Responsabilidade civil do estado na sociedade de vigilância: análise à luz da lei geral de proteção de dados - LGPD

AutorRomualdo Baptista dos Santos
Ocupação do AutorMestre e Doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo - USP, Especialista em Direito Contratual e Direito de Danos (Contratos y Daños) pela Universidade de Salamanca - USAL, Pós-doutorando em Direitos Humanos, Sociais e Difusos pela Universidade de Salamanca - USAL, autor e coautor de várias obras e artigos jurídicos. Professor...
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RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NA
SOCIEDADE DE VIGILÂNCIA: ANÁLISE À LUZ DA
LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS – LGPD
Romualdo Baptista dos Santos
Mestre e Doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo – USP, Especialista
em Direito Contratual e Direito de Danos (Contratos y Daños) pela Universidade de
Salamanca – USAL, Pós-doutorando em Direitos Humanos, Sociais e Difusos pela
Universidade de Salamanca – USAL, autor e coautor de várias obras e artigos jurídicos.
Professor convidado em cursos de pós-graduação. Ex-Procurador do Estado de São
Paulo. Advogado.
Sumário: 1. Introdução – 2. Da sociedade da informação à sociedade de vigilância – 3. Os direitos
fundamentais na sociedade de vigilância – 4. Danos que podem ocorrer em uma sociedade de
vigilância – 5. Afazeres estatais na sociedade de vigilância – 6. A responsabilidade civil estatal por
danos na sociedade de vigilância – 7. Conclusões – 8. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A sociedade atual é descrita como uma sociedade de vigilância, em que os dados
pessoais são capturados e armazenados pelas empresas de tecnologia e utilizados
para orientar estratégias e decisões mercadológicas, bem como para induzir os com-
portamentos, escolhas e decisões que as pessoas realizam a respeito de suas próprias
vidas. Consequência direta desse fenômeno é o comprometimento da privacidade e
da liberdade pessoal, que são direitos fundamentais catalogados entre as cláusulas
pétreas da Constituição.
Vários problemas podem ser relacionados à utilização dos dados pessoais, a co-
meçar pela exposição das pessoas ao assédio comercial das empresas, pela exposição
de aspectos de sua vida privada à curiosidade alheia com risco de danos para a própria
pessoa e para sua família, seguindo com o monitoramento e controle dos hábitos e
costumes das pessoas e com o direcionamento das decisões e escolhas que realizam
em suas próprias vidas. As preocupações com esses problemas deram origem a uma
legislação específ‌ica com vista a assegurar o direito à proteção de dados pessoais, a
exemplo do Regulamento Geral de Proteção de Dados, na União Europeia e da Lei
Geral de Proteção de Dados, no Brasil.
No presente estudo, pretendemos investigar a conf‌iguração e os efeitos da
sociedade de vigilância no Brasil e a disciplina da responsabilidade civil dos entes
públicos no âmbito da LGPD. Para tanto, utilizamos o método teórico dogmático,
consistente no levantamento bibliográf‌ico e legislativo a respeito do tema e recor-
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rendo eventualmente à exemplif‌icação com fatos concretos divulgados pela mídia
ou apreciados pela Justiça.
2. DA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO À SOCIEDADE DE VIGILÂNCIA
A sociedade atual pode ser descrita sob vários aspectos e receber diversas de-
nominações, a depender do ângulo de abordagem: sociedade tecnológica, sociedade
em rede, sociedade da informação, sociedade do cansaço, sociedade do espetáculo,
sociedade do risco. No momento atual, tendo em vista a problemática que cerca a
proteção de dados pessoais, o debate gira em torno dos riscos relacionados com o
avanço da tecnologia da informação, que conduzem ao que se pode chamar de so-
ciedade de vigilância.
O advento da Era Moderna é o resultado de um longo processo de ruptura com os
valores sociais, políticos e religiosos que vigoraram durante a Idade Média e tem seu
marco divisório na virada do século XVII para o século XVIII, a partir da Revolução
Francesa e da proclamação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. A
partir daquele momento iniciava-se um processo de ordenação do mundo, pautado
em um princípio racional.
A Era Moderna é marcada pelo principio de racionalidade, mas também pela
ideia de progresso, de avanço e de crescimento, que impulsiona a vida sempre em
direção ao futuro, em um processo de renovação contínua e de aperfeiçoamento
inf‌inito. Neste processo, que logo se converteria em progressismo e superlativis-
mo, a ciência e a tecnologia desempenham tarefas centrais de busca incessante
pela ef‌iciência, rapidez, velocidade, instantaneidade em todos os aspectos da
vida humana.1
Ao longo desse percurso, que ainda não se exauriu, a modernidade produziu
importantes distorções, como a concentração de riquezas nas mãos de poucas pessoas
e o consequente aprofundamento da desigualdade social, bem como a def‌lagração de
duas guerras mundiais e diversos conf‌litos locais ainda não totalmente resolvidos.
No entanto, deve-se reconhecer que o avanço da ciência e da tecnologia produziu
maravilhas em diversos setores da vida humana, tornando possível a cura de várias
doenças, o combate à fome por meio da produção de alimentos em larga escala e o
aperfeiçoamento dos meios de transportes e de comunicações.2
A partir da década de 1970, uma conf‌luência de fatores contribuiu para uma
profunda transformação das relações sociais. Um desses fatores é o surgimento da
Internet, que se tornou popular no Brasil a partir da década de 1990 e produziu uma
1. Sobre as características da modernidade, conf‌ira-se: BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Trad. Plínio
Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001, passim; BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. O direito na
pós-modernidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009, p. 33-183.
2. Idem.
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