O Projeto de Lei n. 8.889/2017 e a política de conteúdo local para o serviço de fornecimento de conteúdo audiovisual por demanda

AutorPedro Henrique Christofaro
Páginas471-507
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O Projeto de Lei n. 8.889/2017 e a política de conteúdo local para o serviço de
fornecimento de conteúdo audiovisual por demanda
O Projeto de Lei n. 8.889/2017 e a política de
conteúdo local para o serviço de fornecimento
de conteúdo audiovisual por demanda
Pedro Henrique Christofaro1
Resumo
Um dos setores mais afetados pela revolução tecnológica recente,
especialmente no ramo da informática e das comunicações, foi o
do entretenimento. Passamos das fitas cassete, CDs e DVDs, à au-
sência total de mídias. Tudo isso graças ao surgimento dos serviços
de streaming, mais especificamente das empresas fornecedoras de
conteúdo audiovisual por demanda. Por meio delas, os assinantes
passaram a ter acesso instantâneo e sempre disponível a conteúdo
de entretenimento de diversos tipos e origens. Todavia, a globa-
lização exagerada põe em risco as peculiaridades culturais, moti-
vo pelo qual os ordenamentos jurídicos buscam criar mecanismos
de fomento à produção cultural local. No Brasil, não é diferente, há
proposta legislativa de fixação de mínimo de conteúdo local que
tais prestadoras de serviço devem oferecer em seu catálogo. A des-
peito dos objetivos razoáveis do projeto, os meios escolhidos não
parecem se afigurar como os mais eficientes. Desta feita, discute-se
a possibilidade de adoção de outras estratégias regulatórias, espe-
cialmente a de incentivos, para atingir o mesmo alvo.
Palavras-chave: PL n. 8.889/2017. Prestação de serviços de
fornecimento de conteúdo audiovisual por demanda. Política de
conteúdo local. Estratégias regulatórias. Política de incentivos.
Abstract
One of the sectors most affected by the recent technological
revolution, especially in the field of computer science and
communications was entertainment. We went from cassette tapes,
CDs and DVDs, to the total absence of any media. All this thanks
to the emergence of the streaming services, more specifically of
1 Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro; Bacharel em História pela
Universidade Federal Fluminense; Pós-graduado em Direito Público pela UCAM; Mestrando
em Direito da Regulação pela Fundação Getúlio Vargas com apoio da FGV e da CAPES.
E-mail: phchristofaro@gmail.com.
Transformações do Direito Administrativo:
O Estado Administrativo 30 anos depois da Constituição de 1988
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the companies supplying audiovisual content on demand. Through
them, subscribers have instant and always available access to
entertainment content from all over the world. However, exaggerated
globalization jeopardizes the cultural peculiarities, which is why
legal systems seek to create mechanisms to foster local cultural
production. In Brazil, it is no different, there is a legislative proposal
to create minimum local content that such service providers should
offer in their catalog. Despite the reasonable objectives of the
project, the means chosen do not seem to be the most efficient.
This paper discusses the possibility of adopting other regulatory
strategies, especially incentives, to reach the same target.
Key Words: PL 8,889/2017. Audiovisual content on demand
services provision. Local Content Policy. Regulatory Strategies.
Incentive policy.
1. Introdução
A criação do serviço de fornecimento de conteúdo audiovisual
por demanda (CAvD), seja acoplado a serviços de TV por assina-
tura (Now), seja por fornecedoras independentes (Netflix, Crun-
chyroll, Vimeo, Amazon Prime, entre outros), representou uma re-
volução no mercado mundial de entretenimento.
Mais do que uma verdadeira hecatombe no mercado de video-
locadoras e uma crise sem precedentes no de TV por assinatura,
proporcionou-se ao consumidor o acesso instantâneo, sempre dis-
ponível, de conteúdo farto e muito variado.
Nesse sentido, o objetivo do presente artigo é analisar a apli-
cação de possíveis estratégias regulatórias ao setor de provisão
de conteúdo audiovisual por demanda, buscando responder à in-
dagação de qual estratégia regulatória mais se adapta às peculia-
ridades do setor.
Sob a perspectiva metodológica, nos baseamos, teoricamente,
no trabalho compilatório de Robert Baldwin, Martin Cave e Martin
Lodge2 e Stephen Breyer, os quais apresentam de forma didática
2 BALDWIN, Robert; CAVE, Martin; LODGE, Martin. Understanding Regulation. Theory, Strategy,
and Practice. 2. ed. Oxford: Oxford University Press, 2012. p. 105-136.
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fornecimento de conteúdo audiovisual por demanda
e completa, as principais estratégias regulatórias conhecidas pela
teoria. Em seguida, utilizaremos a lógica dedutiva para aplicarmos
os instrumentos regulatórios no caso concreto proposto. Para tanto,
analisaremos a aplicação do sistema de cota de conteúdo nacional
nos mercados de petróleo e gás e de cinema; com isso, esperamos
situar o leitor em relação aos riscos e possibilidades da referida es-
tratégia verificados em tais mercados e que podem ser transpostos
para a hipótese em estudo.
Para resolução de tal questionamento, dividimos o trabalho
em três seções. Na seção inicial, faremos uma breve apresentação
sobre o setor de fornecimento de conteúdo audiovisual por de-
manda (CAvD).
Dando continuidade, avaliaremos quais foram as estratégias
adotadas pelo PL 8889/2017, o qual se propõe a ser, no Brasil, o
marco regulatório inicial do setor. Daremos destaque à política de
cota de conteúdo local, bem como traremos comparações com o
setor petrolífero e cinematográfico, com o objetivo de discutir a
viabilidade da política proposta.
Por fim, avaliaremos estratégias regulatórias alternativas à
vaticinada pelo legislador. Para isto, será discutida a possibilida-
de de adoção de uma política de incentivos, instrumentalizada
pela CONDECINE, bem como da adoção de mecanismos mais
brandos de regulação.
2. O streaming e o mercado de fornecimento de
conteúdo audiovisual por demanda (CAvD)
Muitos lembram, com ares de nostalgia, das corridas às video-
locadoras para ter acesso aos limitados exemplares de fitas (os
mais antigos) ou DVDs. O avanço tecnológico nas áreas da infor-
mática e telecomunicações foi o grande responsável pela disrup-
tura e pela transformação dessa prática em memória.
Saímos de uma era na qual era necessário “ter” o filme ou a
música sob a forma de algum tipo de mídia física (LP, CD, DVD,
fitas, blu-ray), passando a outra em que bastava armazenar o ar-
quivo em sua rede pessoal (cartões de memória, HDs), até che-
garmos ao momento atual, quando basta, tão somente, “ter o

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