Fundo Amazônia: Um estudo de caso da iniciativa do governo brasileiro para combater o desmatamento e seu enquadramento (ou não) no conceito de fomento

AutorGabriel Rebello Esteves Areal
Páginas297-320
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Fundo Amazônia: Um estudo de caso da iniciativa do governo brasileiro para combater o
desmatamento e seu enquadramento (ou não) no conceito de fomento
Fundo Amazônia: Um estudo de caso da
iniciativa do governo brasileiro para combater
o desmatamento e seu enquadramento
(ou não) no conceito de fomento
Gabriel Rebello Esteves Areal1
Resumo
O objetivo do presente trabalho é realizar, partindo do conceito
de fomento, um estudo de caso tendo como objeto único o Fundo
Amazônia, uma iniciativa do governo brasileiro destinada a captar
doações para aplicações não reembolsáveis em ações de preven-
ção, monitoramento e combate ao desmatamento e de promoção
da conservação e do uso sustentável das florestas na Amazônia
Legal. O gestor do Fundo é o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES), principal instituição de fomento do
Brasil. Pretende-se atestar que operações aprovadas e já contra-
tadas, pelo BNDES, por meio desta linha de apoio, estariam fora
do conceito de fomento público defendido pela doutrina. Parte
da doutrina entende que seria enquadrado como fomento o apoio
a entes públicos. Pretende-se criticar o alargamento do conceito,
que acaba tornando-o deveras abstrato, e eventualmente perden-
do o seu sentido.
Palavras-chave: Direito da Regulação. Intervenção. Estratégias
regulatórias. Fomento público. Bancos públicos.
Abstract
The objective of the present work is to carry out, based on the
concept of fomentation, a case study having as sole object the
Amazon Fund, an initiative of the Brazilian government destined
to raise donations for non reimbursable applications in actions
of prevention, monitoring and combat to deforestation and to
promote the conservation and sustainable use of forests in the
Legal Amazon. The Fund manager is the National Economic
1 Mestrando em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio; Graduado em Direito pela PUC-Rio.
Advogado do Departamento Jurídico de Saneamento e Transporte do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). E-mail: areal.gabriel@gmail.com.
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O Estado Administrativo 30 anos depois da Constituição de 1988
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and Social Development Bank (BNDES), the main development
institution in Brazil. It is intended to attest that operations approved
and already contracted by BNDES, through this line of support,
would be outside the concept of public promotion advocated by
the doctrine. Part of the doctrine understands that it would be
framed as fomenting the support to public entities. It is intended
to criticize the extension of the concept, which ends up making it
quite abstract, and eventually losing its meaning.
Keywords: Regulation. Intervention. Regulatory Strategies. Public
fostering, Public banks.
1. Introdução
O governo brasileiro apresentou, na Conferência das Partes
(COP 13)2, realizada em Bali, em 2007, no âmbito da Convenção-
-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC,
na sigla em inglês)3, o conceito do Fundo Amazônia, uma iniciativa
de financiamento de ações de Redução de Emissões Provenientes
do Desmatamento e da Degradação Florestal (REDD+4).
A criação do Fundo se deu a partir do Decreto Federal n.
6527/2008, por meio do qual o Banco Nacional de Desenvolvi-
mento Econômico e Social (BNDES) foi autorizado a criar uma
2 A Conferência das Partes (COP) é o órgão supremo da Convenção Quadro das Nações Unidas
sobre Mudança do Clima (UNFCCC), que reúne anualmente os países Parte em conferências
mundiais. Suas decisões, coletivas e consensuais, só podem ser tomadas se forem aceitas
unanimemente pelas Partes, sendo soberanas e valendo para todos os países signatários.
Disponível em:
das-partes>. Acesso em: 4 ago. 2018.
3 Durante a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada
no Rio de Janeiro em 1992, a Rio 92, representantes de 179 países consolidaram uma agenda
global para minimizar os problemas ambientais mundiais. Crescia a ideia do desenvolvimento
sustentável, buscando um modelo de crescimento econômico e social aliado à preservação
ambiental e ao equilíbrio climático em todo o planeta. Nesse cenário, foi elaborada a Convenção-
Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). Ainda na Rio 92, outras duas
convenções foram elaboradas: a Convenção sobre Diversidade Biológica e a Convenção das
Nações Unidas para o Combate à Desertificação e Mitigação dos efeitos da seca. Foi promulgada
por meio do Decreto n. 2.692/1998. Disponível em:
das-nacoes-unidas>. Acesso em: 4 ago. 2018.
4 REDD+ é um instrumento desenvolvido no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas
sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês) para recompensar financeiramente
países em desenvolvimento por seus resultados relacionados às atividades de: (i) redução
das emissões provenientes de desmatamento; (ii) redução das emissões provenientes
de degradação florestal; (iii) conservação dos estoques de carbono florestal; (iv) manejo
sustentável de florestas; e (v) aumento dos estoques de carbono florestal. Disponível em:
. Acesso em: 4 ago. 2018.
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Fundo Amazônia: Um estudo de caso da iniciativa do governo brasileiro para combater o
desmatamento e seu enquadramento (ou não) no conceito de fomento
conta específica destinada a captar doações para aplicações não
reembolsáveis em ações de prevenção, monitoramento e combate
ao desmatamento e de promoção da conservação e do uso sus-
tentável das florestas na Amazônia Legal5.
Recentemente, completaram-se dez anos da sua existência; en-
tretanto, não se tem conhecimento acerca de trabalhos acadêmicos
produzidos no mundo jurídico sobre o Fundo. Além disso, tendo em
vista que o BNDES foi escolhido como o gestor do Fundo, e por se
tratar da principal instituição de fomento do Brasil, optou-se por
realizar estudo de caso, tendo como objeto único de análise o Fun-
do e o seu enquadramento (ou não) no conceito de fomento.
Pretende-se, a partir do presente trabalho, responder às se-
guintes perguntas de pesquisa:
(i) O apoio financeiro do BNDES no âmbito do Fun-
do Amazônia pode ser enquadrado no conceito
de fomento?
(ii) A atuação do BNDES, como gestor do Fundo
Amazônia, deve se restringir a entidades privadas?
Na primeira parte do trabalho, pretende-se operacionalizar o
conceito de fomento, bem como diferenciá-lo das outras formas
de intervenção do Estado na economia, quais sejam, os serviços
públicos e o poder de polícia.
Além do conceito de fomento, é necessário explicitar a nature-
za jurídica do Fundo, pois não se trata de um fundo instituído pelo
Poder Público, mas de uma conta contábil aberta junto ao BNDES,
destinada a receber doações para aplicações não reembolsáveis
em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmata-
mento e de promoção da conservação e do uso sustentável das
florestas na Amazônia Legal.
Em seguida, pretende-se apresentar o Fundo, trazendo um
breve histórico da sua criação. Além disso, será analisado o Decreto
de criação do fundo, bem como a sua governança.
5 Originalmente, as aplicações do Fundo Amazônia estavam restritas ao bioma Amazônia.
Entretanto, por meio do Decreto n. 8773/2016, foi ampliado o escopo de atuação do fundo,
passando a abranger toda a Amazônia Legal, que corresponde à área dos estados da região
Norte (Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins), acrescidos da
totalidade do estado de Mato Grosso e dos municípios do estado do Maranhão situados a
oeste do meridiano 44º O. – Fonte: IBGE.
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Ademais, objetiva-se analisar empiricamente algumas das
operações do Fundo, levando-se em consideração o objetivo do
projeto, o tipo de ente contratado e o ritmo do desembolso dos
recursos. A análise será baseada nos informes de carteira e no re-
latório anual do Fundo Amazônia relativo ao ano de 2017, publica-
dos na sua página da internet.
Finalmente, pretende-se, a partir da análise realizada, debater
as escolhas adotadas pelo governo brasileiro acerca da ampliação
do papel do BNDES como instituição oficial de fomento. O uso dos
recursos do Fundo acaba sendo deturpado de sua finalidade pre-
cípua e servindo como substituição de fontes orçamentárias por
entes públicos. Ademais, faria mais sentido que as operações entre
entes públicos ocorressem por meio de convênios financeiros de
repasse, e não por meio do BNDES.
Hipótese:
Pretende-se apresentar, a partir da análise empírica dos dados
disponibilizados na página da internet do Fundo Amazônia6, que
operações aprovadas e já contratadas, pelo BNDES, por meio des-
ta linha de apoio, estariam fora do conceito de fomento. Pode-se
destacar, inclusive, o apoio às atividades do Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) de
fiscalização ambiental e controle do desmatamento na Amazônia
Legal. Neste caso, o BNDES não somente apoia diretamente uma
autarquia federal, ou seja, um ente público, como o escopo do pro-
jeto é voltado para o exercício do poder de polícia do Ibama.
A ampla abrangência da atividade estatal de fomento resulta
em uma dificuldade conceitual para a delimitação material de seu
campo de incidência. Além disso, o tema foi pouco estudado e a
doutrina se divide sobre a possibilidade de o fomento ocorrer en-
tre entidades de direito público.
O BNDES tem por finalidade promover o desenvolvimento
econômico e social, estando autorizado a estimular ou fomen-
tar atividades que estejam relacionadas à sua missão institu-
cional. Ocorre que o escopo do Banco deixa margem para que
6 Disponível em: . Acesso em: 4 ago. 2018.
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Fundo Amazônia: Um estudo de caso da iniciativa do governo brasileiro para combater o
desmatamento e seu enquadramento (ou não) no conceito de fomento
inúmeras atividades nele se enquadrem, causando dúvidas so-
bre a legitimidade de suas políticas. Recentemente, a atuação
do banco foi bastante questionada pela sociedade, culminando
com a instauração de comissões parlamentares de inquérito7
que objetivaram investigar suposto favorecimento a determi-
nados grupos econômicos.
Metodologia:
O estudo de caso8 como método de pesquisa foi o escolhido
para balizar o desenvolvimento do presente trabalho, tendo em
vista que não há nenhum controle sobre os eventos contempo-
râneos já ocorridos e em vias de ocorrer, relativos às operações
realizadas no âmbito do Fundo Amazônia. Trata-se de iniciativa
em andamento, com um volume considerável de recursos em cai-
xa, disponíveis para desembolso, bem como para futuros projetos.
Optou-se, no estudo de caso, como objeto único, o Fundo Amazô-
nia, pela facilidade na obtenção das informações em sua página na
internet. Além disso, conforme será demonstrado, considerando
o volume de desembolsos, a maior parte dos recursos tem sido
destinada para operações junto ao setor público.
Com relação à operacionalização do conceito de fomento, pre-
tende-se utilizar a doutrina, com destaque para a possibilidade, a
depender do autor, do alargamento do conceito de fomento, esten-
dendo sua aplicação às operações entre entes públicos. Ademais,
pretende-se criticar o alargamento do conceito, pois acaba tornan-
do-o deveras abstrato e eventualmente perdendo o seu sentido.
A análise exploratória terá como fontes a legislação de refe-
rência do Fundo, bem como os relatórios anuais, disponíveis em
sua página na internet, que compilam informações relativas ao vo-
lume de doações recebidas e à carteira de projetos (estão disponí-
veis informações relativas aos beneficiários dos contratos, valores
contratados e desembolsados).
7 Disponível em:
comissao;jsessionid=FE0777E68D209A92897FB6C93B4555F5?0&codcol=2109>. Acesso
em: 4 ago. 2018.
8 YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Tradução de Daniel Grassi. 4. ed.
Porto Alegre: Bookman, 2010. p. 26.
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Finalmente, com base nos dados analisados, pretende-se com-
provar que uma ampliação da atuação do BNDES, especificamente
no âmbito do Fundo Amazônia, pode ser considerada uma má esco-
lha discricionária. Acredita-se que uma avaliação dos projetos com o
setor público demonstrará que os recursos têm sido gastos em um
ritmo abaixo da média quando comparado com as organizações do
terceiro setor, bem como as entregas realizadas não refletirão aquilo
que fora pactuado quando da aprovação do apoio financeiro.
Justificativa:
O Fundo Amazônia é uma iniciativa inovadora para apoiar ações
de redução de emissões provenientes do desmatamento e da degra-
dação florestal (REDD+). Ocupa posição de destaque em âmbito inter-
nacional em razão da escala de suas captações, bem como pela exten-
são de sua carteira de projetos e pela transparência de suas atividades.
As primeiras doações de recursos para o Fundo Amazônia e a
aprovação dos primeiros apoios a projetos de combate ao desma-
tamento ocorreram em 2009, vários anos antes da definição das
normas internacionais sobre o financiamento de projetos voltados
à proteção de florestas em países em desenvolvimento (“paga-
mentos por resultados”), que ocorreu em 2013, durante a COP 19
(Conferência das Partes sobre Mudança do Clima), em Varsóvia,
conforme visto acima.
Convém mencionar também que o Fundo Amazônia pode ser
considerado a iniciativa do BNDES com maior visibilidade interna-
cional, destacando-se que todas as ações relacionadas ao Fundo
Amazônia estão sob constante escrutínio das diversas estruturas
de governança9 dos seus doadores.
2. O conceito de fomento público
O fomento público é uma das possibilidades indiretas de inter-
venção estatal. De acordo com José Vicente de Mendonça, fomento
“é o auxílio ao desenvolvimento e ao exercício de uma atividade
privada, tida como de interesse público, com meios públicos10”.
9 A questão da governança será mais bem explorada adiante no texto.
10 MENDONÇA, José Vicente dos Santos de. Direito constitucional econômico: a intervenção do
Estado na economia à luz da razão pública e do pragmatismo. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 352.
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Fundo Amazônia: Um estudo de caso da iniciativa do governo brasileiro para combater o
desmatamento e seu enquadramento (ou não) no conceito de fomento
A intervenção do Estado na ordem econômica pode se dar de
forma direta e indireta. Na atividade de fomento, a Administração
Pública atua indiretamente, por meio do particular. Na intervenção
econômica direta, a Administração desempenha a atividade em
nome próprio, com ou sem competição.
Segundo Célia Cunha Mello, o fomento surge a partir de um
modelo de Estado que não implique uma ruptura total com o Es-
tado liberal nem com o Estado providência, ao menos do ponto
de vista da interferência estatal. Sendo assim, surge o Estado sub-
sidiário, aquele em que a realidade predomina sobre a ideologia11.
O princípio da subsidiariedade, que legitima a intervenção do
Estado na ordem econômica, representa uma redução no protago-
nismo do poder estatal na solução das necessidades e interesses
públicos. Trazendo à baila as lições de Silvia Faber Torres, o Es-
tado deve facilitar, impulsionar e orientar a ação dos indivíduos e
entes intermédios, sem, contudo, substituí-los12. Segundo a autora,
seriam entidades intermédias, dentre outras, as cooperativas, fun-
dações, e organizações não governamentais13.
2.1 Classificação dos instrumentos de fomento
Tendo em vista que o objeto do trabalho é um estudo de caso,
não pretendemos explicitar, de modo exaustivo, a classificação
dos instrumentos de fomento. A doutrina classifica-os como hono-
ríficos, jurídicos e econômicos14.
11 MELLO, Célia Cunha. O fomento da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 9. Não
é o objetivo do presente artigo discorrer sobre a evolução do Estado. Para tanto, recomenda-se a
leitura da obra de Jacques Chevallier (CHEVALLIER, Jacques. O Estado pós-moderno. Tradução
de Marçal Justen Filho. Belo Horizonte: Fórum, 2009).
12 TORRES, Silvia Faber. Princípio da subsidiariedade no direito público contemporâneo. Rio de
Janeiro: Renovar, 2001. p. 131.
13 Ibidem. p. 124. Em que pese as discussões acerca do fomento girarem em torno da intervenção do
Estado na economia, podemos incluir uma nova categoria de fomento, que seria o de cunho social,
voltado para a promoção e incentivo de iniciativas de interesse público cujos agentes fomentados
são as entidades intermédias mencionadas anteriormente. Voltaremos a este assunto mais adiante.
14 Em resumo, a classificação seria a seguinte: (i) Honoríficos são uma espécie de recompensa
outorgada pelo poder público ao particular, em função do reconhecimento a determinado ato
ou conduta do agente. Exemplos seriam os títulos, troféus e diplomas; (ii) Jurídicos são aqueles
cujo objetivo é promover, proteger ou acentuar o desenvolvimento de atividades de interesse
público, e seu cumprimento é de responsabilidade dos particulares em razão de certas situações
jurídicas diferenciadas. Seriam benefícios ou vantagens oferecidos aos particulares; (iii) Econômicos
implicam uma vantagem patrimonial favorável ao agente fomentado. Tais meios são divididos em
reais (seria caracterizado pelo uso ou aproveitamento de um bem público, ou a prestação de um
serviço técnico colocado à disposição do particular) e financeiros (são os auxílios diretos e indiretos.
No primeiro caso se caracteriza pelo efetivo desembolso de recursos para o agente fomentado,
enquanto o segundo implica renúncia de receita pública por parte do ente fomentador).
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Os meios de fomento mais comuns são os econômicos, que
se subdividem em reais e financeiros. Todavia, concordamos com
Floriano de Azevedo Marques Neto, já que são diversos os tipos
possíveis. Esgotá-lo daria um certo caráter manualístico ao texto,
o que não é nossa intenção. A seguir, trazemos os exemplos apre-
sentados pelo referido autor:
Dentre os mais frequentes estão os benefícios fis-
cais e tributários, a política de crédito (empréstimos
e subsídios), a cessão de bens, o franqueamento
de procedimentos administrativos mais céleres (fo-
mento burocrático), o oferecimento de assistência
técnica, e tantos outros meios15.
2.2 Fomento e discricionariedade
O fomento, no ordenamento brasileiro, tem como fundamento
o art. 174, caput, da Constituição Federal, no qual o Estado, como
agente normativo e regulador da atividade econômica, exercerá,
na forma da lei16, as funções de fiscalização, incentivo e planeja-
mento, sendo este determinante para o setor público e indicativo
para o setor privado.
Alguns autores, como Marcos Juruena Villela Souto, enten-
dem que o “planejamento deve refletir a vontade eleitoral, defi-
nindo preferências de eleitores e consumidores quanto às ações
e alocação de recursos17”. O planejamento decorre de um plano
15 MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. O fomento como instrumento de intervenção
estatal na ordem econômica. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 8, n.
32, out./dez. 2010. Disponível em: .
Acesso em: 4 ago. 2018.
16 Ressalta-se que a Constituição Federal previu expressamente, em seu texto, hipóteses de
fomento, as quais o Estado teria o dever expresso de atuar como agente fomentador de
determinadas atividades econômicas e sociais. O primeiro dispositivo é o art. 23, VIII, que
prevê, dentre as obrigações comuns da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, “fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar”.
Em seguida, temos o art. 165, no qual previu que a Lei de Diretrizes Orçamentárias deve,
obrigatoriamente, estabelecer a política de aplicação das agencias financeiras oficiais
de fomento. O terceiro é o art. 213, parágrafo 2, que previu o seguinte: “As atividades de
pesquisa, de extensão e de estímulo e fomento à inovação realizadas por universidades e/ou
por instituições de educação profissional e tecnológica poderão receber apoio financeiro do
Poder Público”. Além disso, tratou do fomento à cultura nos arts. 216, parágrafo 6º, e 216-A,
parágrafo 1º, inciso III. Tratou também do fomento ao desporto no art. 217 e, finalmente, no art.
218, previu ser aos Estados e ao Distrito Federal vincular parcela de sua receita orçamentária
a entidades públicas de fomento ao ensino e à pesquisa científica e tecnológica.
17 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo regulatório. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2005. p. 101.
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Fundo Amazônia: Um estudo de caso da iniciativa do governo brasileiro para combater o
desmatamento e seu enquadramento (ou não) no conceito de fomento
de governo, elaborado pelo Poder Executivo e submetido ao
Legislativo, já que compete a esta Casa aprovar os planos e pro-
gramas nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento, de
acordo com o disposto no art. 48, IV, da Constituição Federal.
Para Juruena, uma vez aprovado o plano, o setor e/ou atividade
previstos deveriam ser fomentados à iniciativa privada por meio
de atividade vinculada, sem qualquer tipo de favorecimento que
esteja fora do contexto do planejamento, sob pena do princípio
da igualdade18.
Podemos acrescentar que a vinculação não decorre somente
da lei formal, devendo ser extraída do ordenamento jurídico. Se-
gundo Célia Cunha Mello19, o regime de estrita legalidade apresen-
ta uma fragilidade estrutural acentuada.
Por outro lado, autores20 como José Vicente de Mendonça en-
tendem que o fomento está mais próximo da discricionariedade
do que da vinculação. Entretanto, o autor enxerga problemas no
excesso de discricionariedade, especialmente quanto ao fato de
não haver critérios para a sua concessão, assim como sua intensi-
dade e duração.
2.3 Diferenças entre fomento, poder de polícia e serviço
público
O Estado, através do fomento, atua como promotor, ou incen-
tivador de determinado comportamento por parte do administra-
do, que não é compelido a adotar a conduta desejada pelo Estado.
Segundo Celia Cunha Mello21, a relação jurídico-administrativa de
fomento público forma-se com base no consentimento do agente
fomentado, que manifesta a vontade de adotar o comportamento
almejado pelo Estado.
18 Ibidem. p. 104.
19 MELLO, Célia Cunha. O fomento da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
p. 28.
20 MENDONÇA, José Vicente dos Santos de. Direito constitucional econômico: a intervenção do
Estado na economia à luz da razão pública e do pragmatismo. Belo Horizonte: Fórum, 2014.
p. 395. O autor afirma em seu livro que outros autores espanhóis, como Garrido Falla, Alberto
Olmeda e Herminio Losada defendem o caráter discricionário do fomento, mesmo que em
algumas subvenções haja elementos vinculados. No Brasil, José Vicente de Mendonça aponta
Odete Medauar e Diogo de Figueiredo Moreira Neto.
