Trinta anos de controle da Administração Pública: À espera de um giro de eficiência

AutorAnna Carolina Migueis Pereira
Páginas28-61
Transformações do Direito Administrativo:
O Estado Administrativo 30 anos depois da Constituição de 1988
28
Trinta anos de controle da Administração
Pública: À espera de um giro de eficiência1
Anna Carolina Migueis Pereira2
Resumo
O presente artigo tem por objetivo realizar uma análise sobre a
evolução do controle da Administração Pública brasileira ao longo
dos trinta anos de vigência da Constituição de 1988 e, com isso,
identificar possíveis pontos de persistência de ineficiências na
atividade de controle da Administração Pública. Embora tenham
ocorrido nos últimos anos conquistas consideráveis no combate
à corrupção, parece haver, ainda, lugar para avanços na seara da
eficiência do controle administrativo. Pretende-se investigar quais
seriam estes espaços e, assim, contribuir para o aprimoramento
do próprio controle e, por consequência, da gestão administrativa.
Propõe-se, para tanto, a superação da visão meramente punitivista
de que ao controlador caberia apenas “vigiar e punir”3 o gestor
público, passando-se a uma abordagem mais colaborativa e, ao
mesmo tempo, mais realista e pragmática por parte das instâncias
de controle, em sintonia com os ideais do pragmatismo jurídico.
Palavras-chave: Direito Administrativo. Controle da Administração
Pública. Pragmatismo. Eficiência. Lei de Introdução às Normas do
Direito Brasileiro (LINDB). Lei nº 13.655/2018.
Abstract
This article aims to analyze the evolution of the control of
Brazilian Public Administration through the thirty years of the
Constitution of 1988 and, with this, identify possible points where
1 O título parafraseia a expressão “giro empírico-pragmático” utilizada por Gustavo Binenbojm
para se referir às transformações da Administração Pública brasileira (BINENBOJM, Gustavo.
Uma teoria de direito administrativo. Direitos fundamentais, democracia e constitucionalização.
3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2013.
2 Doutoranda e Mestre em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Professora Convidada da Pós-Graduação e de Cursos de Extensão da Fundação Getúlio
Vargas (FGV) Direito Rio e do Programa de Pós-Graduação Lato Sensu da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. Procuradora do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: annacmigueis@
gmail.com.
3 Referência à homônima obra ontológica de FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da
violência nas prisões. Tradução de Raquel Ramalhete. 41. ed. Petrópolis: Vozes, 2013.
29
Trinta anos de controle da Administração Pública: À espera de um giro de eficiência
the inefficiencies persist in the activity of controlling the Public
Administration. Even though it is possible to point out considerable
achievements in recent years when it comes to the struggle against
corruption, there still seems to exist room for progress in the area
of efficiency of the administrative control. The intention here is
to investigate what these spaces would be and, thus, contribute
to the improvement of the control and, consequently, of the
administrative management. Therefore, our proposal goes through
overcoming the merely punitive view that exists nowadays, which
imposes that the controller should only “monitor and punish” the
public manager, moving to a more collaborative and at the same
time more realistic and pragmatic approach by part of the control
instances, in line with the ideals of legal pragmatism.
Key Words: Administrative Law. Control of Administrative Action.
Pragmatism. Efficiency. Introduction to the Brazilian Legal System
Act. Law #13,655/2018.
1. Introdução
Os órgãos de controle da Administração Pública surgem e
se fortalecem em contextos de desconfiança democrática, ten-
do como objetivo garantir que agentes políticos eleitos por meio
do processo eleitoral majoritário mantenham suas promessas de
campanha e pressioná-los para atuar na direção do interesse da
coletividade4.
