Realidade digital, tributação indireta e tendências internacionais: o que a blockchain tem (ou pode ter) com isso?
Autor | Dayana de Carvalho Uhdre |
Ocupação do Autor | Doutoranda pela Universidade Católica de Lisboa. Mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Membro Associada da BABEL-Blockchains and Artificial intelligence for Business, Economics and Law (Universidade de Firenze). Professora convidada em inúmeros cursos de pós-graduações. Membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/PR. ... |
Páginas | 177-200 |
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REALIDADE DIGITAL, TRIBUTAÇÃO INDIRETA
E TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS: O QUE A
BLOCKCHAIN TEM (OU PODE TER) COM ISSO?
Dayana de Carvalho Uhdre
Doutoranda pela Universidade Católica de Lisboa. Mestre em Direito pela Universidade
Federal do Paraná. Membro Associada da BABEL-Blockchains and Articial intelligence
for Business, Economics and Law (Universidade de Firenze). Professora convidada em
inúmeros cursos de pós-graduações. Membro da Comissão de Direito Tributário da
OAB/PR. Diretora Acadêmica da Comissão de Inovação e Gestão da OAB/PR. Procu-
radora do Estado do Paraná. E-mail: contato@dayanauhdre.com.br
Sumário: 1. Introdução – 2. Globalização e direito: o necessário transbordar do interno – 3. Dire-
trizes internacionais, IVA e o E-COMMERCE B2C de intangíveis: principais questões; 3.1 As regras
gerais para determinação do local de tributação nas operações B2C de suprimento de bens intan-
gíveis e serviços e métodos de arrecadação conexos: o atual estado da arte consoante as Diretrizes
Internacionais de IVA; 3.2 Um necessário passo atrás: as constatações do grupos de especialistas
no âmbito dos debates pós-conferência de Ottawa; 3.3 Um passo à frente: os insigths do relatório
nal da ação 1 do BEPS e do relatório sobre o papel das plataformas digitais da arrecadação do
IVA – 4. Conclusões: sobre como prosseguir e a “centralidade” da tecnologia nisso – 5. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A dúvida é a génese do conhecimento.1 A nossa tem por contexto o dos recentes
debates levados a efeito, aqui no Brasil, sobre a necessária reforma tributária de nosso
sistema de tributação sobre o consumo. Um dos pontos que agregam complexidade
ao sistema brasileiro é a repartição entre todos os entes federados, e consoante “ma-
terialidades” conceitualmente delimitadas, da tributação da cadeia de consumo. Ao
contrário da maioria dos países que estabeleceram um único imposto à generalidade
das operações consumeristas (qual seja o Imposto sobre o Valor Agregado), aqui
estruturamos seis tributos distintos – o IPI, PIS/Cofins, ICMS e ISS2 –, partilhados,
como dito, por todos os três entes federados.
É certo que simplificar nosso sistema de tributação indireta, com a aglutinação
desses tributos em apenas um, tal qual está em pauta nos principais projetos de
1. GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária. Fundamentos para uma Teoria da Nulidade. 2. ed. Revista e
ampliada. São Paulo: Editora Noeses, 2001, p. XXV.
2. Imposto sobre Produto Industrializado (IPI), Programa de Integração Social (PIS), Contribuição para o
Financiamento da Seguridade Social (Cofins), Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Prestação de
Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), e Imposto sobre Prestação
de Serviços em geral (ISS).
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Reforma Tributária, é medida em todo salutar, ante uma realidade cada vez mais glo-
balizada, por facilitar a harmonização do nosso sistema a tantos outros. No entanto,
e aqui reside o ponto que tem despertado nossas inquietações, será que isso seria
suficiente para tornar nosso sistema de tributação sobre o consumo mais consentâ-
neo à realidade atual? E, nosso palpite é que não. Compreendemos ser necessário
assimilar que mesmo os sistemas de tributação pelo IVA foram erigidos em realidades
analógicas, que não mais configura a ordem do dia.
Destarte, o padrão de consumo tem sofrido mudanças significativas, por inter-
médio da crescente utilização de tecnologias da informação e comunicação. Estima-se
que a participação do e-commerce no comércio varejista global tenha aumentado de
10,4% em 2017 para 14,1% em 20193. No que tange ao setor de serviços, a partici-
pação dos e-services4 nas exportações totais aumentou de 45% para 52% entre 2005
e 20195. Tal expansão do comércio electrónico tem suscitado discussões quanto à
necessidade e intensidade de adaptações dos sistemas tributários à essa realidade de
“economia digital”.6
Os questionamentos surgem principalmente em razão de as operações co-
merciais tomarem lugar em “marketplaces” globais e virtuais que, diferentemente
dos “marketplaces convencionais”, não estão constritos por limitações de espaços
geográficos nem de horário comercial. Como consequência, a localização das partes
acordantes é de somenos importância, da mesma forma que o contacto físico para
celebração do negócio e entrega dos bens ou serviços. Como nos lembra Marie
Lamensch, tais características acabam por oferecer uma relativa anonimidade aos
usuários.7.
Em suma, é a natureza potencialmente global dos e-marketplaces vis a vis a
relativa anonimidade dos usuários da Internet os principais motivos para que o co-
mércio electrónico (em sentido amplo) represente um desafio à estrutura tributária
tradicional. De um lado, os sistemas normativos estão costumeiramente baseados
em conceitos territoriais, destinados que são a serem aplicados a sujeitos fisicamente
identificáveis e ligados a uma dada jurisdição nacional (geograficamente limitada),
tornando extremamente complicado para os “e-comerciantes” estarem globalmente
em conformidade, ante a potencial multiplicidade de regulamentações nacionais que
3. LIPSMAN, Andrew. (2019) Global E-- 2019: E-commerce Continues Strong Gains Amid Global Economic
Uncertainty. eMarketer (News item). Disponível em: https://www.emarketer.com/content/global-e-com-
merce-2019.
4. O termo é utilizado aqui para se referir a serviços entregues digitalmente.
5. UNCTAD (2021). Covid-19 and e-commerce: a global review, p. 13. Dados disponíveis em: https://unctadstat.
unctad.org/wds/ReportFolders/reportFolders.aspx
6. Dentre outros vide: JOHNSON, David Reynold; POST, David G., Law and Borders – the Rise of Law in
Cyberspace. Stanford Law Review, Vol. 48, p. 1367, 1996. Disponível em: https://ssrn.com/abstract=535;
LESSIG, Lawrence. Code: And Other Laws of Cyberspace, Version 2.0. 2. ed. Basic Book, 2006; HELLERS-
TEIN, Walter. Electronic Commerce and the Challenge for Tax Administration. World Trade Organization
(2002). Seminar on Revenue Implications of E-Commerce for Development.
7. LAMENSCH, Marie. European Value Added Tax in the Digital Era: A Critical Analysis and Proposals for
Reform. IBFD Doctoral Series. Volume 36. IBFD: Amsterdam, 2015, p. 39-40.
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