21 MELLO, Célia Cunha. O fomento da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
p. 29.
Transformações do Direito Administrativo:
O Estado Administrativo 30 anos depois da Constituição de 1988
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A principal diferença entre o fomento e o poder de polícia
está, portanto, na ausência de imperatividade (o Estado não se
coloca em nível superior em relação ao particular) e compulsorie-
dade. José Vicente de Mendonça22 pondera, corretamente, a nos-
so ver, que o agente fomentado, a partir do momento que adere
ao convite feito pelo Estado, fica obrigado a cumprir a finalidade
acordada. A título exemplificativo, se o agente toma um emprés-
timo com juros subsidiados para executar determinada finalidade
de interesse público, deve cumpri-la conforme o disposto no Con-
trato de Financiamento, sob pena de ser obrigado a devolver os
recursos acrescidos de juros e correção monetária.
Ressalta-se que Marcos Juruena Villela Souto utiliza a expres-
são “sanção positiva23” para caracterizar o fomento. Para o autor, o
“planejamento vai representar um comando seguido de uma san-
ção para se obter o atendimento desse comando”; entretanto, esta
“sanção positiva” seria na verdade um “incentivo para a atividade
prevista no comando24”.
Além disso, a atividade de fomento não dispõe de medidas
autoexecutórias, segundo Maria Herminia Moccia25. No poder de
polícia, a administração pode promover, por si mesma, indepen-
dentemente de intervenção judicial, medidas necessárias para evi-
tar um dano social ou para restabelecer a ordem pública, inclusive
através de meios de coerção.
Com relação à diferença entre fomento e serviço público, para
José Vicente de Mendonça26 o primeiro seria uma obrigação de
dar do Estado, enquanto o último seria uma obrigação de fazer,
a ser executada pela Administração ou por um ente delegatário
22 MENDONÇA, José Vicente dos Santos de. Direito constitucional econômico: a intervenção do
Estado na economia à luz da razão pública e do pragmatismo. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 356.
23 Pode-se acrescentar ao debate a opinião de Gustavo Binenbojm, que trata da chamada
regulação por normas de indução. Para o autor, existiria uma regulação por incentivos,
mas que não deveria ser confundida com o fomento público, pois neste não há o exercício
imediato do poder estatal. Para um maior aprofundamento, ver BINENBOJM, Gustavo. Poder
de polícia, ordenação e regulação. Belo Horizonte: Fórum, 2016
24 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo regulatório. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2005. p. 103-104.
25 MOCCIA, Maria Herminia P. S. Parâmetros para a utilização do fomento público econômico:
empréstimos do BNDES em condições favoráveis. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p. 61.
26 MENDONÇA, José Vicente dos Santos de. Direito constitucional econômico: a intervenção do
Estado na economia à luz da razão pública e do pragmatismo. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 356.
307
Fundo Amazônia: Um estudo de caso da iniciativa do governo brasileiro para combater o
desmatamento e seu enquadramento (ou não) no conceito de fomento
privado. Além disso, no serviço público a titularidade é administra-
ção, que o presta diretamente ou por meio de um delegatário, en-
quanto no fomento a atuação da administração é sempre indireta.
O agente fomentador não figura como titular do serviço ou da
atividade objeto do fomento. No serviço público, por outro lado,
depreende-se a partir da leitura do art. 17527 da Constituição Fe-
deral que a titularidade é do Estado, podendo prestar o serviço
diretamente ou por meio de concessão ou permissão a um ente
privado. Outra característica que diferencia o fomento do serviço
público se dá quanto ao caráter transitório do primeiro, enquanto
no último um de seus princípios é o da continuidade, já que se es-
pera, por parte do prestador do serviço público, que o mesmo não
venha a ser interrompido.
2.4 Fomento entre entes públicos
A principal discussão, na verdade, e que é a espinha dorsal do
presente trabalho, se dá quanto à possibilidade de fomento a en-
tidades públicas. A atuação do Estado, por meio do fomento, em
princípio ocorre sobre uma atividade privada, de cunho empreen-
dedor. O papel do Estado é de estimulador, ressaltando inclusive
que o particular não estaria, em um primeiro momento, obrigado a
executar tal atividade.
Importa destacar, portanto, que para José Vicente de Men-
donça, nos auxílios ocorridos entre entes da administração não há
acordo entre uma vontade pública e uma vontade privada para a
execução de atividade privada. Com efeito, há mero repasse de
recursos entre órgãos ou entidades públicas. Segue o autor:
Se o fomento é auxílio público a entidades privadas
no exercício de atividade privada de interesse públi-
co, talvez não seja fomento o caso em que entidade
pública repassa recursos ou facilita a atividade de
outro órgão ou entidade pública, porque a atividade
fomentada seria pública28.
27 Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão
ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
28 MENDONÇA, José Vicente dos Santos de. Direito constitucional econômico: a intervenção do
Estado na economia à luz da razão pública e do pragmatismo. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 359.
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Entretanto, há autores como Célia Cunha Mello, que entendem
ser possível que o ente público fomentador “conceda vantagens
e incentivos capazes de convencer outro ente público a proteger
ou promover o objeto fomentado, presentes, nesse caso, todos os
requisitos da atividade de fomento, inclusive a satisfação indireta
das necessidades públicas29”.
Em que pese a posição da autora, discordamos da sua visão, e
trazemos ao debate um ponto levantado pela própria, que é o fato
de a intervenção do Estado no domínio econômico ter como base
o princípio da subsidiariedade. Tal princípio, em conjunto com o
da proporcionalidade, consiste em um dos principais parâmetros
de incidência do fomento, devendo ser ponderados os custos e
benefícios de se restringir a liberdade de iniciativa. De acordo com
Floriano de Azevedo Marques Neto30, a intervenção estatal no do-
mínio econômico encontra limites nos referidos princípios, sem os
quais estaríamos negando a liberdade de iniciativa.
Convém ressaltar, inclusive, que o princípio da subsidiariedade
se baseia nos critérios de residualidade, eventualidade e necessi-
dade, sempre em favor das instâncias de menor abrangência or-
gânica31. Acrescente-se a isso que o eixo horizontal32 do princípio
determina que se priorize a iniciativa da sociedade ao invés da
intervenção pública.
Reconhecemos que, apesar da divergência na doutrina, os au-
xílios financeiros entre entes administrativos ocorrem na prática.
Podemos, inclusive, antecipar uma questão que será abordada pos-
teriormente no trabalho a respeito do apoio do BNDES, por meio
de diversas linhas de financiamento, aos Estados e Municípios, bem
como por meio do Fundo Amazônia, nosso estudo de caso. Desta
29 MELLO, Célia Cunha. O fomento da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p.
32. A autora traz em seu livro a posição de Garrido Falla: “A atividade fomentada não há de
ser exclusivamente privada, podendo ser desenvolvida por outros entes públicos”.
30 MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. O fomento como instrumento de intervenção
estatal na ordem econômica. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte,
ano 8, n. 32, out./dez. 2010. Disponível em:
aspx?pdiCntd=70679>. Acesso em: 4 ago. 2018.
31 Cf: GABARDO, Emerson. Interesse público e subsidiariedade. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 212.
32 A doutrina divide o princípio em seus eixos horizontal e vertical, sendo este uma regra
de definição de competências entre o Estado e as regiões ou entre o Estado e uma união
comunitária. Ressalta-se, inclusive, que tal princípio serviu como um dos fundamentos para a
criação da União Europeia.