No ano do trigésimo aniversário da Constituição de 1988, o atual
contexto brasileiro, após o descortinamento do modus operandi
da política tradicional do país pela Operação Lava Jato e todos os
seus desdobramentos, tem, indubitavelmente, contribuído para o
fortalecimento dos órgãos de controle e da democracia vigiada
(watchdog democracy) – muito embora nem sempre essa fisca-
lização de fato resulte em um combate efetivo à ineficiência ad-
ministrativa e à própria corrupção. Apesar dos evidentes avanços
4 Pierre Rosanvallon assevera que essa desconfiança do processo democrático expressa-se de
três maneiras, que, em conjunto, formam o que o autor denomina contrademocracia: poderes
de vigilância (la surveillance ou powers of oversight); formas de obstrução (l’empêchement
ou forms of prevention) e submissão a julgamentos (le jugement ou testing of judgement).
(ROSANVALLON, Pierre. Counter-democracy: Politics in an Age of Distrust. Tradução de
Arthur Goldhammer. New York: Cambridge University Press. 2008).
Transformações do Direito Administrativo:
O Estado Administrativo 30 anos depois da Constituição de 1988
30
recentes neste último ponto, ainda há muito em que se avançar,
como se pretende demonstrar ao longo deste artigo.
Os órgãos de controle têm, assim, se mostrado parte importan-
te no fortalecimento das instituições no país e podem representar
relevante foco de resistência democrática tanto no enfrentamento
da corrupção quanto, de forma mais ampla, frente a tentativas de
avanço autoritário que têm sido observadas em diversas partes do
mundo5 – inclusive no Brasil.
Nessa esteira, autores internacionais de peso, como Mark Tush-
net e Jack Balkin, costumam destacar que uma imprensa livre6 e um
Poder Judiciário independente são elementos essenciais da manu-
tenção das instituições democráticas7. O sistema jurídico brasileiro,
por sua vez, é marcado pela múltipla existência de órgãos de con-
trole independentes, o que faz com que, além do Judiciário, outras
instituições também apareçam como protagonistas deste processo,
tais como os Tribunais de Contas e do Ministério Público.
O Relatório Anual de Atividades do Tribunal de Contas da
União (TCU) de 2017 aponta, por exemplo, que suas decisões em
5 “Even so, the United States still has many other republican defenses. We still have an
independent judiciary, regular elections, and a free press. Many other countries that have
eventually succumbed to autocracy are not so fortunate. Moreover, in the United States,
from the Founding onward, lawyers have played a crucial role in defending the republic: in
staffing an independent judiciary; in promoting rule of law values in the bureaucracy; and in
bringing cases to protect constitutional rights and check executive overreach. Once again,
many other countries that have become autocratic are not as fortunate as the United States”.
(BALKIN, Jack. Constitutional Rot. In: Can It Happen Here?: Authoritarianism in America, Cass
R. Sunstein, ed. (2018, Forthcoming) Yale Law School, Public Law Research Paper Nº 604 . p.
5-6).
6 “Institutional pluralism, we think, has an important role to play. The United States still has a
vigorous press, and a judiciary that generally seems inclined to stand up to direct attacks upon
the press. The more immediate threat to a robust public sphere based on a shared epistemic
ground is the delegitimation and marginalization of news sources that (by and large) hew to
norms of empirical verification and nonpartisanship. The willingness of socioeconomic elites
to demand high-quality news, and to decry exogenous efforts to distort the informational
environment either by official or unofficial means, will be of much importance” HUQ, Aziz
Z.; GINSBURG, Tom. How to Lose a Constitutional Democracy (January 18, 2017). UCLA
Law Review, Vol. 65, Forthcoming; U of Chicago, Public Law Working Paper Nº 642. p. 76.
Disponível em: . Acesso em: 30 set. 2018.
7 “Ginsburg and Moustafa (2008) provide a helpful catalogue of the ‘functions of courts in
authoritarian states’. Courts are used to (1) establish social control and sideline political
opponents,(2) bolster a regime’s claim to “legal” legitimacy, (3) strengthen administrative
compliance within the state’s own bureaucratic machinery and solve coordination problems
among competing factions within the regime, (4) facilitate trade and investment, and (5)
implement controversial policies so as to allow political distance from core elements of the
regime. (Ginsburg and Moustafa 2008)” (TUSHNET, Mark. Authoritarian Constitutionalism:
some conceptual issues. Constitutions in Authoritarian Regimes. Cambridge: Cambridge
University Press, 2014. p. 40).

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT