de São Paulo. Advogado.
Páginas223-244
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PERSPECTIVAS SOBRE
A LEI DO GOVERNO DIGITAL NO BRASIL
José Fernando Ferreira Brega
Graduado, mestre e doutor pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Procurador do Município de São Paulo. Advogado.
Sumário: 1. Introdução – 2. Governo Digital e Federalismo – 3. Princípios e diretrizes – 4. Processo
eletrônico – 5. Documento eletrônico e assinatura eletrônica – 6. Autosserviço e automatização – 7.
Plataformas de Governo Digital – 8. A prestação de serviços – 9. Governo digital e dados pessoais
– 10. Direitos dos usuários – 11. Governo eletrônico e Lei de Acesso à Informação – 12. A intero-
perabilidade de dados – 13. O domicílio eletrônico – 14. Governança, gestão de riscos, controle e
auditoria – 15. Considerações nais – 16. Bibliograa.
1. INTRODUÇÃO
Na linha do que já havia ocorrido em vários outros países, como implicação de
um processo inafastável de introdução da tecnologia da informação no âmbito da
Administração Pública, a União Federal promulgou, em 29.03.2021, a Lei n. 14.129,
que dispõe sobre princípios, regras e instrumentos para o Governo Digital e para o
aumento da ef‌iciência pública. A lei tende a ser denominada Lei do Governo Digital
– LGD, designação que se utilizará no curso do presente texto.
Com a promulgação da LGD, prossegue-se no preenchimento daquilo que
constituía um espaço normativo praticamente vazio há alguns anos: a regulação, em
lei federal, de temas relacionados à atuação da Administração Pública com utilização
de meios eletrônicos. Esse preenchimento já havia sido iniciado, por exemplo, com
a edição da Lei n. 12.527/11 (Lei de Acesso à Informação – LAI), da Lei n. 12.965/14
(Marco Civil da Internet), da Lei n. 13.709/18 (Lei Geral de Proteção de Dados Pes-
soais – LGPD) e da Lei n. 14.063/20, que trata do uso de assinaturas eletrônicas em
interações com entes públicos, todos diplomas normativos com ref‌lexos signif‌icativos
em relação à temática do governo eletrônico, agora sucedidos por uma lei que trata
especif‌icamente do assunto.
É evidente que a superação de um vazio normativo, somada a uma interpretação
adequada das novas disposições, pode trazer benefícios no tocante à temática do
governo eletrônico. No entanto, o texto da LGD, tal como promulgada, não parece
revelar os motivos estruturantes pelos quais se entendeu necessária a edição de uma
lei federal sobre a matéria. De fato, não é a relevância ou a utilidade do tema que jus-
tif‌icam a existência de uma lei sobre determinado assunto, mas forma pela qual ela
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pode atender a necessidades prementes da Administração Pública em si e do cidadão
em seu relacionamento com os órgãos administrativos.
O texto originou-se a partir de propositura do Deputado Alessandro Molon
(Projeto de Lei n. 7.843/2017), tendo sofrido uma série de alterações em sua trami-
tação. Essas modif‌icações, típicas do processo legislativo brasileiro contemporâneo,
revelaram a existência de questões sensíveis relativas à matéria, mas também servi-
ram para tornar o texto prejudicado em sua sistematicidade, sem que esteja claro,
contudo, se as novas disposições são efetivamente capazes de atender a necessidades
contemporâneas provocadas pelo aprofundamento da introdução da tecnologia da
informação no âmbito da Administração Pública brasileira.
A tecnologia da informação já era utilizada de modo signif‌icativo no âmbito
da Administração Pública brasileira, tanto em suas atividades internas quanto no
relacionamento com cidadãos e empresas, independentemente de um marco legal
específ‌ico. A LGD não inaugura, portanto, o governo digital. Os órgãos administra-
tivos brasileiros já podiam, mesmo sem a lei, atuar por meios eletrônicos, e nunca
houve discussão jurídica relevante quanto a isso. A questão central que se coloca,
nesse contexto, é em que medida a lei traz contribuições para oferecer aperfeiçoa-
mentos regulatórios em relação a uma realização que já está em curso, não obstante
a anterior inexistência de uma lei federal a respeito.
O objetivo deste texto é discutir, a partir do texto da lei, segundo uma perspectiva
crítica, alguns temas relevantes para o desenvolvimento do governo eletrônico no
Brasil, procurando identif‌icar avanços e def‌iciências no novo marco legal. Evidente-
mente, não se pretende simplesmente investir contra uma iniciativa meritória, mas
apenas contribuir com a formação de um pensamento a respeito do assunto, que
possa frutif‌icar ao futuro aperfeiçoamento da disciplina legal, sempre indispensáveis
em um contexto de tantas mudanças tecnológicas e sociais.
2. GOVERNO DIGITAL E FEDERALISMO
A LGD é aplicável aos órgãos da administração direta de todos os poderes da
União (art. 2º, I) e à administração indireta federal (art. 2º, II), bem como aos demais
entes federados, desde que adotem os comandos da lei por meio de atos normativos
próprios (art. 2º, III), situação em que se tornam aplicáveis as normas da lei referentes
a Estados, Municípios e Distrito Federal. Ficam excluídas as empresas estatais que
não prestem serviço público (art. 2º, § 2º), o que contribui para a compreensão do
alcance temático da lei.
No tocante aos demais Poderes da União, que não o Executivo, a LGD parece
ter buscado alcançar as atividades administrativas desempenhadas por esses órgãos.
Assim, os processos judiciais e legislativos continuam regidos por leis próprias, in-
clusive no tocante à utilização da tecnologia da informação. Em relação a Estados,
Municípios e Distrito Federal, a lei opta por uma solução segundo a qual poderia
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