309
Fundo Amazônia: Um estudo de caso da iniciativa do governo brasileiro para combater o
desmatamento e seu enquadramento (ou não) no conceito de fomento
forma, apresentamos a posição de José Vicente de Mendonça33, que
denomina este tipo de operação como um auxílio interadministra-
tivo. De acordo com o autor, não seria adequado chamar este tipo
de operação de fomento, pois seria necessário alargar em demasia a
definição do conceito em tela. Para o autor, “existem traços do regi-
me jurídico do fomento em sua administração, em especial a união
dos esforços e a cooperação em prol de objetivo comum”.
Outro exemplo a respeito desta polêmica pode ser o apresenta-
do por Maria Herminia Moccia que, partindo da opinião de José Vi-
cente de Mendonça e Jordana de Pozas, afirma que as verbas do Pro-
grama de Aceleração do Crescimento (PAC), criado em 2007 pela
Lei n. 11575, de 26/11/2007, destinadas aos demais entes da federa-
ção, não poderiam ser catalogadas como atividade de fomento, pois
na verdade cuidam de transferência de recursos financeiros pelos ór-
gãos e entidades da União aos órgãos e entidades dos Estados, Dis-
trito Federal e Municípios para a execução de ações que integram o
aludido Programa. As ações, por sua vez, são discriminadas por meio
de edição de Decreto, abrangendo as áreas prioritárias pelo gover-
no, destacando-se o investimento em infraestrutura em áreas como
saneamento, habitação, transporte, energia e recursos hídricos, entre
outros. A autora procura ressaltar, inclusive, que o fomento público
está compreendido como o auxílio público a entidades privadas, no
exercício de atividade privada de interesse público34.
2.5 O fomento como instrumento de regulação
Em primeiro lugar, não se deve confundir fomento com regulação
econômica e social. Conforme Maria Herminia Moccia35, este último
conceito é mais amplo, pois abrange a criação, fiscalização e aplicação
da norma, podendo induzir comportamentos, mas nem toda regula-
ção se faz por meio da atividade de fomento. José Vicente de Mendon-
ça36 defende, inclusive, que o fomento seria uma técnica de regulação.
33 MENDONÇA, José Vicente dos Santos de. Direito constitucional econômico: a intervenção do
Estado na economia à luz da razão pública e do pragmatismo. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 361.
34 MOCCIA, Maria Herminia P. S. Parâmetros para a utilização do fomento público econômico:
empréstimos do BNDES em condições favoráveis. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p. 58-59.
35 Ibidem. p. 65.
36 MENDONÇA, José Vicente dos Santos de. Direito constitucional econômico: a intervenção do
Estado na economia à luz da razão pública e do pragmatismo. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p.
365. Segundo o autor, “todo fomento é regulador, mas nem toda regulação é fomento”.
Transformações do Direito Administrativo:
O Estado Administrativo 30 anos depois da Constituição de 1988
310
O fomento, de acordo com Marcos Juruena Villela Souto37, seria
uma das principais técnicas de regulação. Haveria, segundo o autor,
uma tendência a incentivar investimentos privados em determina-
dos setores contemplados pelas políticas públicas. Acrescenta-se,
ainda, que se trata, segundo o autor, “de uma regulação executiva,
normalmente implementada pelas agências oficiais de fomento, in-
fluenciando, assim, a eficiência na alocação de recursos”.
Além disso, para José Vicente de Mendonça38, existiria uma
íntima relação entre o planejamento e o fomento. Para o autor,
“o planejamento estatal é o antecedente necessário do fomento”.
A atividade a ser fomentada deve estar inserida dentro de uma
programação que, conforme o autor, denomina-se planejamento.
Convém destacar que, nos termos do art. 174, da Constituição Fe-
deral, o planejamento é determinante para o setor público.
Portanto, a falta de planejamento pode provocar distorções
desnecessárias, muitas vezes fomentando excessivamente setores
que não dependeriam mais de apoio estatal, como também pode-
ria provocar a má utilização das instituições de fomento. Tratare-
mos deste assunto mais adiante.
3. O Fundo Amazônia
O Decreto n. 6.527/2008 autorizou, em seu art. 1º, a criação,
pelo BNDES, de conta específica denominada Fundo Amazônia,
destinada a captar doações para aplicações não reembolsáveis em
ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento
e de promoção da conservação e do uso sustentável das florestas
na Amazônia Legal39. Convém ressaltar que o Fundo não dispõe de
personalidade jurídica, havendo sido criado pelo próprio BNDES
como uma conta contábil. Destaca-se, ainda, que cabe ao Banco
representar o Fundo judicial e extrajudicialmente, nos termos do art.
1º, parágrafo 5º, do referido Decreto.
37 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo regulatório. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2005. p. 104.
38 MENDONÇA, José Vicente dos Santos de. Direito constitucional econômico: a intervenção do
Estado na economia à luz da razão pública e do pragmatismo. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 366.
39 Os eixos de atuação do fundo estão previstos no art. 1º do Decreto n. 6527/2008, e estão a seguir
elencados: (i) gestão de florestas públicas e áreas protegidas; (ii) controle, monitoramento e
fiscalização ambiental; (iii) manejo florestal sustentável; (iv) atividades econômicas desenvolvidas
a partir do uso sustentável da vegetação; (v) Zoneamento Ecológico e Econômico, ordenamento
territorial e regularização fundiária; (vi) conservação e uso sustentável da biodiversidade; e (vii)
recuperação de áreas desmatadas.
311
Fundo Amazônia: Um estudo de caso da iniciativa do governo brasileiro para combater o
desmatamento e seu enquadramento (ou não) no conceito de fomento
Primeiramente, importa afirmar que a utilização da terminolo-
gia “fundo” não é a mais adequada, já que se trata apenas de conta
contábil aberta junto ao BNDES. Entretanto, o próprio banco se
utiliza da expressão, explicitada em seu Estatuto Social, aprovado
pelo Decreto n. 4.418/2002: o art. 29 autoriza a destinação de re-
cursos para a constituição de fundos específicos (art. 2940), para
ações passíveis de apoio pelo banco, em especial aquelas previs-
tas no art. 9º, V41, do Estatuto.
Destacamos que o Fundo Amazônia não é um fundo público,
como, por exemplo, o Fundo Nacional de Meio Ambiente42, tendo
em vista que o último depende de lei para ser criado. Acrescenta-
mos, ainda, que o Fundo Amazônia não possui previsão de dotação
orçamentária do orçamento geral da União no rol de suas fontes
de recursos. Na verdade, os recursos que integram o patrimônio43
do Fundo Amazônia são provenientes de doações e remunerações
líquidas da aplicação de suas disponibilidades.
3.1 A governança e a gestão do Fundo Amazônia
Além da gestão pelo BNDES, o Fundo Amazônia conta com os
seguintes comitês: o Comitê Técnico do Fundo Amazônia (CTFA)44 é
40 Art. 29. O BNDES poderá destinar recursos para a constituição de fundos específicos que
tenham por objetivo precípuo apoiar, em conformidade com o regulamento aprovado pela
Diretoria, o desenvolvimento de iniciativas concernentes aos estudos, programas e projetos
de que tratam os incisos IV, V e VI do caput do art. 9º.
Parágrafo único. Os fundos a que se refere o caput deste artigo serão constituídos de:
I – dotações consignadas no orçamento de aplicações do BNDES, correspondentes a até
dez por cento do seu lucro líquido no ano anterior e limitadas a um e meio por cento do
seu patrimônio líquido deduzido o saldo de ajuste de avaliação patrimonial, proveniente de
ganhos e perdas não realizados, apurados pela avaliação a mercado dos títulos e valores
mobiliários classificados na categoria “títulos disponíveis para venda”; e II – doações e
transferências efetuadas ao BNDES para as finalidades previstas no caput. [...]” (grifamos)
41 “Art. 9º O BNDES poderá também:
[...]
V efetuar aplicações não reembolsáveis, destinadas especificamente a apoiar projetos,
investimentos de caráter social, nas áreas de geração de emprego e renda, serviços urbanos,
saúde, educação e desportos, justiça, alimentação, habitação, meio ambiente, recursos
hídricos, desenvolvimento rural e outras vinculadas ao desenvolvimento regional e social, bem
como projetos de natureza cultural, observadas as normas regulamentares expedidas pela
Diretoria; [...]” (grifamos)
42 Criado pela Lei Federal n. 7.797/1989.
43 Para mais informações a respeito das doações realizadas, pode-se consultar o seguinte endereço
eletrônico: . Acesso em: 4
ago. 2018.
44 O CTFA é composto por seis especialistas de ilibada reputação e notório saber técnico-
científico, designados pelo Ministério do Meio Ambiente, após consulta ao Fórum Brasileiro
de Mudanças Climáticas, para mandato de três anos, prorrogável uma vez por igual período.
Transformações do Direito Administrativo:
O Estado Administrativo 30 anos depois da Constituição de 1988
312
incumbido de atestar a redução das Emissões de Carbono Oriundas
de Desmatamento (ED)45. O Comitê Orientador do Fundo Amazô-
nia (COFA)46, por outro lado, é o comitê que tem a atribuição de
verificar a aderência das iniciativas do Fundo Amazônia ao Plano
de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal
(PPCDAM)47 e à Estratégia Nacional para Redução das Emissões de
Gases de Efeito Estufa Provenientes do Desmatamento e da Degra-
dação Florestal, Conservação dos Estoques de Carbono Florestal,
Manejo Sustentável de Florestas e Aumento de Estoques de Car-
bono Florestal (ENREDD+)48, bem como determinar as diretrizes e
critérios de aplicação dos recursos do Fundo Amazônia, conforme
previsto no art. 4º, parágrafo 2º do Decreto.
Conforme dispõe o art. 1º, parágrafo 5º, do Decreto, cabe ao
BNDES representar o Fundo Amazônia judicial e extrajudicialmente.
45 Conforme dispõe o art. 2º, parágrafos 4º e 5º, do Decreto, o Ministério do Meio Ambiente
define, anualmente, os limites de captação de recursos, usando como critérios a redução
efetiva de EDs, e o valor equivalente de contribuição, por tonelada reduzida de ED, expresso
em reais por tonelada de carbono.
46 Trata-se de um comitê tripartite, formado por três blocos: governo federal, governos
estaduais e sociedade civil. Cada bloco tem direito a um voto nas deliberações. Cada membro
tem direito a um voto dentro de seu bloco. Disponível em:
br/pt/fundo-amazonia/governanca/COFA/>. Acesso em: 4 ago. 2018.
47 A principal referência para o apoio do Fundo Amazônia é o Plano de Prevenção e Controle do
Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). Criado em 2004, o PPCDAm é um plano tático-
operacional fundamentado no diagnóstico periódico sobre a extensão, a dinâmica e os vetores
do desmatamento e executado em coordenação com mais de uma dezena de Ministérios. Nesse
plano foram apontadas, dentre outras, as seguintes causas do desmatamento na Amazônia: (i)
Expansão da agropecuária, impulsionada pela crescente demanda por commodities no mercado
globalizado; (ii) Impunidade dos ilícitos ambientais devido à baixa capacidade dos órgãos
governamentais de fiscalizar e punir em um território de dimensões continentais; (iii) Existência
de terras públicas não destinadas e baixa segurança jurídica quanto aos títulos de propriedade
imobiliária na região, o que enseja ocupação extralegal de terras públicas, conflitos de terras e
desestímulo a investimentos privados; e (iv) Baixa atratividade econômica em manter a floresta
em pé, decorrente da falta de infraestrutura econômica adequada e de incentivos para promover
as cadeias produtivas sustentáveis. Disponível em:
item/616-prevenção-e-controle-do-desmatamento-na-amazônia>. Acesso em: 4 ago. 2018.
48 A Estratégia Nacional para REDD+ (ENREDD+) é o documento que formaliza, perante a sociedade
brasileira e os países signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do
Clima (UNFCCC, na sigla em inglês), como o governo federal tem estruturado esforços e como
pretende aprimorá-los até 2020, com enfoque em ações coordenadas de prevenção e controle
do desmatamento e da degradação florestal, a promoção da recuperação florestal e o fomento ao
desenvolvimento sustentável. A partir das definições da Conferência de Varsóvia em 2013 (COP-
19), concluiu-se o marco legal para REDD+ na UNFCCC, consagrando o sistema de pagamento
por resultados, que reproduz a sistemática já adotada pelo BNDES, no âmbito do Fundo
Amazônia, para a captação de recursos. Nesse contexto, o BNDES foi considerado elegível, por
meio do Fundo Amazônia, para acesso a pagamentos por resultados de REDD+ alcançados pelo
Brasil e reconhecidos pela UNFCCC, conforme art. 8-A do Decreto n. 8.773/2016, que promoveu
alteração no Decreto n. 6.527/2008, respeitadas as particularidades do Fundo Amazônia quanto
às atribuições de captação de recursos e sua governança com o COFA e o CTFA. Disponível em:
. Acesso em: 4 ago. 2018.
313
Fundo Amazônia: Um estudo de caso da iniciativa do governo brasileiro para combater o
desmatamento e seu enquadramento (ou não) no conceito de fomento
Além disso, o banco responde pela captação de doações, pela análi-
se, aprovação e contratação de projetos e também pelo acompanha-
mento, monitoramento e prestação de contas. Anualmente, o BNDES
contrata serviços de auditoria49 externa para verificar a correta apli-
cação dos recursos.
Convém esclarecer que a aplicação dos recursos do Fundo
Amazônia está sujeita ao controle e avaliação dos órgãos de fisca-
lização e controle que monitoram o próprio BNDES, por se tratar
de empresa pública integrante da Administração Pública Indireta
Federal. Desta forma, tanto o Tribunal de Contas da União como
a Controladoria Geral da União podem fiscalizar a atuação do BN-
DES na gestão do Fundo Amazônia.
3.2 A carteira de projetos do Fundo Amazônia
De junho de 2009 a outubro de 201850, o Fundo Amazônia
aprovou colaboração financeira a 102 projetos, no valor total de
R$ 1.860 milhões. Desses projetos, 96 já receberam recursos do
Fundo Amazônia, totalizando R$ 1.011 milhões já desembolsados.
A seguir, o conjunto de gráficos mostra uma visão geral da
evolução anual da carteira do Fundo.
49 Conforme o disposto no art. 7º do Decreto n. 6.527/2008.
50 Disponível em:
informe-de-carteira/2018_10_Informe-da-Carteira-Fundo-Amazonia.pdf>. Acesso em: 4 ago. 2018.
Transformações do Direito Administrativo:
O Estado Administrativo 30 anos depois da Constituição de 1988
314
Cabe destacar, também, que a carteira do fundo é caracteri-
zada pelas diferentes naturezas jurídicas dos responsáveis pelos
projetos, conforme ilustrado a seguir:
Fonte: Fundo Amazônia51.
Conforme se verifica nos quadros anteriores, há um maior nú-
mero de projetos cujos contratados são as entidades do terceiro
setor. Entretanto, quando se verifica o valor do apoio financeiro,
percebe-se que os recursos se concentram nas entidades do se-
tor público.
Enfatizamos que a intenção do presente trabalho não é avaliar
o desempenho do Fundo Amazônia, mas demonstrar que o fundo
não representa, na sua essência, um instrumento de fomento, por
apoiar entes públicos, e como principais focos projetos voltados
para o eixo de monitoramento e controle. Com efeito, a partir de
informações obtidas no Relatório de Atividades do Fundo relativo
ao ano de 2017, verifica-se que o referido eixo de atuação repre-
senta 46%52 do valor da carteira de projetos do Fundo.
Dentre os projetos voltados para o eixo monitoramento e con-
trole, podemos destacar o apoio à implementação do Cadastro
51 Disponível em:
informe-de-carteira/2018_10_Informe-da-Carteira-Fundo-Amazonia.pdf>. Acesso em: 4 ago. 2018.
52 Ver Relatório de Atividades 2017, p. 70: Disponível em:
export/sites/default/pt/.galleries/documentos/rafa/Book_RAFA2017_PORT_27jun18_WEB.pdf>.
Acesso em: 4 ago. 2018.
315
Fundo Amazônia: Um estudo de caso da iniciativa do governo brasileiro para combater o
desmatamento e seu enquadramento (ou não) no conceito de fomento
Ambiental Rural53 aos estados brasileiros54. Os projetos de CAR
preveem o apoio direto ao cadastramento de imóveis rurais de
até quatro módulos fiscais55, bem como a análise e validação dos
cadastros. Além disso, os Estados contam com o apoio do Fundo
para a aquisição de materiais de escritório e reformas na infraes-
trutura das Secretarias de Meio Ambiente.
Em consulta realizada na página do Fundo na internet, a títu-
lo exemplificativo, optou-se por apresentar dois projetos, sendo o
primeiro contratado com um Estado e o outro contratado com a
União Federal. Passamos a discorrer a seguir:
Programa Municípios Verdes56: operação junto ao estado do
Pará. O contrato com o BNDES foi assinado em 26/05/2014, e o
valor do apoio do Fundo Amazônia é de R$ 82.378.560,00. Desta-
camos a seguir algumas das atividades apoiadas:
Foram adquiridas imagens de satélite de alta re-
solução, permitindo ao Pará o monitoramento do
desmatamento e focos de queimadas com maior
precisão, resultando na emissão de boletins munici-
pais mais ágeis e completos aos órgãos locais para
a Verificação do Desmatamento em Campo (VDC).
O projeto avançou na estruturação de 34 municí-
pios com a cessão de kits de fiscalização (veículo
4x4, GPS, máquina fotográfica e notebook) e mais
86 municípios com 344 computadores e no-breaks.
Foram capacitados 167 técnicos em Licenciamento
Ambiental Rural e 99 técnicos em VDC, alcançando,
respectivamente, 62 e 45 municípios.
53 Conforme dispõe o art. 29 da Lei n. 12.651/2012 (O novo Código Florestal), o CAR é “um
registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a
finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo
base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e
combate ao desmatamento”.
54 De acordo com o art. 1º, § 1º, do Decreto n. 6.527/2008, “poderão ser utilizados até vinte por
cento dos recursos do Fundo Amazônia no desenvolvimento de sistemas de monitoramento
e controle do desmatamento em outros biomas brasileiros e em outros países tropicais”.
55 O apoio do Fundo Amazônia ao CAR tem como foco o cadastramento de pequenas
propriedades ou posses rurais familiares (até 4 módulos fiscais), incluindo assentamentos de
reforma agrária e comunidades tradicionais que façam uso coletivo do seu território.
56 Disponível em: .
Acesso em: 4 ago. 2018.
Transformações do Direito Administrativo:
O Estado Administrativo 30 anos depois da Constituição de 1988
316
Conforme se verifica, trata-se de um projeto voltado para o
exercício do poder de polícia do estado do Pará, que recebeu um
volume considerável de recursos do Fundo Amazônia, e alguns
dos itens apoiados podem ser enquadrados como despesas cor-
rentes57. Convém ressaltar, contudo, que o Fundo Amazônia não
permite o pagamento “de salários ou qualquer tipo de remunera-
ção a agentes públicos, tais como servidores, empregados públi-
cos ou qualquer pessoa que esteja no exercício de função pública
nas três esferas de governo58”.
Profisc I-B59: trata-se de operação recentemente contrata-
da com o BNDES. O beneficiário do contrato é o Instituto Bra-
sileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama), e a formalização ocorreu em 06/06/2018. O projeto
é uma continuidade do apoio anterior do Fundo Amazônia à
autarquia e visa a garantir as ações de fiscalização do Ibama,
com orçamento total previsto de R$ 140.264.000,00 oriundos
do Fundo Amazônia. Consistiu, basicamente, no pagamento de
aluguel de aeronaves e viaturas para que fossem realizadas as
operações de fiscalização pelo Ibama. Com relação ao projeto
em tela, não há o que se questionar quanto à sua finalidade
que não seja o apoio ao exercício do poder de polícia por uma
autarquia federal, por meio de um contrato assinado com uma
instituição federal de fomento.
Conforme mencionado anteriormente, o maior número de
projetos está concentrado junto ao terceiro setor. As ações estão
voltadas ao eixo denominado “produção sustentável” e costumam
57 Despesas correntes, de acordo com o glossário do Ministério do Planejamento, são despesas
de custeio de manutenção das atividades dos órgãos da administração pública, como por
exemplo: despesas com pessoal, juros da dívida, aquisição de bens de consumo, serviços de
terceiros, manutenção de equipamentos, despesas com água, energia, telefone etc. Estão
nesta categoria as despesas que não concorrem para ampliação dos serviços prestados pelo
órgão, nem para a expansão das suas atividades. Disponível em: < http://portal.convenios.
gov.br/ajuda/glossario/despesa-corrente>. Acesso em: 4 ago. 2018.
Além disso, prevê o art. 12, § 1º, da Lei n. 4.320/64, o seguinte: “Classificam-se como Despesas
de Custeio as dotações para manutenção de serviços anteriormente criados, inclusive as
destinadas a atender a obras de conservação e adaptação de bens imóveis”.
58 Disponível em: http://www.fundoamazonia.gov.br/export/sites/default/pt/.galleries/documentos/
diretrizes_criterios/2017_2018_Diretrizes_e_Focos_junho18.pdf. Acesso em: 4 ago. 2018.
59 Disponível em: http://www.fundoamazonia.gov.br/pt/projeto/Profisc-I-B/. Acesso em: 4 ago.
2018.
317
Fundo Amazônia: Um estudo de caso da iniciativa do governo brasileiro para combater o
desmatamento e seu enquadramento (ou não) no conceito de fomento
envolver comunidades tradicionais60 como ribeirinhos, indígenas,
quilombolas e agricultores familiares. Optou-se por apresentar a
descrição de somente um projeto, tendo em vista o elevado nú-
mero de operações na carteira do Fundo, e a relativa similaridade
entre os projetos:
Alto Juruá61: Trata-se de projeto contratado com a Associação
Ashaninka do Rio Amônia62, contratado em 16/04/2015, no valor
de R$ 6.597.581,00. Os objetivos do projeto são aplicar os recur-
sos em ações de capacitação dos indígenas, investimentos em es-
truturas produtivas voltadas para o uso sustentável da floresta,
dentre outras atividades. Destaca-se o ritmo mais acelerado de
implementação do projeto quando comparado ao setor público. A
operação em tela encontra-se em fase de realização dos gastos da
última parcela desembolsada, o que ocorreu em 25/05/2018, com
previsão de conclusão até o final do ano corrente.
Verifica-se, a partir da breve descrição de algumas das ope-
rações apoiadas pelo Fundo Amazônia, que existem dois cenários,
bastante antagônicos entre si. De um lado há o setor público, lento
e ineficiente, com um montante considerável de recursos aprova-
dos e contratados, mas que não são desembolsados a contento; e
do outro lado há os projetos com o terceiro setor, em que há um
número maior de operações e com um ritmo de desembolso mais
acelerado quando comparado ao setor público. Todavia, trata-se
de operações muito menores em termos de montantes contrata-
dos, condizentes com os perfis das referidas entidades63.
Em outras palavras, há um eixo do Fundo Amazônia que pode
ser enquadrado no conceito de fomento social, no qual há pouca
60 Conforme o disposto no art. 3º, I, do Decreto n. 6.040/2007, comunidades tradicionais são
grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas
próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como
condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando
conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição.
61 Disponível em: . Acesso em: 4
ago. 2018.
62 Trata-se de entidade representante dos habitantes da terra indígena (“TI”) Kampa do Rio
Amônia, situada no município de Marechal Thaumaturgo, fronteira com o Peru e vizinha da
reserva extrativista do Alto Juruá.
63 Ressalta-se que na última revisão das diretrizes e critérios aplicáveis aos projetos do Fundo
Amazônia, aprovadas em 2017, foi aprovada a inclusão de empresas como potenciais
entidades a tomar recursos no âmbito do Fundo. Entretanto, ainda não foi apresentado
nenhum projeto com este perfil de proponente até o presente momento.
Transformações do Direito Administrativo:
O Estado Administrativo 30 anos depois da Constituição de 1988
318
margem de dúvidas. Segundo Maria Herminia Moccia64, na área
do fomento social as atividades voltadas para saúde, educação,
esporte, cultura, dentre outras, são áreas da atividade econômi-
ca que, quando desenvolvidas pela iniciativa privada, autorizam
diversas formas de concessão por parte do Estado. Pode-se es-
tender este entendimento às atividades produtivas sustentáveis
apoiadas com recursos do Fundo Amazônia, na nossa visão, de
cunho socioambiental.
Por outro lado, quando se analisam as operações com entes
públicos, adentra-se uma zona de incerteza, difícil de ser enqua-
drada no conceito de fomento. Todavia, em que pese a discussão
na doutrina, o fato é que, na nossa opinião, tais operações são, na
prática, auxílios interadministrativos, para usarmos a expressão de
José Vicente de Mendonça65. De acordo com o autor, tais auxílios
deveriam ser operacionalizados por meio de convênios financeiros
de repasse, e não seria adequado chamar este tipo de operação
como fomento, pois seria necessário alargar em demasia a defini-
ção do conceito em tela. Fomento, segundo o autor, é a atividade
pública de apoio à iniciativa privada, quando esta desenvolve ati-
vidades de interesse social66.
Finalmente, importa ponderar ser compreensível que os en-
tes públicos acessem o Fundo Amazônia, por dois motivos: o pri-
meiro deles poderia ser denominado de vício de origem, pois na
concepção do Fundo e a consequente aprovação do Decreto n.
6.527/2008, já estava prevista a possibilidade de apoio para ações
de monitoramento e controle, conforme mencionado anteriormen-
te. O segundo motivo nos remete à grave crise fiscal enfrenta-
da mais recentemente pelo governo federal. Entretanto, mesmo
em um cenário anterior à crise nunca houve uma priorização, por
parte dos governos, quanto à pauta ambiental. Pode-se, inclusive,
conjecturar um efeito perverso do Fundo Amazônia nesta seara, já
que se trata de recursos a fundo perdido, não sendo uma operação
de crédito, mas uma doação modal.
64 MOCCIA, Maria Herminia P. S. Parâmetros para a utilização do fomento público econômico:
empréstimos do BNDES em condições favoráveis. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p. 150.
65 MENDONÇA, José Vicente dos Santos de. Direito constitucional econômico: a intervenção do
Estado na economia à luz da razão pública e do pragmatismo. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 361.
66 Ibidem. p. 369.
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Fundo Amazônia: Um estudo de caso da iniciativa do governo brasileiro para combater o
desmatamento e seu enquadramento (ou não) no conceito de fomento
4. Conclusão
Conforme foi trabalhado ao longo do presente artigo, procu-
rou-se apresentar o Fundo Amazônia, trazendo um breve histórico
da sua criação, que foi apresentado pelo Governo brasileiro, no
âmbito internacional, como uma iniciativa inovadora no combate
ao desmatamento.
Ademais, procurou-se analisar algumas das operações do
Fundo, verificando-se que há um maior montante aplicado às
operações com o setor público, voltadas para o exercício do po-
der de polícia.
Desta forma, identificou-se que não seria adequado denomi-
nar tais operações como fomento, pois seria necessário alargar em
demasia a definição do conceito em tela, em que pese o veículo
utilizado ser o BNDES, que talvez seja a maior instituição oficial de
fomento no Brasil.
Ressalta-se que não há a pretensão de se exaurir o tema, mas
trazer à luz esta polêmica67, podendo afirmar, contudo, que os
questionamentos levantados pela sociedade a respeito da atua-
ção das estatais decorrem em razão da falta de planejamento, ou
de um planejamento inadequado. Entretanto, trata-se de uma das
principais condições do fomento público.
Portanto, entendemos ser salutar uma revisão dos normati-
vos do Fundo, de modo que o seu apoio se restrinja aos entes
privados, quais sejam, organizações do terceiro setor e empre-
sas. Tais entidades estariam mais bem capacitadas, em tese, para
utilizar os recursos com uma eficiência maior, ou seja, com um
maior controle dos gastos, e em um menor intervalo de tempo de
execução do projeto.
67 Em evento recente com o objetivo de se comemorar os 10 anos de existência do Fundo
Amazônia, realizado na Noruega, muitos elogios foram feitos ao desempenho do Fundo.
Todavia, convém destacar uma das críticas proferidas por uma das principais ambientalistas
do Brasil, Adriana Ramos, coordenadora do Instituto Socioambiental: “O fundo avançou
bastante, consegue reconhecer as populações locais como beneficiárias, mas teve uma
estratégia de investir em projetos governamentais que canalizou muito recursos para ações
que deveriam ser financiadas pelo orçamento público”.Disponível em: https://www1.folha.uol.
com.br/ambiente/2018/06/fundo-para-proteger-amazonia-faz-10-anos-em-meio-a-elogios-
e-ressalvas.shtml. Acesso em: 4 ago. 2018.
Transformações do Direito Administrativo:
O Estado Administrativo 30 anos depois da Constituição de 1988
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Janeiro: Lumen Juris. 2015.
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Janeiro: Lumen Juris, 2002.
TORRES, Silvia Faber. Princípio da subsidiariedade no direito público
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Grassi. 4. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010.

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